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Entendendo Bolsonaro

Duda Salabert: "Nossa maior resistência é ressaltar o simbólico"

Entendendo Bolsonaro

30/07/2020 21h30

"O que mais me preocupa é o milicianismo como ideologia, porque as milícias têm produzido uma nova forma, mais militarizada e intolerante, de pensar a sociedade" (Crédito: Lucas Ávila/PSOL)

* Cesar Calejon 

Os ataques transfóbicos a Thammy Miranda, após o ator estrelar uma campanha de Dia dos Pais de uma fabricante de cosméticos, jogaram luz sobre o urgente debate acerca da subrepresentação de minorias sociais em esferas de poder no Brasil.

Em pleno contexto de ascensão autoritária e aparelhamento do Estado contra grupos em situação de vulnerabilidade social histórica, o exercício da oposição, sobretudo para membros da comunidade LGBTI+, torna-se um ato de coragem diária.

Esse é o caso de Duda Salabert, professora de literatura e primeira pessoa transgênero a concorrer a uma cadeira no Senado Federal do Brasil – por Minas Gerais, pelo PSOL, em 2018.

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Em conversa com o blog, Salabert falou sobre a sua militância em defesa das minorias, as ameaças proferidas a ela pelo bolsonarismo e, também, sobre a importância da luta por espaços simbólicos enquanto forma primordial de resistência.

"Após o impeachment da Dilma (Rousseff), eu percebi que havia uma ruptura democrática em curso no Brasil e que era necessária a minha participação na política institucional e partidária. Somado a isso, por meio dos projetos que eu construí junto aos movimentos sociais, ao terceiro setor, como, por exemplo, a Transvest, eu entendi que as transformações estruturais somente podem ocorrer através da política institucional", afirma Salabert, que, recentemente, filiou-se ao Partido Democrático Trabalhista (PDT) a convite de Ciro Gomes.

"A maior resistência que podemos fazer é ressaltar o simbólico", prossegue ela. "É nele que mora tudo o que não é concreto e nos humaniza. A palavra 'senado', em sua etimologia, significa 'senhores', então ter uma mulher trans disputando um cargo feito para senhores é simbólico. Por exemplo, o primeiro banheiro feminino do Senado foi construído somente em 2016. É um espaço extremamente patriarcal e machista, ocupado por falsos moralistas desde a Roma antiga", enfatiza.

Até a última eleição, a idade mínima para disputar uma vaga no Senado era de trinta e cinco anos. "Essa é a expectativa (média) de vida de uma pessoa transexual no Brasil. Então eu aceitei concorrer, mesmo sabendo que as chances eram pequenas, porque eu não estava batalhando por votos, mas para alterar consciências", explica Salabert, que conduziu a sua campanha com apenas R$ 15.690 e ministrando, paralelamente, cinquenta e cinco aulas de literatura por semana.

Segundo ela, houve momentos de dúvidas, principalmente considerando a radicalização que o Brasil sofreu em 2018. "Eu lancei a minha pré-candidatura ao Senado no dia 15 de março de 2018. Menos de vinte e quatro horas depois, aconteceu a execução da Marielle Franco. Essa foi a primeira vez que eu repensei a minha candidatura e toda a minha participação na política. Eu pensei em abandonar, mas entendi que por ela (Marielle Franco) e pelo grupo que eu represento, que também sempre foi, historicamente, marginalizado e excluído, era necessário me manter nesta luta", lembra.

Sobre os ataques de ódio provenientes de diferentes ramificações do bolsonarismo, a professora sentiu na pele a ênfase dessas agressões. "Quando eu lancei, oficialmente, a minha candidatura ao Senado, eu estava usando uma blusa com quatro palavras que incomodam diversos setores da nossa sociedade: 'professora, travesti, lésbica e vegana'. Eu postei essa foto nas minhas redes sociais, parte da família Bolsonaro a compartilhou no Instagram e, como resultado, eu recebi milhares de mensagens de ódio. (…) Os ataques duraram uma semana inteira e o Instagram cancelou a minha conta por conta do volume e do nível das agressões."

"Eles (seguidores da família Bolsonaro) também ligaram para a escola na qual eu trabalho, pediram a minha demissão e tentaram até fazer manifestações na porta da instituição. Eu sabia que, ao me candidatar, a chance de ser demitida era muito alta e a probabilidade de ser recontratada era baixa, porque, no Brasil, 90% das pessoas trans estão na prostituição. Para quem é transgênero no Brasil, a prostituição é quase compulsória. É por isso que eu luto: para expandir o nosso conceito de democracia", ressalta a professora.

Salabert conta que os alunos da escola na qual ela trabalha foram fundamentais e lhe deram força para seguir. "Eles compraram a briga frente ao bolsonarismo e se mobilizaram para organizar uma manifestação em minha defesa. Todos usavam camisetas com estampas que tinham uma foto minha. Fizeram uma linda homenagem e lutaram junto ao colégio para que eu continuasse empregada. Esse foi o combustível para que eu não abandonasse a minha candidatura", conta.

Ainda de acordo com ela, a negação da política – que ganhou proporções inéditas no Brasil entre 2013 e 2018 – representa um dos principais problemas para a atual e enferma democracia brasileira.

"Todas as mudanças estruturais que aconteceram no Brasil e no mundo se deram por meio da política. Não há outra forma de mudar a sociedade. Ela é a principal ferramenta de transformação de vidas. Por isso, devemos combater essa narrativa de que nós não precisamos de políticos. (…) São os políticos que mobilizam as massas, negociam e articulam. Por exemplo, em Belo Horizonte, um grande problema da mobilidade urbana é a falta de metrô. Isso requer uma figura política para organizar as massas a cobrarem do Congresso, do (Poder) Executivo etc.", sugere a professora.

Salabert chama atenção, ainda, para o crescente poder adquirido pelas milícias durante o governo Bolsonaro e o seu perigo para o nosso convívio social. "A política hoje está dominada pelas milícias. O que mais me preocupa, é o milicianismo como ideologia, porque as milícias têm produzido uma nova forma, mais militarizada e intolerante, de pensar a sociedade (brasileira). Assim como elas (milícias) causam o terror para vender a segurança, o milicianismo, na política, tenta causar o medo para poder vender o militarismo", diz.

Conclui ela: "Então, não é por acaso que nós temos, hoje, todos os ministérios sendo cada vez mais militarizados e isso acaba afetando o nosso cotidiano e as nossas vidas, como consequência do medo que varre a sociedade. Assim, não podemos nos deixar contaminar pelo medo, porque ele esteriliza a nossa força de transformação."

* Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (EACH-USP). É, também, autor do livro "A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI" (Lura Editorial).


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