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Entendendo Bolsonaro

Cláudio Couto: "Maia aguarda momento oportuno para impeachment"

Entendendo Bolsonaro

12/05/2020 23h09

Bolsonaro e Sergio Moro: se confirmadas as acusações do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, pode ser caso definitivo para um processo de impeachment do presidente.

* Cesar Calejon

Uma semana decisiva para o bolsonarismo. Resta pouco, tudo indica, para que conheçamos o inteiro teor da reunião ministerial que provocou a queda do ex-ministro Sergio Moro, iniciando uma crise institucional que ameaça gravemente a continuidade do governo.

Se comprovadas as falas que surgem nos bastidores – extremamente danosas ao presidente – , serão flagrantes as evidências de crime de responsabilidade e crime comum. A novidade é que o termômetro institucional do País caminha para o ápice de sua temperatura, na mesma medida em que aumenta o isolamento político de Jair Bolsonaro.

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Para debater os possíveis cenários em jogo, o blog conversou com o cientista político Cláudio Gonçalves Couto, coordenador do Mestrado Profissional em Gestão e Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP).

Na opinião do professor, chama atenção no momento o protagonismo ocupado pelo decano do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do inquérito aberto pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

"Basicamente, precisamos observar como o Celso de Mello vai se portar na inquirição, porque eu não creio que o procurador-geral da República, o Augusto Aras, que vem atuando como um chapa, um aliado do presidente, assumirá uma atuação mais incisiva", ressalta.

Para Couto, o atual PGR remete aos tempos de Geraldo Brindeiro, conhecido como 'engavetador-geral da República' no governo FHC (Fernando Henrique Cardoso):

"Durante a gestão FHC (Fernando Henrique Cardoso), tínhamos o Geraldo Brindeiro, que era o 'engavetador-geral da República', porque não permitia que qualquer processo contra o governo avançasse. Hoje, o Augusto Aras é o 'coonestador-geral da República', porque ele atua de forma a proteger e legitimar o presidente, e não como membro independente do Ministério Público", acrescenta o cientista político.

O professor da FGV acredita que, confirmado o teor explosivo do vídeo da reunião ministerial, os olhos da cena institucional voltam-se a três figuras: além do próprio Augusto Aras e do ministro Celso de Mello, entraria o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que, segundo ele, age estrategicamente para não correr risco de 'queimar a largada'.

"Caso o Celso de Mello divulgue este conteúdo e existam falas realmente comprometedoras ou constrangedoras considerando a postura do presidente, embora estas sejam frequentes, isso realmente pode complicar a situação do Bolsonaro. O ministro (Celso de Mello) tem sido bastante agressivo na sua relação com o (Palácio do) Planalto. Ele parece preocupado em cortar as asas do governo e esse processo talvez seja o instrumento ideal. Eu não creio que ele vai desperdiçá-lo", prevê o acadêmico.

"Caso o vídeo seja realmente explosivo e torne-se público", prossegue, "eu acredito que há, sim, potencial para afastamento do presidente da República. Não pela ação do Aras, porque, até aqui, ele se mostrou aliado ao Bolsonaro, conforme mencionado anteriormente, e quer ser indicado ao STF no ano que vem. Contudo, se o conteúdo for realmente bombástico, o Congresso Nacional pode ter a iniciativa do impeachment", pondera Couto.

Ainda segundo ele, vivemos uma situação paradoxal, porque – apesar do desgaste do presidente, como fruto dos tiros no próprio pé que ele vem dando durante a pandemia – a atuação do Congresso Nacional e a capacidade de mobilização da sociedade para protestar nas ruas também ficam restritas.

"Neste contexto, é muito difícil que um processo de impeachment avance. Por isso, aliás, eu creio que o (Rodrigo) Maia vem segurando os processos de impedimento (contra o Bolsonaro). Porque política tem 'timing'. Ao iniciar o processo de impeachment agora, ele corre o risco de queimar a largada. Eu penso que o presidente da Câmara (dos Deputados) está jogando com o tempo, aguardando o momento mais oportuno, porque ele tem até o fim do ano e pode esperar o Congresso (Nacional) voltar a se reunir fisicamente para dar atenção total ao tema", salienta.

Importante para um eventual processo de impeachment, ressalta o professor, será observar a inédita fragmentação do Congresso Nacional, considerado o mais pulverizado e conservador desde a Constituição de 88.

"Temos (em 2020) o Congresso (Nacional) mais fragmentado desde a redemocratização, aliás, o mais fragmentado da história da humanidade. Nunca houve, em qualquer democracia do mundo, um legislativo nacional tão fragmentado como este. Além disso, o chefe do Executivo não tem sequer partido definido. Isso é incrível. Trinta partidos e o maior deles tem aproximadamente 10% das cadeiras. É muita fragmentação e indefinição. Especialmente e sobretudo, precisamos prestar atenção em como esta característica vai afetar os rumos de um possível processo de impeachment contra o presidente", alerta Couto.

Para ele, "a administração Bolsonaro decidiu adotar esta ideia que antes havia muita ideologia, mas, francamente, nunca houve tanta ideologia nas tomadas de decisão de um governo como neste momento. É a ideologia se sobrepondo tanto ao pragmatismo quanto à lógica de funcionamento das instituições durante a maior crise sanitária da história recente da humanidade. Isso vale para dentro e para fora. De novo, acho muito difícil que isso não custe caro ao Brasil", conclui.

* Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (EACH-USP). É, também, autor do livro "A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI" (Lura Editorial).

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