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Entendendo Bolsonaro

Bolsonaristas prepararam celebração do vídeo para conter os seus efeitos

Entendendo Bolsonaro

25/05/2020 10h16

(Crédito: Marcos Correa/Agência O Globo)

Vitor Marchetti

Nos últimos dias abundaram análises e interpretações sobre o impacto da divulgação do vídeo da reunião ministerial. O consenso talvez tenha sido o de que não há ali a materialidade robusta da prova que Sergio Moro, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, dizia ter.

É óbvio que Bolsonaro pediu a cabeça de Moro também porque exigiu a mudança na PF – as mudanças que promoveu na saída de Moro são o suficiente para provar isso. Mas não há na reunião ministerial um elemento forte que possa servir a um processo legal. Ok. Ainda assim há muito material ali para ser debatido e trazido para o embate político.

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Por enquanto, os únicos que souberam usar politicamente do vídeo foram os próprios bolsonaristas. E o fizeram por uma razão simples, já sabiam exatamente o seu conteúdo e prepararam a estratégia nas suas redes.

Alguns disseram que a reunião em si tinha sido uma armação e manipulação. Não vejo assim, os caras são aquilo mesmo, bajuladores do presidente, despreparados, irresponsáveis e criminosos. Agora, se o vídeo não foi uma armação, a preparação da reação a ele foi.

O bolsonarismo sabia exatamente qual o potencial para o vídeo detonar as já frágeis pontes institucionais, mas sabia também o quanto sua horda ficaria em êxtase com aquelas falas.

Como não tinham mais meios para evitar a sua divulgação – e eles tentaram – , partiram para a estratégia de dissuadir as reações ao vídeo mobilizando e orientando seus exércitos, criando uma falsa ideia de que a divulgação mais o beneficaria do que o prejudicaria.

Vamos analisar os movimentos de Bolsonaro na semana que antecedeu a divulgação do vídeo:

– Se encontrou com os governadores em um tom conciliador;
– Ensaiou um armistício com Rodrigo Maia;
– Teve em Alcolumbre um intermediador com os governadores;
– Acelerou a distribuição de cargos para o Centrão: quase 80 bilhões já estão sobre o controle de Marun, Waldemar da Costa Neto e Cia.

Ou seja, Bolsonaro agiu para tentar preventivamente minimizar os efeitos políticos que a divulgação do vídeo faria nas frágeis pontes institucionais. Ele sabe que sua base popular é muito barulhenta e fiel, mas que vem encolhendo para cada vez mais próxima do núcleo.

Sabe também que sua capacidade de se manter no poder e entregar política pública mais concreta – e não apenas bravatas que não enchem a barriga de ninguém – depende da estabilização dessas pontes.

Ou vocês acham que o ataque aos ministros do STF desperta confiança e respeito dos ministros do STJ, dos juízes federais e estaduais? Ou que a clara interferência na PF e em diversos órgãos de controle agrada a maioria dos servidores que formam e operam essas instituições?

E no Congresso? Bolsonaro cada vez mais depende do fisiologismo do Centrão.

O carnaval das redes bolsonaristas foi planejado e conduzido com zelo e antecipação. Fez tudo parecer orgânico e espontâneo. Quando a sequência lógica dos fatos e o histórico de manipulação das redes pelo bolsonarismo tornam razoável pensar que a reação foi conduzida com esse objetivo.

E foi assim exatamente porque sabem dos efeitos que o vídeo tem sobre o futuro mais imediato do seu governo. Por isso, apontaram para um longínquo e distante 2022: Bolsonaro reeleito. Mas não há saltos nem mágicas na política, no caminho tem pandemia, crises econômica e política e muita, mas muita incompetência e irresponsabilidade.

Vitor Marchetti é cientista político e professor do Bacharelado e da Pós-graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC)           

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