Qualquer um pode ver conteúdo tóxico nos grupos bolsonaristas
Rodrigo Ratier*
Um pesquisador de grupos bolsonaristas no WhatsApp relata ter sido ameaçado por e-mail. Teve de deixar o país às pressas. A suspeita de David Nemer, professor da Universidade da Virgínia, nos EUA, é que a ocorrência tenha a ver com seu campo de estudo.
O fato – grave – não surpreende. Qualquer um pode testemunhar a agressividade dos grupos que apoiam o presidente Jair Bolsonaro no WhatsApp. Basta digitar no Google as expressões Bolsonaro + chat.whatsapp.com. Você poderá escolher um entre milhares de grupos públicos (abertos para acesso via link) de simpatizantes do capitão reformado. Como disse o próprio presidente no episódio do golden shower: "tire suas conclusões".
É uma tarefa penosa. Como professor e pesquisador, investigo desde o início do ano esses agrupamentos. Apresentei a primeira parte dos resultados no 42º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Intercom, em setembro de 2019.
O teor tóxico é evidente. Já recebi vídeos de tortura, fuzilamentos, convites para grupos de troca de pornografia. Eventualmente aparecem propagandas de venda de notas falsas e de cartões de crédito sem limites. Nem sempre os administradores banem os autores dessas postagens.
A maioria das postagens traz mensagens hiperpartidárias – louvação a Bolsonaro, demonização dos adversários, muitas vezes com desinformação e fake news. A autoria em geral é de produtores de conteúdo alinhados à extrema direita. O YouTube é a principal fonte de informação. A imprensa tradicional, tida por comunista, é ridicularizada.
É comum que os integrantes se tratem por "patriotas" e se vejam imbuídos de diversas missões: combater a corrupção, denunciar o desvirtuamento de valores pela esquerda, impichar ministros do STF e os presidentes da Câmara e do Senado. Em alguns casos, há apoio aberto a alguma forma de intervenção militar. Tudo é reiterado por um fluxo estonteante de mensagens. Em alguns grupos de que faço parte, o total de posts ultrapassa a marca de 1.100 por dia. Impossível acompanhar.
O missionarismo é incentivado: "Isso a Globo não mostra, repasse essa mensagem para todos os seus contatos". Outra estratégia é convidar para a entrada em outros grupos do mesmo teor.
A certa altura da pesquisa, fiz uma experiência prática: entrei em um grupo bolsonarista e fui aceitando todos os convites para integrar agrupamentos semelhantes. Em 10 dias, estava participando de 31 grupos.
A profusão de convites é tanta que os grupos acabam constituindo uma rede difusa. Há intensa troca de conteúdos e várias conexões entre os grupos. De modo que se um deles cair, a rede segue ativa sem problemas.
A imagem acima mostra a estrutura dessa rede mapeada em 10 dias. A ponta de um iceberg. Engana-se quem imagina que isso seja parte do jogo eleitoral: o período de análise foi de 1° a 10 de junho, mais de 7 meses após as eleições. Vários grupos foram criados nesse intervalo de 10 dias. Ou seja: a rede bolsonarista no WhatsApp não apenas segue ativa, mas está em expansão.
A hipótese é que a maioria dos participantes desses grupos sejam pessoas de carne e osso, adeptas das ideias do bolsonarismo. Há, no entanto, uma quantidade desproporcional de números do exterior (3% da amostra, quando há 0,8% de nossa população vivendo em outros países). Entre eles aparecem telefones de países com pouca imigração brasileira, mas com focos de pirataria digital: Paquistão, Índia, Letônia e Benim. Difícil acreditar que sejam expatriados ou estrangeiros interessados em discussões políticas do Brasil. A bibliografia tende a correlacionar ocorrências desse tipo como a presença de robôs.
O WhatsApp se defende dizendo que tomou medidas para reduzir o encaminhamento de mensagens – modalidade dominante nos grupos. Também diz que a funcionalidade representa uma fatia pequena (10%) no total de mensagens trocadas pelo aplicativo. Em outubro, a empresa condenou os grupos públicos acessados por meio de links. "Vemos esses grupos como tabloides sensacionalistas, onde as pessoas querem espalhar uma mensagem para uma plateia e normalmente divulgam conteúdo mais polêmico e problemático", afirmou Ben Supple, gerente de políticas públicas e eleições globais do WhatsApp. Aparentemente, muita gente não ouviu.
* Professor do curso de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero (SP), doutor em Educação pela USP e blogueiro da plataforma ECOA-UOL.
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