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Entendendo Bolsonaro

Libertação de Lula é bom negócio para o bolsonarismo

Entendendo Bolsonaro

09/11/2019 08h10

(Crédito: Sergio Lima / AFP)

*Murilo Cleto

Esta sexta (8) marcou um capítulo decisivo na disputa política brasileira, com o ex-presidente Lula deixando a prisão após 19 meses detido em Curitiba.

A decisão ocorre após o resultado do julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) nesta quinta (7) que barrou a permanência na prisão de condenados em segunda instância, como é o caso do petista.

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Com algumas poucas exceções, como é o  nada desprezível  caso do vice-presidente Hamilton Mourão, o bolsonarismo assistiu ao episódio de maneira comportada para os seus padrões, com o presidente Jair Bolsonaro se aproveitando do assunto apenas para cometer mais um ataque diário a jornalistas – no caso, à jornalista Natuza Nery, que cobria a soltura do ex-presidente.

É importante lembrar: pelo menos na atual conjuntura, a soltura do ex-presidente é um bom negócio para Bolsonaro. Primeiro porque Bolsonaro é uma cria do caos. Com Lula solto, as redes sociais convulsionam e o PT volta a ser o centro das atenções.

A despeito da cobertura crítica ao governo e das revelações trazidas à tona pelo The Intercept Brasil e demais parceiros, a imprensa brasileira continua sendo majoritariamente simpática à Lava-Jato.

Segundo, porque a libertação de Lula pode unir, mesmo que momentaneamente, boa parte dos antipetistas hoje francamente divididos – inclusive dentro do PSL, o partido do presidente. Ainda que a identificação à sigla não interesse a Bolsonaro, lhe serve muito bem o papel de antagonista do PT, em torno do qual orbitam demais figuras de menor envergadura política.

Foi assim que ele venceu as eleições em 2018. E é assim que ele pretende chegar em 2022. O terço que atualmente o apoia não é – ele sabe muito bem disso – suficiente para elegê-lo, assim como tampouco é o terço petista para eleger o representante do lulismo.

A estratégia é muito clara: manter vivo o espectro do petismo para restar como única opção para derrotá-lo nas urnas daqui a três anos. E, nesse sentido, nada melhor do que "Lula livre".

Mas, além disso, também há razões mais imediatas para que Bolsonaro desejasse, ainda que secretamente, a libertação do ex-presidente. Hoje já não é segredo para ninguém que o Planalto está em guerra com os demais poderes. Essa é uma guerra que é operada principalmente em termos performáticos.

E, para os bolsonaristas, a performance conta muito. Aqui ela serve não para uma ruptura institucional imediata. O AI-5, com o qual Eduardo Bolsonaro tanto "sonha" – termo preciso usado pelo presidente –, não é uma realidade no horizonte próximo.

O que o bolsonarismo pretende mesmo é de outra natureza: é desidratar aos poucos as instituições de freio e contrapeso, exatamente aos moldes húngaros. E, para isso acontecer, é preciso desmoralizá-las, constrangê-las, esvaziar sua legitimidade, para, através mesmo de mecanismos institucionais, soterrá-las.

Um dos principais alvos dessa estratégia é, por razões consideravelmente óbvias, o STF. Bolsonaro sabe que precisa de uma Corte subserviente para emplacar sua agenda.

E talvez o exemplo mais emblemático desse quadro seja a postura dos bolsonaristas quanto à chamada PEC da Bengala, que foi aprovada em 2015 para que Dilma Rousseff não pudesse nomear, por uma improvável mas legítima coincidência, cinco ministros do Supremo no mesmo mandato.

Então a idade de aposentadoria compulsória dos membros da Corte subiu, repentinamente, de 70 para 75 anos. Bolsonaro, como deputado na ocasião, votou a favor. Agora a base governista da Câmara articula uma revisão da proposta que, se efetivada, dá ao presidente a possibilidade de emplacar não dois, mas quatro ministros já no primeiro mandato.

O gesto se espelha numa iniciativa semelhante do partido Lei e Justiça, na Polônia. Com Lula solto graças a uma decisão do STF, os ânimos contra a Corte se acirram e as chances de avanço da pauta ficam substancialmente maiores.

Se Lula livre revigora a autoestima da esquerda, não se pode negar, da mesma forma, que, para o discurso bolsonarista, a sua libertação é um ótimo negócio.

*Murilo Cleto é historiador, especialista em História Cultural e mestre em Cultura e Sociedade. É também pesquisador das novas direitas, professor, escritor e palestrante.

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Pesquisadores e estudiosos da nova direita e suas consequências em diversos campos: da sociologia à psicanálise, da política à comunicação.

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