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Entendendo Bolsonaro

Bolsonaro é o maior “Lula livre” do país

Entendendo Bolsonaro

06/11/2019 23h04

(Crédito: Reprodução)

*Murilo Cleto

O Supremo Tribunal Federal retoma nesta quinta (7) o julgamento que pode reverter o atual entendimento da Corte sobre a possibilidade de prisão antecipada – ou seja, já a partir da condenação em segunda instância. No dia 24, o placar anotou 4×3 em favor da manutenção da regra. Mas, entre os que ainda não votaram, só a ministra Cármen Lúcia deve defendê-la.

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Segundo o Conselho Nacional de Justiça, 4,8 mil presos podem ser libertados enquanto aguardam o julgamento dos seus recursos. Mas é evidentemente sobre o ex-presidente Lula que estão voltados todos os holofotes no momento. Lula já foi condenado pelo STJ, mas ainda recorre. Então, se houver mudança, em breve ele estará fora da Superintendência da Polícia Federal de Curitiba.

Bolsonaristas estão alvoroçados com a possibilidade. Ainda que não tenha exatamente mudado de posição desde o julgamento de um habeas corpus do petista, no ano passado – quando votou pela permanência de Lula na cadeia –, Rosa Weber foi severamente atacada nas redes sociais como uma espécie de traidora.

Uma avalanche de falsificações das mais grosseiras sobre a ministra e seus familiares circulou com intensidade após o voto que, agora, pode garantir a liberdade do ex-presidente.

Antes disso, blogueiros alinhados com o governo e mesmo lideranças importantes, como o general Villas Bôas – atualmente assessor do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República –, pressionaram a Corte.

Villas Bôas já havia sido mais explícito quando do julgamento do habeas corpus de Lula: "Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais. Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais".

Muitos viram, com um bocado de razão, uma ameaça bastante consistente de golpe militar. Na ocasião, ele ainda era comandante do exército.

Mas o fato é que, pelo menos na atual conjuntura, a soltura do ex-presidente é um bom negócio para Bolsonaro. Primeiro porque Bolsonaro é uma cria do caos. Com Lula solto, as redes sociais convulsionam e o PT volta a ser o centro das atenções.

A despeito da cobertura crítica ao governo Bolsonaro e das revelações trazidas à tona pelo The Intercept Brasil e demais parceiros, a imprensa brasileira continua sendo majoritariamente simpática à Lava-Jato.

Segundo, porque a libertação de Lula pode unir, mesmo que momentaneamente, boa parte dos antipetistas hoje francamente divididos – inclusive dentro do PSL, o partido do presidente. Ainda que a identificação à sigla não interesse a Bolsonaro, lhe serve muito bem o papel de antagonista do PT, em torno do qual orbitam demais figuras de menor envergadura política.

Foi assim que ele venceu as eleições em 2018. E é assim que ele pretende chegar em 2022. O terço que atualmente o apoia não é – ele sabe muito bem disso – suficiente para elegê-lo, assim como tampouco é o terço petista para eleger o representante do lulismo.

A estratégia é muito clara: manter vivo o espectro do petismo para restar como única opção para derrotá-lo nas urnas daqui a três anos. E, nesse sentido, nada melhor do que "Lula livre".

Mas, além disso, também há razões mais imediatas para que Bolsonaro deseje, ainda que secretamente, a libertação do ex-presidente. Hoje já não é segredo para ninguém que o Planalto está em guerra com os demais poderes. Essa é uma guerra que é operada principalmente em termos performáticos.

E, para os bolsonaristas, a performance conta muito. Aqui ela serve não para uma ruptura institucional imediata. O AI-5, com o qual Eduardo Bolsonaro tanto "sonha" – termo preciso usado pelo presidente –, não é uma realidade no horizonte próximo.

O que o bolsonarismo pretende mesmo é de outra natureza: é desidratar aos poucos as instituições de freio e contrapeso, exatamente aos moldes húngaros. E, para isso acontecer, é preciso desmoralizá-las, constrangê-las, esvaziar sua legitimidade, para, através mesmo de mecanismos institucionais, soterrá-las.

Um dos principais alvos dessa estratégia é, por razões consideravelmente óbvias, o STF. Bolsonaro sabe que precisa de uma Corte subserviente para emplacar sua agenda.

E talvez o exemplo mais emblemático desse quadro seja a postura dos bolsonaristas quanto à chamada PEC da Bengala, que foi aprovada em 2015 para que Dilma Rousseff não pudesse nomear, por uma improvável mas legítima coincidência, cinco ministros do Supremo no mesmo mandato.

Então a idade de aposentadoria compulsória dos membros da Corte subiu, repentinamente, de 70 para 75 anos. Bolsonaro, como deputado na ocasião, votou a favor. Agora a base governista da Câmara articula uma revisão da proposta que, se efetivada, dá ao presidente a possibilidade de emplacar não dois, mas quatro ministros já no primeiro mandato.

O gesto se espelha numa iniciativa semelhante do partido Lei e Justiça, na Polônia. Com Lula solto – e isso pode ser hoje, amanhã ou depois –, especialmente graças a uma decisão do STF, os ânimos contra a Corte se acirram e as chances de avanço da pauta ficam substancialmente maiores.

Se não passar, segue firme a campanha anti-Supremo. Na pior das hipóteses, para os bolsonaristas, continua viva a performance antiestablishment. E de repente vêm mais vídeos de hienas por aí.

Bolsonaro, evidentemente, nunca vai admitir. Mas ele é, sem dúvidas, o maior "Lula livre" do país.

*Murilo Cleto é historiador, especialista em História Cultural e mestre em Cultura e Sociedade. É também pesquisador das novas direitas, professor, escritor e palestrante.

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