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Entendendo Bolsonaro

"A lealdade do Centrão é muito volátil", diz professor da FESPSP

Entendendo Bolsonaro

28/04/2020 21h38

Para evitar isolamento político e um consequente processo de impeachment, Bolsonaro costura uma aliança com o Centrão (Crédito: Pedro Ladeira/Folhapress)

* Cesar Calejon

A crise aberta pela saída do ex-ministro Sergio Moro consolida uma mudança de rumo no tabuleiro político do bolsonarismo: no meio de uma pandemia, com o dólar na casa dos R$ 5,50, a economia em frangalhos e o sistema público de saúde beirando o colapso em vários estados brasileiros, o presidente tem agora no "Centrão" a sua última esperança de sobrevivência política.

Para refletir sobre este cenário, o blog conversou com William Nozaki, professor de ciência política e economia da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo).

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Segundo ele, a cisão entre o bolsonarismo e o lavajatismo atingirá o presidente em duas frentes distintas, gerando mais instabilidade num ambiente já radicalizado.

"A saída do Moro explicita e aprofunda uma cisão na base do bolsonarismo. Olavismo e lavajatismo se separam e impõem uma fissura no eixo de sustentação do presidente, tanto na opinião pública quanto junto às instituições. O cenário político, que já está marcado por radicalizações, deve caminhar para uma instabilidade ainda mais severa", prevê.

De acordo com ele, os argumentos apresentados por Sergio Moro para justificar sua saída explicitam crimes de responsabilidade, de probidade contra a gestão pública e de autonomia no exercício dos poderes cometidos por Bolsonaro.

"Caso sejam comprovados, justificam, juridicamente, a abertura de processo de impeachment. Dada a relação tensa entre Bolsonaro, o Congresso (Nacional) e o STF (Supremo Tribunal Federal), essa instabilidade pode aumentar a animosidade entre os poderes, além de diminuir a legitimidade, questionar a legalidade e, possivelmente, afetar a popularidade do presidente. O presidencialismo de coalizão, que já experimentava uma crise com um mandatário sem base parlamentar certa e sem partido definido, agora tem um presidente que se tornou um anão moral e institucional", complementa Nozaki.

Evidentemente, qualquer processo de impedimento de um presidente eleito tem duas dimensões: jurídica e política. Além disso, Bolsonaro depende agora dos partidos que são conhecidos como o "Centrão".

"É preciso observar as próximas movimentações do Congresso e de Rodrigo Maia, as emergências impostas pela pandemia e as sessões parlamentares realizadas à distância, que podem adiar esse processo (de impeachment). Contudo, passado o auge da crise sanitária – e com a chegada da crise econômica subsequente – será muito difícil a sustentação de Bolsonaro, porque a lealdade do Centrão é um anteparo muito volátil para assegurar, sozinha, a estabilidade do presidente em um cenário tão convulsivo quanto o atual", explica o cientista político.

Sobre a relação do presidente brasileiro com o Congresso Nacional, ele ressalta que oscila entre a tensão e a fragilidade.

"Ele (Bolsonaro) não tem partido claro nem base definida. Quando os projetos do governo atendem determinados interesses e são articulados com liderança são pautados e votados. Quando obedecem só a interesses pessoais, familiares ou de segmentos estritamente ideológicos tropeçam em inconsistências técnicas e inabilidades políticas (…) O presidente não dispõe de inteligência política para entender a diferença entre barganha e negociação, é um falso moralista e um mau articulador", avalia Nozaki.

Desde o desembarque de Moro, o mundo político volta as suas atenções ao que resta de espinha dorsal do governo Bolsonaro: os militares. Para Nozaki, entre Bolsonaro e o ex-juiz da Lava Jato, prevalecerão o que ele chama de "interesses corporativistas", que privilegiam a burocracia estatal em detrimento dos interesses nacionais.

Se permanecerem leais a Bolsonaro, ressalta o professor, os generais terão de sustentar um governo ainda mais extremista e ideológico. "Diante do isolamento institucional e do encolhimento social, resta a Bolsonaro apostar, ainda mais, na radicalização e na ideologização. Sua base social orgânica não é majoritária, mas é barulhenta e violenta. Contudo, o desgaste do presidente não significa necessariamente o fim do bolsonarismo ou dos anseios autoritários e antidemocráticos que pairam sob e sobre o País".

* Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (EACH-USP). É, também, autor do livro "A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI" (Lura Editorial).

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