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Entendendo Bolsonaro

Ressurreição de Biden dá alento a centristas fora dos EUA

Entendendo Bolsonaro

05/03/2020 12h21

(Crédito: Eric Thayer/Reuters)

[RESUMO] O ressurgimento do democrata Joe Biden nas eleições primárias para a Casa Branca após a "Superterça" serve de inspiração para centristas que procuram se vender como alternativa ao populismo de direita em democracias além dos Estados Unidos. Com a sua habilidade para atrair votos de vários seguimentos, Biden consolida sua liderança a partir de uma coalizão heterogênea, que desafia as bases da política identitária que tanto fez a cabeça da esquerda no pós-Guerra Fria.

Vinícius Rodrigues Vieira

Vice-presidente de Barack Obama, o democrata Joe Biden emerge da Superterça como o favorito para enfrentar Donald Trump em novembro. Desbanca, portanto, o autodenominado socialista democrático Bernie Sanders, que, embora pudesse ser considerado apenas um moderado de esquerda na Europa, no contexto americano é demasiadamente progressista para o paladar político do cidadão médio.

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Ainda que esteja ainda mais fortalecido depois da desistência do bilionário e também centrista Michael Bloomberg, Biden ainda deve enfrentar um longo caminho até conquistar a indicação dos democratas para concorrer à Casa Branca. De todo modo, sua ressurreição após um começo decepcionante nas primárias deve inspirar políticos em outras democracias que buscam uma alternativa aos populistas de direita.

A coalizão de Biden é heterogênea e enseja lições para centristas em todo o mundo — até porque as alternativas de centro europeias, como o presidente francês Emmanuel Macron, enfrentam percalços significativos.

Biden atrai principalmente afro-americanos, mas seu posicionamento político moderado sugere potencial para reter o voto de brancos e conquistar a simpatia daqueles que escolheram Trump em "swing states" do antigo cinturão industrial do norte americano — o chamado "Rust Belt", particularmente os Estados de Wisconsin e Minnesota, que foram cruciais para que o republicano fizesse maioria no Colégio Eleitoral em 2016, ainda que acabasse perdendo para a então candidata Hilary Clinton no voto popular.

Trump exibe índices de pleno emprego, mas são ocupações de baixa qualidade — instáveis e cuja remuneração nem sempre faz jus ao currículo dos empregados, principalmente os mais jovens, hoje bastante entusiasmados com Sanders e suas promessas de um Estado de bem-estar social, mas que, confrontados com a chance de barrar Trump, votariam em massa em Biden no cenário cada vez mais plausível de o "socialista" não obter a indicação democrata.

No Brasil, não há nada parecido com as primárias americanas, cenário este em que, no fim, a palavra de caciques prevalece na escolha de candidatos.

A habilidade de Biden em atrair votos de vários seguimentos sugere que o enfrentamento do populismo de direita e nacionalista depende de uma concepção de nação inclusiva. Em nome de aumentar as chances de derrotar figuras como Trump e seus emuladores — Jair Bolsonaro inclusive — , isso implica deixar de lado, num primeiro momento, a política identitária que tanto rendeu votos à esquerda lá e aqui.

No caso brasileiro, não se deve menosprezar a revolta de brancos pobres (sim, eles existem) contra o PT no processo que desembocou na eleição de Bolsonaro como presidente.

Ainda que as cotas raciais na universidade e no serviço público — implantadas a partir dos anos 2000 — tenham sido bem-sucedidas do ponto de vista da inclusão de não brancos, contando com um recorte social — condicionando, por exemplo, a inscrição de um candidato preto ou pardo no vestibular por ações afirmativas ao fato de ele ou ela ter estudado em escola pública — , cabe avaliar se elas não criaram um sentimento — justificado ou não — entre brancos que teriam se sentido excluídos.

Casos como a discriminação enfrentada por cotistas na Universidade Federal do Espírito Santo sugerem a existência de tensões raciais que devem ter seus efeitos no jogo político levados a sério.

No racismo à brasileira, assaz dissimulado, o preconceito contra não brancos que passam a ocupar espaços de poder nem sempre é explícito. Antônio Risério foi quem melhor resolveu isso ao expor as contradições da esquerda em investir em política identitária, chegando a criar a expressão "fascismo identitário" em livro recente.

O sucesso de Biden — na política há 50 anos — sugere ainda que a saída contra populistas está nas mãos de políticos experientes. No Brasil, nos círculos ditos centristas há um otimismo com uma potencial candidatura do apresentador Luciano Huck para presidente em 2022, um outsider dos conchavos de poder em Brasília.

Na clara ausência de um Biden brasileiro, Huck poderá assumir papel semelhante contra a esquerda e Bolsonaro? Junto aos eleitores, talvez. No sistema político, a história é outra. Outsiders mobilizam massas, mas raramente governam bem — Bolsonaro exemplifica isso.

Daí o medo democrata de que uma eventual vitória de Sanders nas primárias o torne presa fácil às diatribes de Trump, razão para a crescente força do ex-vice presidente, muito mais tarimbado para enfrentar aquele que pode ser considerado o mestre dos populistas de direita.

Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em Relações Internacionais por Oxford e professor na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e na pós-graduação da FGV

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