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Entendendo Bolsonaro

O que une bolsonaristas que rejeitaram o Fundeb é o Escola sem Partido

Entendendo Bolsonaro

13/08/2020 22h47

Os deputados Carlos Jordy, Bia Kicis e Paulo Martins (Crédito: Reprodução)

[RESUMO] O jornalismo político não se interessou em saber por que um pequeno grupo de deputados bolsonaristas decidiu contrariar a orientação do governo e votar contra a PEC do Fundeb, que constitucionaliza e amplia o financiamento da educação pública no país. Além de bolsonaristas, os sete recalcitrantes têm algum grau de envolvimento com o movimento reacionário Escola sem Partido. E, diferentemente do que foi noticiado, a ruptura entre eles e o bolsonarismo por causa da votação do Fundeb jamais existiu. Na verdade, Jair Bolsonaro e o Escola sem Partido conservam uma relação de mútua dependência.

* Fernando Cássio e Fernanda Moura

O Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) é o mecanismo distributivo que permite que estados e municípios do país financiem a educação básica pública – dos salários do professorado à infraestrutura dos prédios escolares. A Lei n. 11.494/2007, que regulamenta o Fundeb, limita a vigência do Fundo até o dia 31 de dezembro de 2020. Ou seja, a sua continuidade precisa ser decidida pelo Congresso Nacional ainda este ano, sob o risco de haver um "apagão" no financiamento da educação pública no país a partir de 1º de janeiro de 2021.

No último dia 21, após mais de cinco anos de tramitação, a PEC n. 15/2015, que pereniza o Fundeb, foi aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados e encaminhada ao Senado Federal. A matéria foi relatada pela deputada Professora Dorinha (DEM/TO), cuja capacidade de articulação política e escuta do campo educacional foi unanimemente reconhecida. É isso o que mostram os placares da votação da matéria na Câmara: 499 a 7 no primeiro turno e 492 a 6 no segundo turno, com uma abstenção.

A ampla maioria formada, porém, não significa que o processo de construção do texto final tenha sido fácil. Até o último momento da votação, a apresentação de destaques ao texto explicitou ainda mais a atuação e os interesses dos reformadores empresariais da educação em determinados aspectos do Fundeb, como o Custo Aluno-Qualidade (o CAQ), mecanismo criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação que define o padrão mínimo a partir do qual faz algum sentido falar em "qualidade na educação": escolas com água potável, biblioteca, quadra coberta, banheiro, insumos básicos, profissionais da educação com salário digno, etc. Parlamentares do Partido Novo e outros ligados a fundações e coalizões empresariais da educação tentaram destacar o texto para suprimir o CAQ, mas a fraca adesão do plenário à proposta atestou a força do consenso em favor da PEC 15/15.

Nenhum partido ou bancada orientou voto contrário ao texto final, e a Câmara aprovou um Fundeb que amplia a complementação da União ao Fundo (de 10 para 23%), aprimora a justiça distributiva e estabelece um novo padrão de qualidade, induzindo a criação de um sistema de avaliação da educação que, para além dos resultados nos testes padronizados, leve em consideração as condições da oferta educacional. Como qualquer matéria legislativa desse porte e com esse alcance, o texto ficou aquém das expectativas de quem luta pela educação pública estatal a partir da base. Mas é inegável que aprovar um Fundeb permanente e melhorado em pleno governo Bolsonaro foi um feito e tanto. A PEC ainda precisa ser aprovada pelo Senado Federal, e o novo relator, senador Flávio Arns (Rede/PR), sabe que tem nas mãos um texto com grande legitimidade.

Embora o ex-ministro Abraham Weintraub tenha ensaiado uma aproximação com o debate do Fundeb durante a tramitação da PEC 15/15, o governo Bolsonaro ficou de fora da discussão até poucos dias antes de a matéria ir a plenário, quando tentou adiar a votação para 2022. O governo também malogrou na tentativa de descaracterizar o Fundeb, drenando parte de seus recursos para programas de transferência de renda. Frustrados na empreitada, os emissários do Planalto se depararam com um documento consolidado e fruto de anos de costura política cuidadosa, intensificada nos últimos meses pela pressão de um campo educacional preocupado com o que será da educação pública brasileira a partir do ano que vem.

