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Entendendo Bolsonaro

Atos de domingo indicam como e para quem Bolsonaro pretende governar

Entendendo Bolsonaro

27/05/2019 02h33

(Crédito: Danilo Verpa/Folhapress)

*Murilo Cleto

No dia de ontem (26), manifestantes em apoio ao presidente Jair Bolsonaro e ao seu governo ocuparam as ruas de ao menos 140 cidades, em todos os estados do país.

Convocados nas redes sociais ao longo da última semana, os protestos marcaram uma reação às manifestações de rua do dia 15, contrárias ao governo, e ao crescente isolamento político do bolsonarismo, num mandato presidencial que mal chegou ao seu sexto mês.

Diante de acusações de extremismo ideológico vindas de correligionários – e agora "inimigos" – do bolsonarismo, nos dias anteriores ao ato houve uma grande mobilização em prol de uma moderação no tom da campanha virtual.

O objetivo era transmitir uma sensação de pluralidade e, assim, esconder o que os próprios protestos, ao fim do dia de domingo, reforçariam: Jair Bolsonaro pretende governar para o seu núcleo duro de apoio, e não para uma totalidade heterogênea de brasileiros, como se espera de qualquer presidente da República.

Existem muitas formas de entender uma manifestação de rua. Uma delas, nem tão evidente, mas igualmente importante, é pelo que se tolera e, sobretudo, pelo que não se tolera no interior das multidões organizadas.

Enquanto cartazes pelo fechamento do STF e do Congresso, por exemplo, circularam com naturalidade pelas cidades que sediaram os atos pró-Bolsonaro, uma mulher com camiseta de Marielle Franco, vereadora assassinada a tiros por milicianos no Rio de Janeiro, foi hostilizada na Avenida Paulista, em São Paulo. Profissionais de imprensa e pesquisadores também foram rechaçados, enquanto saudosos do regime militar desfilavam em paz pelas ruas em verde e amarelo.

Como tem demonstrado, é para essas pessoas que Bolsonaro pretende governar. As pautas em favor da reforma da Previdência, da reforma ministerial e do pacote anticrime são remendos que o bolsonarismo criou para suavizar o caráter antidemocrático das convocações que passaram a circular no dia 17, em resposta aos protestos contra o governo dois dias antes.

No carro mais moderado do ato em Copacabana, no Rio, o deputado estadual Filippe Poubel (PSL) chamou o STF de "picadeiro" e reproduziu a fala de Eduardo Bolsonaro sobre fechar o órgão com apenas "um soldado e um cabo". Não sofreu represálias. O segundo carro centrou artilharia em Rodrigo Maia e o terceiro pedia intervenção militar. O único problema entre eles era o volume do primeiro carro, alto demais segundo um intervencionista.

O presidente reagiu aos atos através de sua conta no Twitter e, durante o dia, compartilhou vídeos como esse abaixo, que pede pela "Lava-Toga", uma versão da Lava-Jato especialmente voltada para o Supremo:

Em outro vídeo compartilhado por Bolsonaro, se dizia: "O choro é livre, o Lula não!".

Ou, ainda, "A nossa bandeira jamais será vermelha".

Como sacou Marcus André Melo em coluna na Folha, "o bolsonarismo não busca aumentar a sua influência horizontalmente sobre setores centristas, mas aumentar a coesão e ativismo no seu grupo".

Isso significa abrir mão mesmo dos apoiadores de ocasião em nome de uma estratégia que garanta a Bolsonaro solidez o suficiente para, mesmo mais rejeitado do que apoiado, nunca desidratar a ponto de ser derrubado.

Daí a importância de manter vivo o espectro do petismo para seguir antagonizando com ele, dessa vez de modo hegemônico. Essa foi apenas a segunda mobilização de rua do bolsonarismo, a primeira sem o MBL e o VPR, que, mais ou menos imiscuídos no sistema, perceberam a tentativa de emparedamento e se deslocaram para garantir autonomia, mas sob o risco – provável depois do que se viu nas ruas ontem – de perder o eleitorado antipetista.

Ao demonizar a negociação política e relacioná-la ao modus operandi petista de compra de apoio parlamentar, o que faz o bolsonarismo é jogar os demais grupos da direita na vala comum dos corruptos da "velha política". Kim Kataguiri, por exemplo, já circula como "comunista" nas hostes bolsonaristas.

Então é mais ou menos isso: se as medidas do governo passam, muito que bem; se não passam, culpa do sistema viciado e corrupto. Mas Bolsonaro fez sua parte e tentou.

E as reformas? O apoio quase irrestrito dos manifestantes a elas não pode ser ignorado. Algumas, como a da previdência, são claramente impopulares. E talvez o Brasil tenha sido vanguarda ao sediar, pela primeira vez na história da humanidade, protestos em que os manifestantes exigem trabalhar por mais alguns anos antes de se aposentar.

Mas essas pautas também parecem inscritas na gramática da polarização. Apoiar as reformas é uma forma de se destacar da esquerda, majoritariamente contrária a elas. Outro exemplo disso, um pouco mais cara do bolsonarismo, é a operação que derrubou a faixa "em defesa da educação", que estava em frente ao prédio histórico da Universidade Federal do Paraná, em Curitiba.

O presidente, é bom que se diga, teve a oportunidade de defender as reformas na única declaração pública que deu ao longo do dia fora das redes sociais. Num culto, Bolsonaro preferiu, no entanto, celebrar o movimento e o "recado àqueles que teimam com velhas práticas não deixar que esse povo se liberte".

Aliás, "culto" é uma palavra que define bem o envolvimento desses grupos com o capitão. Nos últimos dias, diversas publicações nas redes bolsonaristas cultuavam o presidente como um enviado de Deus e quem "levou uma facada para que o Brasil não virasse uma Venezuela". Na Paulista, um padre disse que "Bolsonaro foi o que Deus nos deu". É para eles que Bolsonaro pretende governar.

Há analistas que, desde o início oficial da campanha, no ano passado, apostam na moderação de Bolsonaro. Ela não veio nem no segundo turno, nem durante o governo depois de cinco longos meses. E, ao que tudo indica, nunca virá.

*Murilo Cleto é historiador, especialista em História Cultural, mestre em Cultura e Sociedade: Diálogos Interdisciplinares, e atualmente aluno especial do programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Professor de História e Sociologia nos ensinos básico e superior, também atua como palestrante e assessor pedagógico.

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