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Entendendo Bolsonaro

Evitáveis, cortes na educação e ciência cobrarão alto preço social

Entendendo Bolsonaro

15/05/2019 00h46

(Crédito: Reprodução/Facebook)

*Igor Tadeu Camilo Rocha

Várias instituições federais de ensino superior (IFES) brasileiras convocaram para esta quarta-feira manifestações contra políticas anunciadas pelo Ministério da Educação (MEC) e o governo Bolsonaro. No dia 13, os servidores da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) decidiram aderir às mesmas manifestações.

As reivindicações tocam temas relacionados ao investimento em ciência e tecnologia, mas foram motivadas, particularmente, por anúncios recentes do ministro Abraham Weintraub.

Em 30 de abril, o ministro anunciou um contingenciamento de 30% das verbas da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade de Brasília (UnB), alegando que as mesmas têm permitido eventos políticos e "balbúrdia" – sem especificar o que entendia como tal – nessas mesmas instituições de ensino, extensão e pesquisa.

No mesmo dia, o MEC anunciou que o contingenciamento atingiria a todas as instituições federais, tanto as universidades quanto os Institutos Federais (IFs), bem como outras ligadas a eles, como hospitais universitários.

Já no dia 8 de maio, a CAPES anunciou um "bloqueio preventivo" de 3.474 bolsas de pesquisa (mestrado, doutorado e pós-doutorado). Trata-se, segundo a própria Capes, de "bolsas ociosas", ou seja, que não foram implementadas até o momento do bloqueio.

É importante esclarecer, no entanto, que bolsas ociosas, em tese, são distribuídas dentro dos programas de pós-graduação a alunos recém ingressos neles ou mesmo a alunos matriculados que não tiveram, de início, bolsa de pesquisa.

Importante frisar que os cortes de bolsas não atingem somente universidades federais, mas institutos de pesquisa diversos, além de universidades estaduais. Ainda no dia 9 de maio, foi anunciado o desbloqueio de 1.315 bolsas, referentes a programas de excelência, com notas 6 e 7 – a Capes avalia a cada três anos todos os programas de pós-graduação, atribuindo-lhes notas que vão de 3 a 7, segundo critérios universais e alguns específicos de cada área.

Tais cortes foram minimizados pelo MEC, por meio de nota que seguiu apresentação feita por Weintraub na live feita na página do Facebook de Jair Bolsonaro, dizendo que o corte teria sido em torno de 3,4% referente a verbas "não discricionárias", ou seja, que podem ser contingenciadas e que são usadas, por exemplo, para o pagamento de água e luz das universidades, e que equivalem a 13,8% do orçamento das IFES.

Todavia, essa explicação já é alvo de questionamentos. O professor da Universidade Federal do ABC (UFBAC) Salomão Barros Ximenes, por exemplo, diz que a explicação do MEC se trata de uma maquiagem de dados, visando, propositalmente, confundir o orçamento das IFES com a subfunção de ensino superior, esta com seu orçamento executado por diversos órgãos e ministérios, como Economia, Educação e Ciência, Inovação e Tecnologia.

Vários especialistas em educação contestaram a afirmação do MEC sobre o corte ter sido de somente 3,5%, insistindo que tanto se trata de uma tática de desinformação intencional do governo como que algumas IFES tiveram, de fato, mais de 30% de verbas contingenciadas.

"Investir menos nas universidades e mais no ensino básico" foi um mote que apareceu entre os anúncios dos cortes, tanto nas palavras do próprio presidente como nas do ministro à frente do MEC. Todavia, tais declarações entram em contradição com anúncios que atingiram diretamente as instituições onde há ensino básico de alçada federal, como os IFs e o Colégio Pedro II, além das próprias políticas federais de expansão e melhoria da educação básica no Brasil.

A atribuição do contingenciamento e cortes na educação superior e pesquisa à crise econômica e fiscal pela qual o Brasil passa desde 2014 tampouco parece se sustentar.

A conhecida falta de recursos vai de encontro a notícias como de que Bolsonaro pretende encaminhar um projeto de anistia de dívidas da ordem de aproximadamente 30 bilhões de reais para o setor do agronegócio, ou ainda da liberação de mais 1 bilhão para emendas em troca de apoios para a reforma da previdência. Isso indica que a questão dos cortes de recursos para as IFES e ciência e tecnologia é mais profunda que problemas contingenciais.

Entendo que colocar as IFES e o ensino, em geral, em segundo plano, tal como não tratar a pesquisa científica como prioridade e agenda de desenvolvimento no Brasil, trate-se de uma agenda política. Enquanto conceito, agenda política define um conjunto de assuntos de caráter público e as formas (que podem ser mais ou menos regulares) de se lidar com eles, tomadas por grupos políticos e ideológicos.

