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Entendendo Bolsonaro

Ao dobrar aposta em atos de domingo, bolsonarismo se arrisca politicamente

Entendendo Bolsonaro

22/05/2019 02h01

(Crédito: Pedro Ladeira/Folhapress)

*Jacques Mick

O próximo domingo (26) reserva, em todo o país, manifestações de apoio ao presidente Jair Bolsonaro e ao seu governo, numa arriscada aposta política para um governo que mal completou seis meses de duração.

Convocados nas redes sociais por grupos de apoio ao capitão reformado, os protestos pretendem reagir às últimas manifestações de rua do dia 15, e ao crescente isolamento do governo.

O seu tamanho indicará a resposta a um enigma que divide analistas políticos: Bolsonaro representa um fenômeno eleitoral episódico, reação antipetista, ou é resultado da ação antissistêmica organizada e articulada de segmentos autoritários da sociedade brasileira?

Desde que resolveu desafiar explicitamente Congresso, STF e a mídia que não lhe é fiel, semana passada, o governo perdeu o apoio de organizações da direita – como MBL e Vem Pra Rua -, parte do empresariado e da imprensa, lideranças políticas de sua base – o presidente do PSL, Luciano Bivar, condenou as manifestações, assim como João Doria e Janaina Paschoal – e influenciadores – como Lobão, por exemplo.

Em tese, isso pode ter como efeito a evaporação de parte de sua base, já fragmentada desde os protestos contra cortes na educação da semana passada.

O governo resolveu dobrar a aposta, convicto de que tem um eleitorado fiel – ou seja, que sua eleição não foi a consequência possível das combinações de candidaturas no pleito, mas o resultado de uma autêntica vontade de destruição do sistema político.

Manifestações razoáveis no domingo darão força a essa leitura e poderão levar o governo a radicalizar no autoritarismo. Atos flopados, pelo contrário, comprovarão que Bolsonaro é somente um resultado eleitoral trágico e desmoralizarão ainda mais o governo.

Forte ou fraco, o movimento do dia 26 inflará os ânimos para as novas manifestações contra os cortes na educação, marcadas para o próximo dia 30. Se os atos do dia 26 forem grandes, os protestos do dia 30 consolidarão a dinâmica de polarização sob novas bases: de um lado, o governo e sua agenda autoritária (ele não terá outra, porque não será mais possível conversar com o Congresso); de outro, a defesa do combo da democracia liberal – educação, liberdade de imprensa, instituições, Constituição etc.

No melhor cenário para o governo, ele enfrentará a partir do dia seguinte uma oposição unificada em defesa da democracia, numa disputa em verde-e-amarelo contra aqueles que justificam o agravamento da crise pelos vícios do sistema, não pela incompetência crônica do presidente e de sua equipe.

Se os atos do dia 26 fracassarem, haverá um imenso "Fora, Bolsonaro" no dia 30 em todo o país. Na última terça-feira (21), surgiu a primeira pesquisa de avaliação de governo em que a soma de ruim-péssimo é (bem) maior que a de ótimo-bom: 36% a 29%, respectivamente. Nela, indica-se também que 49% dos entrevistados são contrários ao impeachment do presidente, mas 38% já são a favor – e o quinto mês de mandato ainda nem acabou.

Os atos do dia 26 são, portanto, a mais arriscada aposta política desde aquela de Fernando Collor, em setembro de 1992.

*Jacques Mick é professor dos programas de pós-graduação em Jornalismo e em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina.

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Este é um blog coletivo que pretende contribuir, sob diversos olhares – da comunicação à psicanálise, da ciência política à sociologia, do direito à economia –, para explicar o fenômeno da nova política. O "Entendendo Bolsonaro" do título indica um referencial, mas não restringe o escopo analítico. Toda semana, pesquisadoras e pesquisadores serão convidados a trazer suas reflexões. O compromisso é com um conteúdo acadêmico traduzido para o público amplo, num tom sereno que favoreça o debate de ideias. Convidamos você a nos acompanhar e a interagir conosco.

 

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