Discurso ambíguo de Moro busca conter perda de apoio
Murilo Cleto*
O ministro Sergio Moro esteve na quarta, 19, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado para prestar esclarecimentos sobre o conteúdo das conversas divulgadas pelo The Intercept entre o então juiz da 13ª Vara Criminal de Curitiba e procuradores da força-tarefa da Lava-Jato.
Na CCJ, o ministro confirmou a ambiguidade característica do seu discurso a respeito dos vazamentos: por um lado, não reconhece a autenticidade do conteúdo exposto, mas, por outro, diz não ter encontrado problema algum no que foi apresentado até aqui. Em resumo: não diz que é verdade, mas também não nega.
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Essa ambiguidade parece ser um sintoma da dificuldade que Moro tem de admitir a nova posição em que se encontra no tabuleiro político nacional. Isso porque enquanto para a esquerda tanto o aceite para ocupar o gabinete de Bolsonaro quanto o conteúdo das conversas com promotores apenas reforçaram sua visão negativa a respeito do ex-juiz, para a direita os eventos estão provocando, ao que tudo indica, uma espécie de racha.
De um lado, os mais identificados com o centro – que admitem a importância da Lava-Jato no combate à corrupção, mas não dispensam o respeito ao devido processo legal –, não têm escondido sua decepção com o ministro. De outro, os mais radicalizados – que veem Bolsonaro como uma oportunidade de tocar sua agenda antidemocrática – já deram todos os sinais que o combate à corrupção e à esquerda, em particular, pode fazer uso dos instrumentos mais inadequados possíveis.
Seja como for, é fato que Sergio Moro já não é mais uma unanimidade no campo da direita. Na primeira pesquisa divulgada após os vazamentos, realizada pelo Atlas Político nos dias 11 e 12, o abalo foi percebido com uma queda de 60% para 50,4% na imagem positiva e uma escalada de 31,8% para 38,6% na imagem negativa do ministro. Com a evolução das divulgações, que, segundo o The Intercept, vão continuar, a tendência é que o apoio popular continue minguando.
E vem daí a postura reticente do ex-juiz. Moro poderia simplesmente reconhecer a autenticidade das mensagens, mas isso implicaria abrir mão do apoio dessa direita mais legalista e identificada com o centro. O gesto, no entanto, muito provavelmente o tornaria ainda maior entre os radicais. O problema é que, no momento, Moro precisa do apoio dos radicais para sobreviver politicamente, mas também dos legalistas se quiser mesmo pleitear uma vaga no Supremo.
Como tem tudo para pegar mal – especialmente para a retórica antiestablishment do bolsonarismo – a sugestão de não investigar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a tendência era que Moro fosse compelido a finalmente negar a autoria das mensagens. Mas, como se sabe, não é tão simples assim. Inclusive porque o custo dessa negativa seria alto demais caso lá na frente surja algum áudio ou algo do tipo.
Então Moro simplesmente preferiu esticar a corda para ver até onde ela aguenta. Ele segue sem negar a autenticidade das mensagens, mas sem ver problema algum no conteúdo delas. Trata-se, aliás, de um caso curioso de hacker, que invade aparelhos e escreve mensagens com as quais o ministro se identifica.
É consensual que Sergio Moro entrou no governo emprestando credibilidade para Bolsonaro. Mas as coisas no Brasil mudam muito rápido. Hoje é ele quem torce para que o presidente o convide para ver jogos em estádios e saia em sua defesa. Bolsonaro sai dessa, inclusive, mais forte. O presidente vê um potencial oponente para 2022 diminuir de tamanho, dessa vez sem qualquer esforço. Antes, Bolsonaro já tinha dado alguns sinais de que era ele quem dava as cartas.
Daqui até as próximas eleições ainda tem muito chão, claro, mas o imbróglio não deixa de ser revelador para todos os envolvidos. De qualquer forma, o ministro Moro vai precisar de muito mais do que tem mostrado se quiser voltar a chegar perto do que foi um dia. Muito mais do que apostar na chantagem de que quem critica a operação Lava-Jato é, na verdade, a favor da corrupção. Muito mais do que dizer que foi ele o alvo de um crime. Muito mais, enfim, do que essa postura de quem não admite que não é – porque de fato nunca foi – o herói que esse país quase todo considerava.
* Historiador, especialista em História Cultural, mestre em Cultura e Sociedade e aluno especial do programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
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