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Entendendo Bolsonaro

Governo Bolsonaro é a defesa do mais forte, diz acadêmico

Entendendo Bolsonaro

26/05/2020 22h20

Para André Grimblatt, doutor em Comunicação Estratégica, a pandemia expõe a natureza suicidária do governo Bolsonaro

* Cesar Calejon

Na semana em que a América do Sul tornou-se o novo epicentro da pandemia da Covid-19 – com destaque especial para a situação do Brasil, que é o maior e mais populoso país da região – o País tomou conhecimento, pelo vídeo da reunião ministerial, da total alienação de toda a cúpula do governo federal para com os problemas concretos – o drama – enfrentados pela população.

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Para avaliar as mensagens enviadas pelo presidente à população brasileira – e à sociedade internacional, de forma mais ampla – durante a fatídica reunião ministerial, esta semana o blog conversou com o franco-chileno André Grimblatt, doutor em Comunicação Estratégica pela Universidade Sorbonne e mestre em Estudos Latino-Americanos pela Universidade de Poitiers, ambas localizadas na França.

Segundo Grimblatt, a tragédia anunciada no Brasil da pandemia dialoga com a raiz ideológica do governo Bolsonaro, uma concepção que nega ao Estado o dever da solidariedade social. "Semiologicamente e em termos de teoria econômica, a mensagem enviada pelo presidente brasileiro reflete que ele (Bolsonaro) não pensa como um estadista interessado no bem da nação (Brasil), mas (por meio do mecanismo) neoliberal que reduz o ser humano ao papel de consumidor", introduz o acadêmico, que também foi o primeiro decano da Escola de Pós-Graduação da Universidade UNIACC, em Santiago, no Chile, e hoje atua como consultor de comunicação no mercado francês.

"Estamos nos vendo confrontados pela nossa própria natureza, com uma situação na qual lutamos pela vida, seja evitando a fome ou o vírus. (…) Contudo, essa natureza não é a do 'homo economicus', que os seguidores de (Adam) Smith, no final do século XVIII há muito promoveram, e foi refeita em Chicago (EUA), durante a segunda metade do século passado", explica.

Para ele, "o neoliberalismo atual se baseia nas teorias de (Charles) Darwin de que somente 'os mais fortes sobrevivem em cada espécie'. Aplicada à situação atual, na prática, essa filosofia afirma que não caberia ao Estado tomar medidas para combater a propagação do vírus e as tragédias correlatas ou organizar a ajuda para os que, devido à pandemia, pararam de receber as suas rendas de forma parcial ou total".

Nesse sentido, nada mais didático do que lembrar as palavras de Abraham Weintraub, ministro da Educação. Na reunião ministerial, o chefe do MEC foi cristalino ao fazer a defesa do abandono dos indivíduos à sua própria sorte. Para ele, neste momento, o cidadão brasileiro não estaria "gritando pra ter mais Estado, pra ter mais projetos".

Este é o cerne da questão para compreender como o neoliberalismo afeta a vida dos brasileiros no âmbito da vida cotidiana.

Vale ressaltar, neste contexto, que as teorias darwinianas foram elaboradas no século XIX para explicar como ocorre a evolução das espécies animais e não para endereçar a complexidade das relações sociais humanas quase duzentos anos mais tarde. Utilizar preceitos do reino animal, da entomologia e da etologia, por exemplo, para tentar compreender a riqueza da condição humana atualmente resulta em uma abordagem reducionista, elitista e predeterminada, invariavelmente.

"Essa teoria econômica, segundo os seus fundadores e seguidores", prossegue Grimblatt, "avança os fundamentos do que eles entendem ser a 'natureza humana', acusando outros pensamentos, como os teocráticos, humanistas ou materialistas, entre outros, de serem contrários aos fatos".

Segundo o doutor em comunicação, as posições e falas de Bolsonaro durante a reunião ministerial traduzem exatamente esta posição. "É absolutamente o discurso do neoliberalismo. Ele foi eleito para uma administração neoliberal no Brasil e ele está fazendo isso. (…) As palavras e imagens de Bolsonaro (nesta ocasião) tentam mostrar que ele e seus seguidores são mais fortes do que o vírus e adversários políticos. Apesar disso, na História humana, houve muitos ditadores que acreditavam ser mais fortes do que a natureza. Bolsonaro é um deles. Contudo, todos estes terminaram as suas aventuras de forma trágica ou solitária".

Grimblatt acredita que, de fato, a pandemia expôs a falácia da premissa neoliberal. "Essa demonstração que a natureza vem dando nos últimos meses, em toda a Terra, é muito dolorosa, mas a mensagem é bastante clara e inequívoca, tanto que os governos neoliberais, como o do (Jair) Bolsonaro, que ainda existem neste planeta, estão se transformando em palhaços neo-hilariantes que o mundo inteiro despreza", acrescenta.

Ainda segundo o professor, os países nos quais o Estado assumiu o controle da situação, com clareza e objetividade no sentido de proteger os sistemas de saúde e as vidas dos cidadãos locais, obtiveram os melhores resultados. "Enquanto os países que favoreceram a economia não apenas choraram dezenas de milhares de mortos, mas também agravaram o próprio cenário econômico", garante.

Ele argumenta que a pandemia está sendo um divisor de águas ao evidenciar o valor da solidariedade, e expor governos que não possuem qualquer compromisso com ela.

"Esse debate deve estar no nível humano, das espécies, da comunidade de mulheres, homens, crianças e idosos da Terra. O ser humano não pode e não deve ser reduzido à condição de consumidor, cujo papel seria passar a vida negociando para consumir cada vez mais e melhor, emprestando e hipotecando o seu futuro e o de sua família. Muitos países levaram essa crise pensando na saúde dos cidadãos e os resultados – embora nunca sejam ótimos – mostraram sérias e encorajadoras diferenças com relação àqueles que continuam a pensar que os fracos devem perecer para deixar o lugar para os mais fortes", conclui Grimblatt.

* Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (EACH-USP). É, também, autor do livro "A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI" (Lura Editorial).

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