No curso de debates e ações, levadas à frente por instâncias governamentais e grupos que interferem (ou tentam interferir) na formulação e implementação de políticas públicas, define-se uma agenda tocante a determinados assuntos e temas.

Assim, é possível pensar dois pressupostos que serão brevemente desenvolvidos nesse texto. O primeiro é que a agenda do governo Bolsonaro para as universidades e para a pesquisa científica, desde o início, tende a ataques nos quais os cortes no orçamento estão incluídos, mas não isolados.

Porém, essa tendência possui raízes mais profundas em termos de projetos de desenvolvimento e políticas públicas no Brasil, o que torna tal tendência do bolsonarismo mais um acirramento de um problema histórico que uma novidade. Alguns efeitos disso, a curto e longo prazo, serão mostrados aqui.

Historicamente, é necessário sublinhar, não há desenvolvimento econômico que se sustente em muitos anos, dentro de economias capitalistas posteriores à Revolução Industrial, sem forte investimento em ciência, tecnologia e inovação.

Tal investimento é uma condição para que qualquer país consiga qualquer nível substantivo de competitividade internacional. Evita, por exemplo, que se reproduza o problema histórico da economia brasileira de depender de oscilações internacionais de preços de commodities, típico de economia primário-exportadora. Pensando nesse aspecto, a situação brasileira não é das melhores.

A Unesco Institute of Statics possui uma base de dados na qual monitora uma infinidade de índices relativos a todos os países e continentes do mundo. Relacionado a suas metas de desenvolvimento sustentável até o ano de 2030, o instituto levantou entre os anos 1990 até o início desta década estatísticas sobre recursos humanos e financeiros de 161 países implicados no desenvolvimento de ciência e tecnologia.

As estatísticas do Brasil revelam a brutal necessidade de se investir mais em ciência. Elas não se alteraram tanto quanto a outra verificação, feita na mesma base de dados, no ano de 2011. Nela, o Brasil tinha 698,102 pesquisadores para cada milhão de habitantes. Para se ter um parâmetro sobre esse número: a média mundial, naquele ano, era de 1,080.8 pesquisadores por milhão de habitantes; o líder desse ranking, Finlândia, tinha 7,707 no dito levantamento, seguido por Islândia e Cingapura, com 7,315 e 6,088 respectivamente.

Comparando com outros países em desenvolvimento, perdemos de longe para Rússia e China (3,191 e 1,071, respectivamente). Perdemos ainda para a Argentina (980), Chile (833) e Irã (706).

Em termos de percentual investido em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, o Brasil, de acordo com o Banco Mundial, até 2016 investia 1,27% do PIB no setor. Bem abaixo da média mundial, de 2,229% e muito atrás de líderes como Coreia do Sul e Israel, que investem pouco mais de 4%.

Com esses números, ficam claros dois fatos:

1) falta muito investimento em ciência no Brasil, e esse investimento deveria perpassar muitos governos e muitos anos, articulados com um projeto de desenvolvimento baseado em autonomia tecnológica e científica, de longo prazo, algo que durasse por muitos governos e cujos resultados seriam vistos depois de décadas, como no caso da Coreia do Sul.

2) o problema do setor nem de longe se identifica com o governo Bolsonaro especificamente, mas sim com a falta de um projeto de desenvolvimento menos dependente da exportação de matérias primas e que passe por maciços investimentos em tecnologia e ciência.

A questão que envolve o atual governo, todavia, com seus cortes e/ou contingenciamentos – que seja qual opção for, indicam que o desenvolvimento científico não é a prioridade deste governo – trazem a tendência de se agravar problemas já de longa duração.

A relação de Bolsonaro e do bolsonarismo com as universidades, desde antes das eleições de 2018, tem sido de antagonismo. Sua relação com Olavo de Carvalho, notório por desqualificar e difamar as universidades e o conhecimento científico ao longo de toda a sua trajetória, é um indicativo disso.

O próprio Bolsonaro fez afirmações completamente falsas ao declarar, em entrevista, que a pesquisa científica no Brasil é feita majoritariamente em instituições privadas, sendo que, na verdade, 95% da produção científica brasileira vem das universidades públicas federais e estaduais.

O pesquisador Fabrício Benevenuto, que entre outras pesquisas importantes tornou-se conhecido por ter criado tecnologia de monitoramento de notícias falsas durante a eleição de 2018, monitorou essa semana uma infinidade de ataques contra universidades compartilhados em redes sociais, entre a militância bolsonarista.

