Vaza Jato: a quais leis deve prestar contas um procurador brasileiro?
*Rafael Burgos
Reportagens do jornal Folha de S.Paulo e do site The Intercept Brasil revelaram, no último domingo (7), mais um capítulo da série "Vaza Jato", divulgando nova rodada de conversas entre integrantes da força-tarefa da Lava Jato e o ex-juiz e atual ministro Sergio Moro.
Desta vez, os diálogos revelados sugerem uma articulação conjunta para expor informações sigilosas sobre corrupção na Venezuela, com a pretensão de interferir na política do país vizinho.
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Como vem sendo o tom da defesa dos envolvidos nos vazamentos, Moro se pronunciou no Twitter em tom político – conforme o cargo que hoje ocupa – para justificar ações que nada pertencem ao terreno da política.
A tônica, que degrada o debate público e aliena o cidadão dos princípios de uma democracia liberal – a separação dos poderes e o respeito à ordem legal -, é produto de uma escolha pessoal: Sergio Moro, antes juiz, escolheu – legitimamente – tornar-se ministro do governo Bolsonaro.
A degradação está dada pelo motivo de que a Lava Jato, enquanto ideia, objeto de discurso unificador, dessa forma, naturaliza o olhar político que lhe busca dar legitimidade, quando as suas ações deveriam ser analisadas unicamente a partir do viés jurídico.
Nesta segunda-feira (8), a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP), voz importante da direita brasileira devido ao seu papel de protagonismo no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, também usou o Twitter para defender Moro e Lava Jato das últimas revelações.
O raciocínio de ambos, Moro e Janaina, opera sob a mesma lógica: os atos em questão, que derivam de agentes do Estado brasileiro, seriam legítimos uma vez que pretendem fazer justiça a uma ditadura.
Janaina menciona o "dever" do procurador Deltan Dallagnol como se estivesse a olhar para as qualidades morais de um cidadão privado. Ocorre que, enquanto detentor de cargo público, as suas atitudes deveriam obedecer a ritos institucionais, e não servir a paixões e pretensões pessoais.
Tal qual o ministro Sergio Moro, a advogada e professora de direito penal avalia as práticas do procurador conforme o critério moral de uma ditadura arbitrária, e não conforme as regras da democracia de seu país, única à qual Deltan Dallagnol deve prestar contas.
Nessa mesma linha também pensou o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, quando, em palestra nesta segunda-feira, comparou Moro, um ex-juiz federal, ao Batman, um herói da ficção que, ao que consta, jamais obteve cargo público no Brasil.
Todos esses discursos sugerem, em comum, a desistência do Direito como regulador da moral, ao contrário, submetendo-o ao consequencialismo da ação política, que se pretende missionária e virtuosa sob regras morais.
Mas, como diz o jurista Lenio Streck, um conservador das leis num país tentado a instrumentalizá-las: "se a moral corrige o Direito, quem corrige a moral?".
Se resta apenas este consequencialismo, que pertence ao terreno da política, como princípio de ação do Estado, de nada valem as leis.
A pretensão de avaliar a atitude de um procurador da República a partir de uma régua política, que justfica ações de caráter institucional pelas suas intenções subjetivas, compõe o retrato de uma perigosa deformação do Estado de Direito.
O risco é que, com o tempo, caminhando sem destino, perdendo a noção de sujeição a regras básicas da democracia, o Brasil naturalize o protagonismo desta régua política. A robustez institucional do país será tanto menor quanto mais frequente for o uso arbitrário dela.
*Rafael Burgos é jornalista, autor do TCC "Donald Trump: a redenção pelo regresso".
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