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Entendendo Bolsonaro

O que Paulo Guedes continua fazendo no governo?

Entendendo Bolsonaro

29/04/2020 13h26

O ministro da Economia Paulo Guedes (Crédito: Adriano Machado/Reuters)

* Murilo Cleto

Já faz pelo menos uma semana que a permanência de Paulo Guedes no governo Bolsonaro não encontra qualquer justificativa razoável.

No dia 22, a Casa Civil chamou uma coletiva para anunciar um plano batizado de "Pró-Brasil" que, segundo as estimativas, deve injetar algo como 30 bilhões de reais em obras de infraestrutura até 2022. O Ministério da Economia não participou nem das discussões, nem do evento.

Vendido como uma versão brasileira do Plano Marshall, o Pró-Brasil está mais para uma espécie de New Deal desidratado e improvisado. Mas nem por isso deixa de ir contra as convicções ideológicas mais arraigadas de Guedes, o Chicago Boy que emprestou a Bolsonaro sua reputação, junto ao mercado financeiro, de privatista e austero.

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Bolsonaro precisou de Paulo Guedes em 2018 tanto porque não sabia nada de economia quanto porque a escalada da crise econômica no Brasil chegou junto da Operação Lava Jato, alimentando a percepção de que uma existia em função da outra. Na verdade, a percepção de que o país quebrou graças à corrupção. Uma noção simplista, é verdade, mas bastante popular.

A partir daí, o que o presidente fez foi, uma vez consolidado como principal referência do campo antipetista, reunir, a despeito de todo seu histórico como parlamentar, lideranças que traduzissem essa percepção numa reação: nomeou Guedes e Moro para vender ao país a imagem de que agora as coisas voltariam aos eixos porque esse seria o governo do liberalismo econômico e da tolerância zero com a corrupção e a criminalidade. Não por acaso, esses eram os ministros que mais gozavam da simpatia da imprensa.

Moro, no entanto, caiu – na verdade se jogou depois de ver que não seria indicado ao Supremo e que estava prestes a perder o capital político construído por anos junto a lavajatistas. Em menos de um ano e meio de governo, Bolsonaro nomeou um procurador-geral da República fora da lista tríplice elaborada pelo Ministério Público Federal e passou a exigir da Polícia Federal comportamento de empresa de segurança privada. E a sustentação das camadas médias ao governo, que já vinha caindo desde a crise do coronavírus, ficou ainda mais manca.

Apesar dos sinais de que entregaria os pontos antes, Guedes ficou. Ficou e, aliás, se viu obrigado a dar demonstrações a cada dia mais patéticas de lealdade ao presidente. Primeiro cerrando fileira ao lado dos demais apoiadores de alta patente no pronunciamento de contragolpe a Moro, ainda na sexta (24), e, segundo, na aparição pública conjunta na segunda (27), levando cutucões depois de falar sobre o sacrifício que servidores públicos teriam que fazer diante do atual quadro fiscal.

Perguntado sobre o Pró-Brasil, o ministro da Economia disse que ele, na verdade, é um composto de "estudos", sem entrar em detalhes. A exogenia é muito clara. Também na segunda, Bolsonaro tentou amenizar o desconforto dizendo que na economia quem decide é Paulo Guedes. Mas os dois sabem – e a essa altura o Brasil quase todo também – que isso não é verdade.

O bolsonarismo caminha a passos largos para uma importante reconversão. De queridinho das elites, ele deve agora – com o apoio de importantes lideranças neopentecostais – ampliar a popularidade junto a camadas mais vulneráveis da população. E isso também parece insustentável sem ao menos alguma sinalização de aumento de recursos para a área social. Neste caso, Guedes também fica?

Já está em vigor, apesar dos percalços, um entendimento entre o governo e o Centrão, o que, de uma maneira ou de outra, também vai fatalmente resultar em aumento de gastos. Porque é assim que o Centrão opera. E neste caso, Guedes também fica?

Ao que tudo indica, parece ser uma questão de tempo para o tão evitado "divórcio" – para usar uma metáfora que o presidente gosta bastante. É possível até que, pronto para sair, o ministro da Economia tenha sido surpreendido pelo desembarque de Moro e que, diante da possibilidade de ter sua saída apagada pela da estrela-mor do primeiro escalão do governo, tenha decidido recuar.

Bolsonaro notou – pelo menos se foi isso mesmo – e agiu rápido para tirá-lo do ostracismo e forçar um apoio fundamental nessa hora que parece decisiva para a sobrevivência do seu mandato. Depois das últimas sinalizações, parece difícil que Guedes peça para sair sem um fato novo. E ele muito dificilmente terá um com a magnitude do que foi para o Moro a demissão do Valeixo.

Seja como for, a permanência de Guedes já perdeu quase todo o sentido. Resta ver até onde ele acredita que pode ir para não perder também o seu capital político. Não parece, mas vai haver Brasil depois de tudo isso.

* Murilo Cleto é historiador, especialista em História Cultural, mestre em Ciências Humanas: Cultura e Sociedade e pesquisador das novas direitas no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná.

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