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Entendendo Bolsonaro

Marina Helou: "Instituições foram moldadas para deixar mulheres de fora"

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30/09/2020 22h37

"O Senado Federal não tinha banheiro feminino até 2016. São instituições desenhadas para deixar as mulheres, pretos e pardos do lado de fora, literalmente. Nós vamos trabalhar para mudar este cenário". (Crédito: Assessoria de Imprensa)

* Cesar Calejon 

Segundo dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) 2019, o número de mulheres no Brasil é superior ao de homens. A população brasileira é composta por 48,2% de homens e 51,8% de mulheres. Outros gêneros não são sequer mencionados na pesquisa.

Além disso, as mulheres ocupam apenas 15% dos cargos públicos do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), o que diz muito sobre a fragilidade de nossa democracia representativa.

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Seguindo o especial pré-eleições, esta semana o blog conversou com Marina Helou, deputada estadual (SP) eleita pela Rede Sustentabilidade e, agora, candidata a prefeita de São Paulo nas eleições municipais. A jovem deputada, que nas eleições de 2018 elegeu-se com 39.839 votos e tem como principais pautas a primeira infância, o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, a prevenção de homicídios na adolescência e a inserção de mais mulheres na política institucional, apresenta as suas ideias e fala sobre o machismo e a falta de representatividade que caracterizam a vida pública brasileira.

"A boa política, para mim, tem muito a ver com a visão de Aristóteles: o encontro das diferenças legítimas que temos na sociedade para buscar soluções coletivas aos problemas comuns. Isso pressupõe, necessariamente, diálogo, negociação, aprofundamento das questões e realmente ter o foco no resultado final do que impacta as pessoas", introduz Helou.

Para ela, a boa política parte da polaridade legítima que existe na sociedade, com pessoas que têm personalidades e interesses diferentes, para construir um conjunto social melhor para todos.

"São Paulo tem um potencial enorme. É o nosso ponto de encontro entre os brasileiros e o mundo, mas hoje estamos presos nesta falta de perspectiva. Todas as discussões atuais (sobre a cidade) partem da mesma lógica que sempre existiu. Assim, o principal problema que a nossa cidade enfrenta continua sendo a desigualdade social. Dentro da capital, separados por apenas oito quilômetros de distância, temos bairros com expectativa de vida de oitenta anos e outros de cinquenta e três anos, apenas. Essa desigualdade nos prejudica como um todo e impede o nosso desenvolvimento", acrescenta.

Sobre o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, ela afirma que "todas as bases de uma construção responsável considerando o meio ambiente foram simplesmente descartadas pela administração Bolsonaro. As resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), criado pela Lei Federal nº 6.938/81, foram derrubadas na canetada, permitindo a exploração da catinga, do manguezal, queima de combustível tóxico, aumento do uso de agrotóxicos etc. Quando o (ministro do Meio Ambiente) Ricardo Salles disse que aproveitaria a pandemia para 'passar a boiada' ele não estava brincando. Ele vem sendo um ministro realmente muito eficiente neste sentido".

"O problema aqui é que existem impactos que a gente simplesmente não consegue reverter e estes estragos estão sendo promovidos de forma muito rápida e profunda. Estamos colando em risco o nosso futuro de uma forma muito concreta", pondera a candidata.

Segundo ela, "até uma parcela do próprio agronegócio começa agora a se organizar para conter essas medidas da administração Bolsonaro e a destruição em massa que está em curso. Isso está acontecendo no Congresso Nacional e a (ministra da Agricultura) Tereza Cristina também vem assumindo uma postura mais enfática contra o Ricardo Salles, por exemplo. Além disso, alguns dos principais fundos de investimentos do mundo também estão se posicionando contra esses absurdos que estão acontecendo no Brasil".

Sobre a importância de elaborar políticas públicas que priorizem a primeira infância, Helou diz acreditar na elaboração de políticas públicas com base em fatos e evidências científicas.

"De acordo com estudos do economista James Heckman, por exemplo, a cada dólar investido na primeira infância (do nascimento aos seis anos de idade) a sociedade recebe outros sete dólares em retorno ao longo da vida deste cidadão. É nesta fase que o ser humano aprende e desenvolve as suas capacidades cognitivas, emocionais e de desenvolvimento social de forma mais ampla", garante.

"Este é um dos principais pilares da nossa atuação parlamentar e das nossas ementas", prossegue ela. "Estamos conduzindo ações com o terceiro setor e áreas técnicas do próprio governo. (…) A primeira infância é competência dos municípios. Esse investimento básico no primeiro ciclo educacional: ensino básico, creches, atendimento à maternidade e à parentalidade, assistência social. Como prefeita (da cidade de São Paulo), vamos colocar isso no centro da nossa atuação."

Uma de suas propostas é o Bolsa Neném que, de acordo com ela, tem o intuito de corrigir uma inconsistência da legislação brasileira.