Bolsonaro parece ter usado a votação do Fundeb para testar a fidelidade de sua nova base congressual, reforçada pelo Centrão, mas acabou recuando por pressões dos próprios deputados. O governo orientou o voto favorável ao texto e, no dia seguinte, o presidente comemorou a aprovação do Fundeb permanente no Facebook. Preferiu aderir ao coro em defesa da educação pública a ser rotulado mais uma vez como inimigo de escolas e profissionais da educação.

Enquanto Bolsonaro festejava a constitucionalização e a ampliação dos recursos do Fundeb, uma lista da vergonha com sete nomes começou a circular nas mesmas redes sociais: a dos deputados que rejeitaram o texto da PEC 15/15: Bia Kicis (PSL/DF), Chris Tonietto (PSL/RJ), Filipe Barros (PSL/PR), Junio Amaral (PSL/MG), Paulo Eduardo Martins (PSC/PR), Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL/SP) e Márcio Labre (PSL/RJ). O deputado Dr. Zacharias Calil (DEM/GO) votou pela aprovação no primeiro turno e pela rejeição na segunda votação, mas retratou seu voto contrário e não chegou a ser incluído no index dos inimigos da escola pública. Orleans e Bragança, que também mudou de posição entre uma votação e outra, declarou-se contrário à matéria, mas não chegou a alterar o voto para manter o "não" no segundo turno. Márcio Labre, por sua vez, se absteve na segunda votação.

Uma das listas da vergonha foi veiculada pelo CPERS/Sindicato, que representa os trabalhadores em educação do Rio Grande do Sul.

À exceção de Paulo Eduardo Martins, que é deputado pelo PSC, todos os parlamentares que votaram contra a constitucionalização do Fundeb são do PSL. O partido fechou questão na bancada e, a menos de seis votos contrários, votou em peso pela aprovação da PEC 15/15. Um dos primeiros relatos da dissidência saiu no Estadão: "Apenas bolsonaristas votam contra a PEC do Fundeb". Embora isso seja verdade, o bolsonarismo dos sete deputados não é especificidade que justifique a decisão de rejeitar a ampliação do financiamento da educação pública no país. Afinal, o grupo contrariou a orientação de bancadas repletas de… bolsonaristas.

Horas antes da votação, Carla Zambelli (PSL/SP) publicou um vídeo para se desculpar preventivamente pelo voto favorável que daria. Afirmou não concordar com o texto que ajudaria a aprovar, pois "todos os alunos deveriam ter direito a ensino privado", ainda que "pago com dinheiro público" (os famosos vouchers). Atribuiu à esquerda a disseminação do discurso de que quem é contra o Fundeb é contra a educação. Mesmo aviltada nas suas convicções pessoais, Zambelli seguiu a orientação da bancada e votou a favor do Fundeb nos dois turnos. Eduardo Bolsonaro (PSL/SP), que também votou pela aprovação da PEC 15/15, preferiu não polemizar sobre o assunto nas suas movimentadas redes sociais. Ou seja, Bolsonaro orientou e a grossa maioria dos bolsonaristas, mesmo contrariada, seguiu a orientação.

A imprensa não foi atrás de saber o que levou um pequeno grupo de bolsonaristas a insistir em um "voto de consciência" contra o Fundeb. Ou em saber por que o amplíssimo consenso pela aprovação da PEC 15/15 – que incluiu Bolsonaro, os bolsonaristas, a direita empresarial, o Centrão e todos os partidos de oposição – não foi suficientemente amplo para abarcar os sete recalcitrantes. Questionado sobre a distensão na bancada governista, Jair Bolsonaro afirmou que "os que votaram contra [o Fundeb] devem ter seus motivos. Tem que perguntar para eles por que votaram contra". Na verdade, nem seria preciso perguntar, pois os próprios parlamentares se encarregaram de explicar a razão de seu posicionamento. Além de bolsonaristas, os sete nutrem simpatias pessoais ou estão diretamente envolvidos com o movimento reacionário Escola sem Partido.

