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Entendendo Bolsonaro

Distanciamento social é para "evitar catástrofe maior", diz infectologista

Entendendo Bolsonaro

14/04/2020 22h29

(Crédito: CADU ROLIM/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO)

* Cesar Calejon 

Conforme avança a pandemia de Covid-19 no Brasil, cresce a ansiedade com relação ao futuro, em meio a uma onda de desinformação e à convicção de termos, no Poder Executivo, uma força política disposta a ignorar as evidências científicas.

Com o recorde de mortes confirmadas num período de 24 horas registrado nesta terça (14), o País avança, ainda no escuro, rumo a um pico previsto para os meses de maio e junho.

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Diante deste cenário de incerteza, o blog conversou com Mário Gonzalez, médico infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, que ressaltou, por ora, a ausência de alternativas ao distanciamento social como estratégia de enfrentamento da Covid-19.

Sobre relaxar essas medidas e retomar as atividades normalmente, postura defendida pelo presidente Bolsonaro – o mais perigoso líder na pandemia, segundo o jornal Washington Post – , o médico é categórico: "o Ministério da Saúde já está propondo distanciamento social seletivo (isolamento somente das pessoas que se enquadram nos grupos de risco) nos estados em que a doença não está progredindo, de acordo com eles. Esta é exatamente a discussão neste momento, porque se a gente não tem os testes sendo aplicados na população, esta medida está sendo feita às cegas. Alguns países, como a Inglaterra, por exemplo, tiveram que voltar atrás na decisão de relaxar o distanciamento social. Eles adotaram o distanciamento social seletivo – liberando os jovens – e perceberam uma aceleração no numero de casos", garante.

Considerando as origens do vírus, Gonzalez afirma que não existem respostas conclusivas. "Temos teorias, mas não sabemos de onde veio exatamente o vírus, de qual animal, porque entendemos que o coronavírus é uma zoonose, que vem dos animais, mas de qual animal e em que momento ocorreu este salto para os humanos não está muito claro ainda. Seguimos estudando. Geneticamente, este vírus tem muita semelhança com o coronavírus presente em morcegos, mas não podemos concluir que (o coronavírus presente nos humanos) veio dos morcegos ou do hábito de comer morcegos, porque não sabemos o quanto disso é especulação e o quanto é verdadeiro", acrescenta.

Segundo ele, o clima tropical do País não significa que o vírus encontrará mais resistência para se espalhar em terras brasileiras, necessariamente. "O vírus não resiste ao calor, mas também não podemos afirmar que ele não vai se propagar no Brasil (como em outros países), porque temos um clima tropical na maior parte do nosso território. Até porque, da região sudeste para baixo, o outono já começa a derrubar as temperaturas. Além disso, as pessoas precisam entender que este é um vírus muito novo, cujo comportamento nós ainda estamos estudando. Portanto, trata-se de uma especulação. O certo mesmo é que o vírus não sobrevive a temperaturas superiores a 27 graus. Agora, dentro de uma casa, por exemplo, na sombra, mesmo com o clima tropical, dificilmente a temperatura chega neste ponto. Eu não compro esta teoria, até porque a nossa curva de contaminação, que avançou de forma bastante rápida, só está sendo amenizada pela quarentena. O distanciamento social evita e reduz esta aceleração", afirma Gonzalez.

A forma mais comum de contaminação pelo vírus acontece quando as pessoas esfregam as mãos sujas  e infectadas  no rosto, levando o patógeno à boca, aos olhos e nariz, principalmente. "A Covid-19 não vai entrar pela janela da sua casa. Ele é transmitido, essencialmente, por gotículas e secreções de pessoas que estão contaminadas, com ou sem sintomas, e que lançam o vírus sobre determinada superfície (…) O vírus não pode ser transmitido pela água do mar, por exemplo, porque ele seria ultra diluído. A questão das pessoas não irem à praia é para evitar as aglomerações na areia, o comércio de vendedores e pessoas passando o cartão na maquininha, pegando nas mesmas coisas etc. Muito embora, o vírus também é identificado nas fezes. Então, existe esta questão que muitas praias não têm saneamento básico favorável no Brasil. Algumas praias poluídas podem oferecer, de alguma forma, um tipo de risco, mas isso tudo é hipotético", reflete o infectologista.

Além das praias, milhares de comunidades e milhões de brasileiros vivem sem as condições mínimas de higiene e saneamento. "O que temos para hoje é o distanciamento social, mas, nas comunidades mais carentes temos muitas pessoas morando no mesmo cômodo, o que dificulta muito esta questão. Por isso é muito importante reforçar o básico: as etiquetas respiratórias. Quando a pessoa sintomática não puder ser isolada por conta da falta de espaço, ela deve cobrir a boca e o nariz com uma máscara que pode ser caseira. Todos na casa devem manter as mãos super limpas, com água e sabão ou álcool em gel. A casa também deve estar sempre muito higienizada durante esta fase. Essas são as medidas mais importantes. Vamos ter que lidar com os recursos que temos, porque não vamos conseguir sofisticar isso de uma hora para outra. Precisamos de soluções que sejam simples e efetivas", prossegue o médico.

Ainda conforme elucidou o infectologista, existe o que se conhece por "efeito rebanho". "Quando se vacina um grande numero de pessoas, por exemplo, mas ainda existe um contingente de cidadãos que não foi vacinado, estes indivíduos ficam protegidos pelo fato de que a grande massa já está imune e o vírus não consegue circular. Esse é o efeito rebanho", explica. A ideia é atingir este estágio sem sobrecarregar os hospitais além das suas capacidades, o que também nos oferece mais tempo para pesquisas de todos os tipos, com vacinas e remédios. Essa é a importância do distanciamento social horizontal neste momento.

Apesar disso, para esse surto  de Covid-19 – , é bastante improvável que haja uma vacina desenvolvida em tempo, cenário que levou, inclusive, a revista Science, prestigiada publicação internacional, a considerar estratégias de distanciamento social até 2022.

Mesmo com os transtornos causados pelo distanciamento social, esta ainda é, segundo o infectologista, a única opção disponível no momento. "O que nós temos hoje, para evitar uma catástrofe ainda maior, é o distanciamento social. Com muitas pessoas doentes ao mesmo tempo, não haverá recursos hospitalares suficientes. Eu adoraria dizer que temos um remédio ou uma vacina para a Covid-19, mas não temos. Todas as substâncias (cloroquina etc.) e procedimentos ainda estão sendo estudadas. Fiquem em casa", conclui o infectologista.

* Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (EACH-USP). É, também, autor do livro "A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI" (Lura Editorial).

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