"Hoje, existe uma incoerência gravíssima: (…) o próprio Ministério da Saúde do Brasil preconiza que o melhor para a saúde de todas as crianças é a amamentação exclusiva até os seis meses de vida, mas o Ministério do Trabalho oferece a licença maternidade de apenas quatro meses. Para piorar, hoje vivemos a pior crise de desemprego das últimas décadas. O Bolsa Neném é este investimento básico (do estado) para manter a sobrevivência destas famílias a partir de uma renda básica para que as mães possam seguir amamentando pelos primeiros três meses, pelo menos. Isso significa mais saúde para a criança e redução dos custos dos sistemas de saúde e serviço social", avalia a deputada, que também está engajada na redução do número de homicídio de adolescentes no estado de São Paulo.

"Estamos organizando um grande pacto coletivo, com quatro grupos de trabalho que têm pessoas de diferentes partes do espectro político, para construir soluções. Estamos casando os dados da área de saúde com os de segurança pública (…) para identificarmos onde podemos fazer buscas ativas e estabelecermos, efetivamente, uma política de prevenção. Esta iniciativa começou entre uma parceria da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e o estado do Ceará, onde eles já conseguiram reduzir em 5% o homicídio de adolescente. Eu quero trazer para a prefeitura (de São Paulo) esta mesma lógica."

Ciente dos privilégios que recebeu ao longo da vida, a candidata da Rede Sustentabilidade foi uma das lideranças apoiadas pelo movimento RenovaBR e reconhece a importância de realizar programas análogos nas regiões mais pobres das cidades brasileiras.

"É fundamental desenvolvermos iniciativas que aproximem as pessoas da política e dos espaços de poder. A gente não aprende o que faz um vereador, um deputado, um senador, o que é competência municipal, estadual e federal, o que são emendas, como funcionam os trâmites legislativos. A gente não aprende sobre isso em lugar nenhum. Qual é o orçamento de São Paulo, por exemplo? As pessoas não sabem e esse é o dinheiro que temos para investir enquanto sociedade. Isso não é ensinado na escola, na faculdade, no trabalho ou na família. Isso afasta as pessoas dos espaços de poder", afirma.

Para ela, a solução passa por instruir a população sobre as práticas da política institucional no Brasil."No meu mandato (de deputada estadual por São Paulo), nós andamos pela periferia da cidade (de São Paulo), nas escolas, abordando este tema de forma lúdica. (…) Neste sentido, o contrário de guerra não é a paz. O contrário de guerra é a política, porque é por meio dela que a gente discute as nossas diferenças para buscarmos soluções comuns."

Em parceria com diversas instituições, Helou conduziu um projeto com meninas dos bairros mais pobres de São Paulo no sentido de estimular a participação delas na vida política. "Explicamos como funciona, fizemos treinamentos sobre o orçamento da cidade, por exemplo. Levamos as meninas para fazerem uma imersão na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo), fizemos uma simulação da CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania). Fizemos um projeto de lei simples, que é o Dia das Meninas. Elas que fizeram a justificativa, escreveram o texto e protocolaram. Este é um trabalho real de trazer a participação popular de forma efetiva", enfatiza a deputada.

Ainda de acordo com ela, iniciativas desta natureza são fundamentais, porque "o Brasil é o último país de toda a América Latina considerando o número de mulheres na política. Estamos atrás de países como o Iraque e os Emirados Árabes. Além disso, mais da metade da população do Brasil, que é negra, também é representada de forma ínfima atualmente. Essas vozes e olhares precisam ocupar os espaços de poder, porque isso impacta diretamente no resultado, na qualidade das soluções", salienta.

"A sociedade brasileira é machista e a política institucional talvez seja o ambiente mais machista como reflexo deste contexto. Logo que eu cheguei (à ALESP), no meu primeiro dia, um deputado me agarrou, deu um beijo na bochecha e disse que eu não precisava me preocupar, porque eles (deputados) tinham realizado uma votação e eu tinha sido eleita uma das deputadas mais bonitas da casa. Segundo ele, por conta disso, tudo daria certo para mim (…). Coisas deste tipo acontecem o tempo todo (na política nacional). Quando eu voltei da licença maternidade, outro deputado me parabenizou e disse, na tribuna, que não ficaria muito feliz com a minha volta, porque ele sabia que o que eu realmente gostava era de parir. Coisas deste nível no plenário (da Alesp)", revela Helou.

"O Senado Federal do Brasil não tinha banheiro feminino até 2016, por exemplo. São instituições desenhadas para deixar as mulheres, pretos e pardos do lado de fora, literalmente. Nós vamos trabalhar para mudar este cenário", conclui.

* Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (EACH-USP). É, também, autor do livro "A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI" (Lura Editorial).


Este é um blog coletivo que pretende contribuir, sob diversos olhares – da comunicação à psicanálise, da ciência política à sociologia, do direito à economia –, para explicar o fenômeno da nova política. O "Entendendo Bolsonaro" do título indica um referencial, mas não restringe o escopo analítico. Toda semana, pesquisadoras e pesquisadores serão convidados a trazer suas reflexões. O compromisso é com um conteúdo acadêmico traduzido para o público amplo, num tom sereno que favoreça o debate de ideias. Convidamos você a nos acompanhar e a interagir conosco.

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