Sem partido e sem financiamento público

Bia Kicis (PSL/DF), procuradora federal aposentada, é cunhada de Miguel Nagib, fundador e coordenador do Escola sem Partido. Ela foi uma das lideranças do Revoltados Online, ao lado de Marcelo Reis e Alexandre Frota (PSDB/SP, ex-PSL). Em seu primeiro dia como parlamentar, Kicis protocolou o PL n. 246/2019, o chamado "Escola sem Partido 2.0", que mantém a estrutura do PL n. 867/2015 (o "Escola sem Partido" original), mas amplifica a perseguição a professores, autoriza a gravação de aulas e, pela primeira vez, explicita a perseguição também a estudantes, vedando aos grêmios escolares a promoção de atividades consideradas "político-partidárias". Foi Bia Kicis uma das responsáveis pela união entre Jair Bolsonaro e Paulo Guedes.

Junto com Kicis, uma das signatárias do PL "Escola sem Partido 2.0" é a deputada Chris Tonietto (PSL/RJ), advogada cujo trabalho de conclusão de curso sobre a redução da maioridade penal também abordou a "falência do sistema educacional brasileiro". Recentemente, Tonietto propôs um PL para impedir que mulheres grávidas em decorrência de estupro pudessem interromper a gestação. Segundo a deputada, não sendo possível "desestuprar uma mulher", também não seria justo matar um feto, pois a vida da vítima teria sido poupada pelo estuprador.

Logo depois da votação da PEC 15/15, Tonietto participou de uma live junto com Bia Kicis e Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL/SP), outro deputado que assinou o PL n. 246/2019. Os três se reuniram para justificar a rejeição ao Fundeb, mas não se declararam propriamente contrários ao financiamento público da educação; apenas ao modelo inscrito no Fundeb. Para eles, a questão do financiamento da educação não deveria estar lavrada na Constituição, que já tem "coisa demais". Este último argumento, aliás, é muito semelhante ao dos deputados do Partido Novo para defender a supressão do CAQ da PEC 15/15.

A posição de que o financiamento da educação pública não é matéria constitucional é compartilhada pelo deputado Junio Amaral (PSL/MG), que ainda justificou seu voto contrário ao Fundeb dizendo que "esse não é um tempo adequado para a discussão de um tema tão importante. Votações virtuais fragilizam o processo, o que na minha visão é inadmissível se tratando de uma PEC". Praticamente todos os projetos de Amaral, que também é policial, são atravessados pelo punitivismo: criminalizar bailes funk, estipular pena privativa de liberdade a usuários de drogas, aumentar para até 50 anos o tempo de cumprimento de penas privativas de liberdade. Assim como Kicis, Junio Amaral é um dos investigados no inquérito do STF, por suspeita de financiar atos antidemocráticos no país.

Outro signatário do PL n. 246/2019 que votou contra o Fundeb é Filipe Barros (PSL/PR). O advogado e fundador da página "Endireita Londrina" ganhou fama na cidade perseguindo professores. Eleito vereador em 2016, foi autor de um PL do tipo "Escola sem Partido" e também denunciado por incitar discriminação contra religiões de matriz africana. Barros segue em cruzada contra a liberdade de ensinar e aprender, agora como deputado federal. No ano passado, ele "denunciou" uma escola por abrigar uma apresentação teatral sobre as ocupações escolares. A peça integrava a programação do Festival Internacional de Londrina, mostra de artes com mais de 50 anos de existência.

Paulo Eduardo Martins (PSC/PR) também tem uma relação antiga com o Escola sem Partido. O jornalista e ex-apresentador do SBT no Paraná estrelou o primeiro vídeo do canal do Escola sem Partido no YouTube (3 ago. 2015), exibido durante anos no site oficial do movimento. No vídeo, Martins apresentava o modelo de projeto de lei elaborado por Miguel Nagib como alternativa à "doutrinação ideológica", que seria promovida pelo PT e por educadores nas escolas. No final de 2018, o hoje deputado teve o perfil banido do Facebook por compartilhamento de notícias falsas. Martins também foi coautor do PL n. 246/2019 de Bia Kicis, mas pediu a retirada de seu nome da lista de signatários.