Tratam-se, geralmente, de imagens de pessoas nuas fora de contexto ou de festas, além de vídeos de personalidades como a deputada Joice Hasselmann (PSL/SP) e do apresentador Ratinho fazendo afirmações, geralmente de cunho moralista, contra universidades federais.

Atacar as universidades públicas enquanto instituições e mesmo a ciência – o negacionismo climático e o revisionismo histórico são marcas de declarações e políticas de vários ministros de diversas pastas – servem à guerra narrativa do bolsonarismo. Mas seus efeitos, em termos de políticas públicas implementadas e materializadas nos ditos cortes, trazem efeitos práticos que podem ser devastadores, para toda a sociedade (não somente aos pesquisadores e universidades, que, diga-se de passagem, não estão à parte dela).

Importante frisar que desde 2018 já se adverte que a ciência brasileira pode parar a qualquer momento, um verdadeiro apagão da ciência. O pesquisador brasileiro Juliano Morimoto, biólogo ligado à Macquarie University, Austrália, publicou na forma de um manifesto na Revista Nature – talvez a mais importante em divulgação científica do mundo – um alerta nesse sentido, inclusive destacando a necessidade de uma mobilização a nível internacional contra o sucateamento da educação e ciência brasileiras.

Como já foi dito acima, um impacto a ser sentido é no campo econômico. Ulisses Pereira dos Santos, cujo doutorado em economia pelo Cedeplar-UFMG foi sobre políticas de desenvolvimento econômico, é enfático ao dizer que investimentos em ciência e inovação tecnológica possibilitam a um país uma maior competitividade no mercado internacional. A posição científica e tecnológica dos países, assim, é um elemento chave na definição da sua participação no cenário econômico global.

Engana-se também que tais investimentos devam ser feitos somente em áreas onde há "retorno imediato" – que a rigor, contrariamente ao que declarou o ministro da Educação, não existem.

A filósofa Catarina Dutilh Novaes, em entrevista à Revista Época, dá um panorama geral sobre como players internacionais no campo da inovação científica não prescindem (pelo contrário, incentivam) do ensino e pesquisa em humanidades inclusive em setores como engenharia, biomedicina, genética e outras hard sciences.

O desenvolvimento do computador, por exemplo, iniciou-se com um movimento filosófico na segunda metade do século 19 a respeito de questões sobre os fundamentos da matemática.

Aqui, darei alguns exemplos de como cortes na ciência impactam a população a curto prazo. Há danos, inclusive, que podem ser imediatos. Um caso é o corte de 87% nas verbas para o próximo censo, conduzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Sem dados sobre a população, coletados pelo censo, informações fundamentais para a formulação de políticas públicas de áreas como educação, segurança e muitas outras podem jamais ser coletadas e tratadas. Cortes na ciência podem afetar áreas como o desenvolvimento energético, que atualmente é demasiado dependente de hidrelétricas, de grande impacto ambiental, além de agricultura e outras.

Tais cortes podem gerar problemas graves na saúde pública. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por exemplo, já sofre com falta de pessoal e pode perder 40% de seus quadros de pesquisadores nos próximos anos, algo agravado pela não convocação de profissionais concursados em 2016.

É importante lembrar que esta fundação é a principal do país em produção de vacinas, além de ser referência mundial no assunto. Sua asfixia financeira significará a necessidade de se importar vacinas como as contra febre amarela, sarampo, coqueluche, tétano, gripes e outras, ou, num cenário ainda pior, sua falta e um consequente risco de epidemias.

O Instituto Butantã também passa por problemas do tipo, sendo alvo de políticas de corte nos âmbitos federal e estadual paulista. Por conta deles, por exemplo, houve interrupção de pesquisas sobre um aumento de casos de acidentes com escorpiões em São Paulo, além de já haver deficiência na produção de soro contra seu tipo de veneno, o que poderia ter evitado várias mortes.

Os exemplos de como cortes na ciência afetarão a todos poderiam seguir indefinidamente. A questão mais importante aqui é frisar que, quando ciência e tecnologia não são investimentos – investimentos, não gastos – prioritários de qualquer governo, toda a sociedade paga.

Ela paga na medida em que é condenada ao subdesenvolvimento ou a modelos totalmente insustentáveis de desenvolvimento, que, diante de eventos traumáticos como o de Brumadinho, em 2019, nos lembram do quanto já deveriam ter sido superados.

Ela paga também com epidemias que poderiam ser evitadas, doenças que poderiam ser curadas, e melhorias nas condições de vida que nunca virão ou, se vierem, terão de ser importadas e caras, quando não já obsoletas.

*Igor Tadeu Camilo Rocha é mestre e doutorando em História pela Universidade Federal de Minas Gerais.

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