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Entendendo Bolsonaro

Com 'banana' ao PSL, Bolsonaro reforça desprezo brasileiro a partidos

Entendendo Bolsonaro

10/10/2019 15h39

(Crédito: Divulgação/PSL)

* Vinícius Rodrigues Vieira

Jair Bolsonaro cogita deixar o Partido Social Liberal (PSL), agremiação de direita que viabilizou a eleição do atual presidente da República. Mais que um comportamento individual – esperado para um político que, em 30 anos de vida pública, passou por oito partidos – , a atitude de Bolsonaro reflete o padrão personalista dos movimentos políticos de massa do país e até mesmo da América Latina.

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Para a surpresa de poucos e decepção de muitos à direita, nosso emergente conservadorismo de massas tem os mesmos defeitos dos demais movimentos de Terra Brasilis. Isso porque Bolsonaro quer um partido para chamar de seu tal como outros políticos brasileiros que, sem espaço em suas agremiações – seja à esquerda ou à direita – , abandonaram ou ameaçaram deixar seus aliados para escapar de escândalos de corrupção ou ainda driblar a falta de afinidade com dirigentes partidários. Afinal, os "ismos" – como o bolsonarismo – estão acima das instituições.

Como bem resume reportagem da Folha de S. Paulo, Bolsonaro e seus filhos Flávio e Eduardo estão em rota de colisão com Luciano Bivar, manda-chuva do PSL muito antes de o presidente e sua prole sonharem em conquistar o poder. As disputas se resumem basicamente ao poder de indicar candidatos às eleições municipais de 2020 e controlar os vultuosos recursos do fundo partidário que os sociais-liberais abocanharam por terem feito a maior bancada de deputados federais no ano passado.

Ademais, afetado pelo escândalo dos candidatos "laranja" no pleito de 2018, o PSL deixou de ser uma casa confortável para muitos bolsonaristas que ambicionam acabar com a corrupção – pelo menos aquela praticada pelos seus adversários políticos.

Alguns veem uma atitude ditatorial, de desrespeito às instituições, na movimentação do presidente, que estaria articulando a fusão do Patriota (o antigo Partido Ecológico Nacional, cujo nome foi alterado no ano passado na esperança de que Bolsonaro se candidatasse ao Planalto pela legenda) com outros nanicos. Isso permitiria que parlamentares do PSL deixassem o partido sem correr o risco de perder o mandato.

Sem exagero, é possível dizer que a "banana" de Bolsonaro ao PSL reflete um padrão histórico, ainda que, caso ele deixe o partido, será algo inédito para um presidente em exercício de mandato. Os partidos brasileiros não são orgânicos, ligados a segmentos sociais específicos.

Uma exceção talvez seja o PT – fruto do sindicalismo, comunidades eclesiais de base e movimentos sociais – , mas há tempos o "centralismo democrático", ou seja, a concentração de decisões na cúpula partidária, conforme detalhado por Celso Roma em artigo acadêmico publicado em 2006, limita o alcance da democracia interna no partido.

Aliás, não custa nada lembrar que o lulismo sempre esteve acima do petismo como movimento de massas. Foi assim com o getulismo, que, no intervalo democrático de 1946-1964, pairou soberano sobre o Partido Social Democrata (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – ambos crias diretas de Vargas após a ditadura do Estado Novo, conforme resumido neste trabalho de Lucia Hippolito.

Marina Silva criou sua Rede Sustentabilidade em 2014 para apenas quatro anos depois considerar sua fusão com a antiga casa dela, o Partido Verde, e o PPS, atual Cidadania, o qual diz estar de braços abertos para a candidatura de Luciano Huck, num movimento análogo ao que o PSL fez ao receber Bolsonaro. Fernando Collor, com quem Bolsonaro é por vezes comparado, fez uso do nanico Partido da Juventude (PJ) – convertido em Partido da Reconstrução Nacional (PRN) em 1989 – para chegar ao Planalto.

Em 1992, como ocorre com presidentes latino-americanos impedidos pelo legislativo, foi impichado menos por seus crimes de responsabilidade e mais pela falta de base partidária no Congresso Nacional em meio a uma crise econômica.

Como tornar os partidos mais "sérios" no país? Uma alternativa seria impor a eles a realização de primárias, tal como os vizinhos Argentina, Bolívia e Uruguai o fizeram. Nos EUA, primárias são o meio pelo qual, desde o começo do século 20, facções distintas nos Partidos Republicano e Democrata controlam suas disputas internas e asseguram maiores chances de vitória contra o oponente.

Porém, pelo menos para cargos majoritários – como presidente da República – , elas podem se tornar fakes. Por exemplo, a última primária presidencial argentina não teve disputa entre candidatos de um mesmo partido e/ou coligação, tendo servido apenas para antecipar a derrota do candidato à reeleição, o centro-direitista Mauricio Macri, para os peronistas temidos pelo mercado.

Partidos têm estímulos para se fundir até 2030, quando haverá a efetivação completa da cláusula de barreira, a qual prevê que os partidos deverão ter um mínimo de 3% dos votos válidos em pelo menos 9 dos 27 Estados (incluindo o Distrito Federal), sendo que, em cada um deles, devem obter minimamente 2% dos votos. Com isso, diferentes facções dentro das agremiações teriam um estímulo para disputar eleições internas para ver quais candidatos são mais competitivos.

Americanófilo, Bolsonaro poderia emular o Tio Sam e propor a Bivar a realização de primárias para selecionar os candidatos pesselistas ao pleito municipal de 2020. Muito mais popular que o dono do partido, o hospedeiro Bolsonaro poderia, assim, tomar posse do PSL, convertendo-o de fato no PT da direita – ou seja, um partido de massas refletindo uma visão de mundo conservadora.

Talvez outros partidos seguissem o exemplo do presidente nesse cenário hipotético. Isso, porém, é exigir demais de quem sempre viu partidos como meros veículos para suas ambições pessoais. É ainda demandar algo demasiado de um país que insiste em voltar ao passado.

Em tempo: um dos possíveis destinos de Bolsonaro é a União Democrática Nacional (UDN), um revival do partido de oposição ao getulismo entre 1946 e 1964. O líder máximo da UDN, Carlos Lacerda – um liberal convicto que, todavia, não se importava de bater na porta dos quartéis demandando golpes contra os getulistas – , deve sorrir do além.

* Vinícius Rodrigues Vieira é professor visitante do Departamento de Relações Internacionais da USP.

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