O deputado Márcio Labre (PSL/RJ), que se apresenta como jornalista e empresário, fez sua estreia como legislador protocolando um projeto de lei para proibir a venda, a distribuição, a propaganda e a doação de anticoncepcionais, alegando se tratarem de "microabortivos". Dois dias depois, Labre solicitou a retirada do PL n. 261/2019, alegando que o texto, não finalizado, fora protocolado por engano. No dia anterior à votação do Fundeb, o movimento Escola sem Partido compartilhou nas suas redes um vídeo de fevereiro de 2019 em que Labre usou o microfone do plenário da Câmara para denunciar um suposto aparelhamento do Colégio Pedro II, onde haveriam "laboratórios de deformação comportamental".

A precarização dos sistemas públicos de ensino sempre foi funcional à agenda reacionária do Escola sem Partido, que viceja precisamente na terra arrasada do subfinanciamento educacional. Na confluência entre reacionarismo e ultraliberalismo, em que crianças são tratadas como propriedade privada dos pais, a escola sem partido só pode ser a escola sem financiamento. Ao rejeitarem a constitucionalização do Fundeb, os sete deputados apenas mantiveram a coerência. A sua obsessão pelo vigilantismo escolar e pelo controle de corpos e mentes prevaleceu.

Por isso é que, mesmo amplamente rechaçado por sua posição contrária ao Fundeb, o grupo foi ovacionado nas redes sociais do Escola sem Partido pela coragem e pela firmeza de propósitos. A "lista da vergonha" foi rapidamente reapropriada pelo Escola sem Partido para fortalecer os laços entre os sete deputados e as suas bases eleitorais. Para o grupo, empunhar a bandeira do reacionarismo escolar representa a preservação de seu próprio capital eleitoral, independentemente do que aconteça com Jair Bolsonaro ou com o bolsonarismo nos próximos dois anos.

O amor prevalecerá

A distensão em torno do Fundeb foi o estopim de uma alegada "ruptura" no interior do bolsonarismo. Um dia depois da votação (22 jul. 2020), Bolsonaro retirou Bia Kicis da vice-liderança do governo no Congresso Nacional. Também pipocaram rumores de que o PSL estaria avaliando a expulsão dos indisciplinados que contrariaram a orientação da bancada. Uma coluna de Veja anunciou, tonitruante, "a ascensão e queda" de Bia Kicis, "uma das mais fervorosas bolsonaristas". O apressado necrológio político da cunhada de Miguel Nagib não resistiu, contudo, ao primeiro final de semana.

Na ensolarada manhã de 25 de julho, um sábado, Jair Bolsonaro anunciou seu exame negativo para covid-19 e passeou de moto por Brasília. Antes de retornar ao Alvorada, porém, visitou a deputada Bia Kicis em sua casa. O gesto do presidente foi saudado no Twitter por Carlos Jordy (PSL/RJ), outro deputado que construiu carreira política perseguindo professores e legislando por uma "Escola sem Partido" na cidade de Niterói/RJ (também votou a favor da PEC 15/15). Kicis declarou que o mal-estar "foi superado", e que a visita surpresa do presidente "simboliza os laços de amizade e alinhamento que nos unem e que seguem firmes". Ao deixar a casa da deputada, Bolsonaro selou a reconciliação entre os dois com a sua metáfora conjugal preferida: "voltou o amor, falou? Tá tudo tranquilo agora".

O jornalismo político também não se interessou em explicar por que a anunciada "ruptura" no bolsonarismo por causa da PEC 15/15 jamais existiu para além do noticiário. Rusgas, rumores, rupturas e refazimentos, mancheteados uns sobre os outros sem qualquer remissão entre si, esvaíram-se no curtíssimo intervalo de cinco dias. E a razão para isso é muito simples: Bolsonaro e os partidários do reacionarismo escolar conservam uma relação de mútua dependência.

No Twitter, o Escola sem Partido já marcava posição contrária ao Fundeb permanente desde o dia 13 de julho. Para o movimento, o Fundo serviria para financiar a "doutrinação política e ideológica" nas escolas. Horas depois da votação, o movimento disparou críticas tanto ao Fundeb quanto ao governo Bolsonaro, acusando-o de inação no combate à doutrinação escolar. A postagem em que Bolsonaro comemorou a aprovação do Fundeb, por exemplo, foi compartilhada no Twitter do Escola sem Partido com um adendo sarcástico: "Aumentar gasto público com educação é moleza. Até o Guilherme Boulos é a favor. Impedir a doutrinação nas escolas é que são elas".

