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Entendendo Bolsonaro

Vitória de Johnson consolida tsunami populista no Reino Unido

Entendendo Bolsonaro

13/12/2019 12h02

(Crédito: Daniel Leal-Olivas / AFP)

* Vinícius Rodrigues Vieira 

A vitória do Partido Conservador no Reino Unido, liderado pelo primeiro-ministro Boris Johnson, coroa o populismo de direita numa das maiores economias do planeta.

Com ampla margem sobre os rivais trabalhistas, os conservadores retomaram a maioria no Parlamento e, com isso, podem dar sequência ao Brexit, a saída do país da União Europeia, que se arrasta há três anos e meio desde o referendo em que 52% dos votantes optaram por deixar o bloco.

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Porém, as consequências de tamanho triunfo — a maior vitória conservadora desde que a neoliberal Margaret Thatcher conquistou um terceiro mandato em 1987 — vão muito além das ilhas britânicas.

Isso porque Johnson encarna como ninguém o populismo de direita, oferecendo, assim, um modelo a políticos desse lado do espectro político ao redor do mundo, entre eles o presidente Jair Bolsonaro.

O combo formado por promessas pouco críveis, mentiras deslavadas na campanha, mobilização com base na identidade nacional e uma mistura de elementos liberais e intervencionistas na economia ganha fôlego por pelo menos uma década.

Graduado em Oxford, o agora reeleito primeiro-ministro britânico é um filho legítimo da elite que vem estimulando há uma década o nacionalismo inglês. Embora sinalize com a busca por acordos de livre-comércio — sobretudo com os Estados Unidos do também populista de direita Donald Trump —, Johnson deverá dar um caráter mais intervencionista a seu governo que a média dos conservadores dos últimos 40 anos.

Interessa ao mandatário conservador reter a lealdade daqueles que votaram em seu partido embora fossem tradicionalmente trabalhistas, como é o caso dos eleitores em distritos eleitorais do norte da Inglaterra.

Assim, ainda que Trump pressione Johnson a abrir o mercado britânico a serviços de saúde privados, o primeiro-ministro pretende destruir o NHS, o sistema nacional de saúde universal no qual nosso SUS foi inspirado. Nem mesmo o presidente americano conseguiu fazer isso com o Obamacare, mecanismo aprovado sob a liderança de Barack Obama que estendeu a cobertura médica privada nos EUA.

Embora os trabalhistas tenham ficado com menos de um terço das 650 cadeiras do Parlamento, os conservadores não podem considerá-los carta fora do baralho num futuro próximo.

Com um líder mais forte e pragmático que o socialista Jeremy Corbyn — que liderou um programa típico de esquerda do século XX, com foco na classe social, mas ignorando demandas de identidade nacional com a promessa de um segundo referendo sobre o Brexit —, qualquer excesso liberal de Johnson pode ser punido em pleitos futuros no Reino Unido.

Se é que o Reino Unido continuará a existir num futuro próximo. A concentração de representantes conservadores na Inglaterra e o crescimento no número de deputados do Partido Nacionalista Escocês (SNP) torna inevitável discutir um segundo referendo acerca da independência da Escócia.

Também convém observar os desdobramentos desta eleição na Irlanda do Norte, já que o DUP, partido unionista, perdeu cadeiras, abrindo, portanto, espaço para debater seriamente a fusão daquela parte do país com a República da Irlanda.

A inevitável implantação de uma fronteira hard, com controles aduaneiros na ilha, entre a República — membro da UE — e sua parte norte indica isso. A não ser que Johnson convença o eleitorado e seus hardliners a manterem o Reino Unido na união aduaneira da UE — hipótese pouco plausível neste estágio.

Afinal, Bruxelas não dissocia a liberdade de movimento do livre comércio. Como o afluxo de imigrantes do Leste Europeu está entre as causas centrais do Brexit, a base de Johnson rejeitaria tal proposta.

Há exatos 40 anos Thatcher inaugurava a era neoliberal, com desregulamentação de mercados, comércio e fluxos financeiros, após o experimento dos Chicago Boys no Chile do ditador Augusto Pinochet. Agora, a alvorada nacionalista-populista se consolida com a maioria conservadora de Johnson.

Os britânicos há tempos não comandam os mares do mundo, mas, quando se trata de maré política, sua influência jamais pode ser descartada — tende, aliás, a ser um tsunami.

* Vinícius Rodrigues Vieira é professor visitante do Departamento de Relações Internacionais da USP.

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