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Entendendo Bolsonaro

Bióloga alemã: "Bolsonaro pode comprometer o sistema de saúde do país"

Entendendo Bolsonaro

25/03/2020 02h00

Em pronunciamento em rádio e televisão nesta terça (24), Bolsonaro contrariou recomendações seguidas mundialmente no combate ao coronavírus (Crédito: Reprodução/TV Brasil)

* Cesar Calejon

O simbolismo presidencial é uma das principais forças de qualquer gestão federal. As ideias adotadas e avançadas pelo presidente da República e membros do seu gabinete ganham ressonância na cultura popular do País e se consolidam em ações práticas que orientam o rumo da nação, principalmente em momentos de crise. É imprescindível muita cautela na forma como este instrumento político é utilizado.

O pronunciamento desta terça (24) do presidente Jair Bolsonaro, contudo, evidencia um completo delírio de quem não compreende, minimamente, sequer estes conceitos.

Isolado, Bolsonaro contraria não somente a OMS (Organização Mundial da Saúde), os chefes de Estado de todo o mundo e os governadores estaduais, mas a sua própria administração, que, na figura do Ministério da Saúde, tem tentado sobreviver à intromissão política.

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Em basicamente todo o planeta, aeroportos, fronteiras, igrejas, empresas, escolas, bares e restaurantes estão fechados, pessoas foram proibidas de sair em grupos e existem medidas de distanciamento social sendo adotadas em ampla escala para evitar o pior cenário que a pandemia pode produzir. Nas praias do litoral paulista, por exemplo, até os surfistas foram impedidos de entrar no mar pela polícia local.

Segundo especialistas que falaram ao blog, até este ponto ninguém tem imunidade contra o coronavírus e é por isso que o número de pessoas infectadas cresce exponencialmente. Eles alertam que a forma como Bolsonaro vem lidando com a pandemia do Brasil é catastrófica e deverá transformar o país no maior ponto de infecção da América Latina em algumas semanas.

Além de demorar para agir, a administração bolsonarista vem emitindo sinais à população que estimulam o menosprezo à seriedade que a situação requer.

"Especialistas (na Europa) pensam que o que ele faz é bastante perigoso. Ele tenta evitar uma crise econômica, mas pode comprometer o sistema de saúde de todo o país. Na Europa, a maioria das pessoas trabalha em regime de home office e tem evitado os contatos sociais em universidades, escolas, transportes públicos, restaurantes, bares, igrejas etc. Todos os estabelecimentos estão fechados. Isso reduzirá as taxas de infecção. O objetivo é proteger o sistema de saúde, com os hospitais, de ser sobrecarregado pelos pacientes. Ainda assim, as taxas de infecções dobram a cada três ou quatro dias", explica a alemã Nadine Bongard, doutora (PhD) em biologia e pesquisadora.

De acordo com ela, o problema é que o tempo médio de incubação do vírus gira ao redor de seis dias. "Ou seja, você pode infectar muitas pessoas antes de sequer apresentar quaisquer sintomas ou saber que tem o vírus. As pessoas em risco são, especialmente, as pessoas mais velhas, que têm doenças concomitantes, como diabetes e problemas cardíacos, mas todos estão suscetíveis e podem transmitir o patógeno. Evite os seus contatos sociais o máximo possível. Lave as mãos com muita frequência e deixe o sabão desinfetá-las por no mínimo trinta segundos. Não abrace as pessoas, beije-as ou aperte as mãos. Compre comida e água suficientes somente para quatorze dias e fique em casa sem pânico", recomenda a bióloga.

Ainda segundo ela, a capacidade de contágio do vírus pode ser trágica nas comunidades mais carentes do Brasil. "Quando (o vírus) chegar às favelas, pode se tornar enorme por causa dos padrões de higiene inexistentes. Aqui na Europa, fazemos qualquer coisa para diminuir as taxas de infecção para proteger nossos hospitais de serem sobrecarregados pelos pacientes".

"Os hospitais tentam se preparar ensinando seus funcionários, comprando novos equipamentos e assim por diante. Acho que o Brasil deveria se preparar muito bem, porque a Covid-19, que é a abreviação da doença causada pelo vírus corona em 2019, é causada, principalmente, por infecções por gotículas. Os sintomas são muito inespecíficos e apresentam alta variação. Essencialmente, são infecções por fibras e pulmões. Até o momento, não temos medicamentos ou vacinas disponíveis para ajudar os pacientes ou impedir que as pessoas sejam infectadas", prossegue Bongard.

Existem diferentes tipos de vacinas que poderiam ser usadas para causar proteção contra uma infecção por um vírus, como formas enfraquecidas ou mortas do próprio organismo ou proteínas que ele produz, por exemplo. O objetivo de uma vacina é estimular o sistema imunológico a ser capaz de defender o vírus sem causar uma infecção. Assim, caso você seja infectado, o seu sistema imunológico poderá controlar a situação muito mais rapidamente, pois o corpo desenvolve um tipo de memória causada pela reação da vacina.

"É difícil dizer da minha perspectiva, mas acho que pelo menos meses (para a produção de uma vacina eficiente contra o coronavírus). Existem publicações que descrevem a possibilidade do uso de soro convalescente de pacientes que já superaram a infecção e desenvolveram anticorpos neutralizantes. Podemos usar isso, principalmente, para proteger as pessoas profilaticamente, mas isso não causará uma resposta imune contra o vírus pelo próprio hospedeiro", garante a pesquisadora.

"Há também uma empresa chamada CureVac, aqui na Alemanha, que produz vacinas com base mRNA (mRNA-based vaccines) e eles pensam que talvez tenhamos algo no outono. A pesquisa está muito dinâmica agora e pesquisadores de todo o planeta estão trabalhando no coronavírus neste momento. As publicações normalmente levam meses, mas todos tentam fornecer informações o mais rápido possível, mas isso também significa que, às vezes, as hipóteses acabam erradas. Estamos crescendo e tentando aprender. Precisamos de tempo e da colaboração de toda a sociedade civil e dos governantes e líderes", acrescenta Bongard.

Um estudo apresentado pela J.P. Morgan aponta que o auge do contágio por coronavírus no Brasil deverá acontecer entre os dias 6 e 20 de abril. A projeção foi feita com base nos casos da Itália e da Europa em geral.

Para dar mais tempo aos pesquisadores de todo o planeta sem sobrecarregar as equipes médicas além de suas capacidades de atendimento dos pacientes enfermos, os líderes políticos, religiosos e acadêmicos, bem como os empresários e toda a sociedade civil, precisam unir esforços no sentido de reforçar o distanciamento social durante as próximas semanas para achatar a curva de contaminação.

Atitudes que estimulam o descaso frente à doença ou incentivam o fanatismo para lidar com a maior e mais séria questão de saúde pública da história humana podem acarretar consequências trágicas.

* Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (EACH-USP). É, também, autor do livro "A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI" (Lura Editorial).

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