Proteção de Moro a FHC desafia discurso antissistema de Bolsonaro
*Vitor Marchetti
Na última terça-feira (18), o site "The Intercept Brasil" publicou mais uma reportagem da série "Vaza Jato", divulgando nova rodada de conversas entre o ex-juiz e atual ministro Sergio Moro e integrantes da força-tarefa da Lava Jato.
Segundo as últimas mensagens divulgadas, Moro teria questionado o envio de um processo sobre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP). Ao procurador Deltan Dallagnol, alegou que a ação poderia "melindrar alguém [FHC] cujo apoio é importante".
Pois bem, nas eleições de 2018, houve um político que, ao lado de Lula e Dilma, foi alvo constante das redes bolsonaristas. Sabem quem é?
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, justamente o personagem que, para Moro, não deveria ser alvo de investigação do MP.
"Melindrar", segundo o Houaiss, significa ferir alguém no amor próprio, magoar, contrariar.
Há na declaração de Moro uma contradição que pode provocar algum embaraço à comunicação bolsonarista, sobretudo o braço atuante nas redes sociais. Trata-se da estratégia antissistêmica segundo a qual PT e PSDB representariam uma falsa polarização política para esconder um grande conluio de roubo aos cofres públicos brasileiros.
Os políticos, por esse raciocínio, seriam todos iguais.
No primeiro turno das eleições de 2018, uma das fotos mais compartilhadas no Whatsapp era de Lula e FHC juntos com a legenda de que ambos articulavam roubos a bancos durante a ditadura militar. Os dados foram levantados pelos professores Pablo Ortellado (USP), Fabrício Benvenuto (UFMG) e pela agência de checagem de fatos Lupa em 347 grupos de WhatsApp.
Um dos memes recorrentes falava de uma tal "bolsa ditadura", que teria, entre seus beneficiários, FHC. A informação, segundo a iniciativa UOL Confere de checagem e esclarecimento de fatos, é falsa.
O próprio Bolsonaro veio a público para reforçar a ligação. Em vídeo publicado nas redes sociais em agosto de 2018, disse que tucanos e petistas eram "farinha do mesmo saco", e que o objetivo da aliança era conseguir um indulto para Lula.
Não será fácil para a rede bolsonarista seguir enaltecendo Moro como herói contra a corrupção depois da última revelação do Intercept. Se houvesse lógica na argumentação de seus apoiadores, a sugestão de poupar FHC colocaria Sérgio Moro dentro de um pacto com os "bandidos".
Ocorre que falta de coerência não tem sido um problema para Bolsonaro com sua base. Como se apontou muitas vezes, o presidente consegue se vender como político outsider mesmo após 28 anos de mandatos consecutivos. Os indícios de corrupção e de ligação com milícias também não comovem seus fãs, que seguem vendo Bolsonaro como líder de uma cruzada ética.
A lógica antissistema de Bolsonaro não é totalizante. Em termos econômicos, suas reformas ultraliberais caminham passo a passo com o establishment. Em termos políticos e culturais, não. No mesmo vídeo em que defendeu semelhanças entre tucanos e petistas, Bolsonaro argumentou que os dois partidos estavam "metidos até o pescoço" em casos de corrupção, "trabalham contra a família" e "a favor da ideologia de gênero".
A suposta proteção de Moro a FHC corta como uma lâmina a linha discursiva que vê toda a classe política (exceto os bolsonaristas) como inimigo a ser combatido. Atinge-se, assim, um dos dois pilares em que se assenta a lógica antissistema do bolsonarismo. Esse é o fato novo a testar a até aqui resiliente impermeabilidade a evidências entre seus apoiadores.
*Vitor Marchetti é cientista político, professor do curso de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC)
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