É fato que o Escola sem Partido não anda feliz com o governo Bolsonaro. Em julho de 2019, o movimento anunciou o fim de suas atividades e apontou a falta de apoio do presidente como uma das razões para a decisão extremada. A chantagem de Miguel Nagib resultou, tempos depois, em uma doação que garantiu a manutenção das atividades do grupo. O nome do apoiador foi mantido em sigilo.

O movimento também aproveitou a votação do Fundeb na Câmara e o incensado "isolamento" dos deputados dissidentes para expor o seu mais novo ressentimento com Bolsonaro: a falta de apoio político para lidar com a virtual extinção judicial das legislações antigênero de estados e municípios no âmbito do STF, e que promete dar fim ao verniz jurídico que durante anos lustrou a retórica e as falácias de Miguel Nagib e seus apaniguados. O Escola sem Partido se vê abandonado por aqueles que se serviram de suas bandeiras nas eleições de 2018.

Com efeito, boa parte dos deputados eleitos pelo PSL chegou à Câmara defendendo as teses do Escola sem Partido. Isso também vale para Jair Bolsonaro, que nutre uma estreita relação com Miguel Nagib e, sobretudo, com Bia Kicis. O "voto de consciência" de Kicis contra o Fundeb foi, na verdade, um ótimo pretexto para o presidente, que precisava dispor dos cargos de liderança no Congresso para selar o grande acordo entre o governo e o Centrão.

Mais preocupado em sustentar-se no cargo, em proteger seus familiares e em construir a própria reeleição, Bolsonaro não teve dúvidas: impossibilitado de sabotar o Fundeb, preferiu sair na foto como um de seus patronos. O desejo oportunista de alçar voos mais altos na política também solapou as convicções de deputados ligados ao mercado e às fundações e institutos empresariais da educação, que tentaram articular o enfraquecimento do Fundeb nos bastidores e que, assim como Bolsonaro, se viram compelidos a recuar na hora da votação. Ser contra a constitucionalização do Fundeb soaria tão impopular, que eles não tiveram coragem de dizer não à PEC 15/15. Para a felicidade de estudantes, profissionais da educação e da escola pública brasileira.

Entre o pragmatismo do governo Bolsonaro e a disputa ideológica do Escola sem Partido, Bia Kicis e outros seis deputados, por outro lado, optaram pela coerência programática: escola sem partido é escola sem financiamento público. Kicis perdeu a vice-liderança do governo Bolsonaro no Congresso, mas foi chancelada por aqueles que de fato a reconduzirão ao parlamento em 2022. Além de conhecer as suas bases eleitorais, o grupo sempre soube que o seu "isolamento" nas hostes bolsonaristas seria temporário. Durou, como se viu, menos de cinco dias.

Antevendo a desconstrução definitiva de suas teses, agora lançadas pelo STF na vala da inconstitucionalidade, o Escola sem Partido precisa de Bolsonaro para manter alguma capacidade de disputar politicamente as escolas. Não podendo mais sustentar a farsa jurídica com que amedrontou e enganou comunidades escolares desavisadas ao longo de anos, o movimento dependerá cada vez mais da máquina de comunicação do bolsonarismo, que seguirá espalhando ódio e medo a despeito de qualquer jurisprudência. Já Bolsonaro, que tirou um imenso proveito eleitoral das bandeiras do Escola sem Partido em 2018, sabe que precisará delas novamente num futuro próximo.

Mesmo com asco ao Fundeb e à melhoria do financiamento da escola pública, Bia Kicis, Miguel Nagib e o Escola sem Partido continuarão recebendo Jair Bolsonaro de braços abertos. Ainda que as coisas não saiam como desejam, ou que, vez por outra, eles sejam publicamente humilhados e ameaçados pelo presidente, o amor prevalecerá entre eles. Para muito além das divergências na votação do Fundeb, é o instinto de sobrevivência que os manterá unidos.

Fernando Cássio é doutor em Ciências e professor da UFABC. Integra a Rede Escola Pública e Universidade (REPU) e a rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

* Fernanda Moura é doutoranda em Educação pela UFF e professora da educação básica. Integra o coletivo Professores Contra o Escola Sem Partido.


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