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Entendendo Bolsonaro

"Governança das subprefeituras é o problema de São Paulo", diz Pavinatto

Entendendo Bolsonaro

14/10/2020 22h29

"Uma subprefeitura dessas de São Paulo é maior do que a maioria dos municípios do país e os subprefeitos são escolhidos por meio de barganha política. A subprefeitura é o filé da contraprestação da barganha política em São Paulo hoje". (Crédito: Vipado)

[RESUMO] Esta é a quinta entrevista de uma série iniciada pelo blog, voltada às eleições municipais de 2020. Ao longo dessas semanas, estamos conversando com candidatas e candidatos, de diferentes partidos, para conhecer a sua visão de cidade e de que maneira estas figuras pretendem contribuir para a solução dos múltiplos impasses pelos quais atravessa o Brasil. As entrevistas estão sendo transmitidas ao vivo no perfil do jornalista Cesar Calejon, no Instagram. Acompanhe!

* Cesar Calejon

Quinto entrevistado do Especial Eleições, Tiago Pavinatto é escritor, advogado, professor doutor e mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), ex-coordenador do Labô (Laboratório de Política, Comportamento e Mídia – PUC-SP ), ativista LGBTQIA+ e candidato a vereador pelo Movimento Brasil Livre (MBL) na cidade de São Paulo.

Entre as suas principais pautas, estão a atual organização das subprefeituras da cidade, a literatura, a lei da dignidade urbana, a iniciativa do Pequeno Cidadão e a proteção e a educação de crianças LGBTQIA+.

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Para Pavinatto, o atual modelo de governança das subprefeituras paulistanas é o principal problema a ser enfrentado num eventual mandato.

"O principal problema de São Paulo hoje é a estrutura das subprefeituras. A cidade é muito grande e não é viável termos somente uma administração central. Então, a subprefeitura é uma realidade que se impõe em São Paulo, que é dividida em 32 sub-regiões, cada uma dessas com a sua subprefeitura e os seus respectivos subprefeitos", explica o candidato.

"Uma subprefeitura dessas de São Paulo é maior do que a maioria dos municípios do país e os subprefeitos são escolhidos por meio de barganha política. (…) A subprefeitura é o filé da contraprestação da barganha política em São Paulo hoje", complementa.

Assim, segundo ele, "quem recebe determinada subprefeitura é um cacique partidário que não mora sequer perto de nenhum dos bairros que compõem aquela sub-região e não tem o menor interesse em resolver os problemas daquele bairro. Simplesmente porque ele não vive ali e não se preocupa, porque, caso a mãe dele passe mal, por exemplo, com certeza não será no hospital daquela região que ela será tratada".

Além disso, o maior foco de corrupção em São Paulo, destaca ele, é a fiscalização de estabelecimentos comerciais. "Quem é o chefe dos fiscais? O subprefeito. Essa é a corrupção que mais nos afeta, porque tira o recurso diretamente das mãos do contribuinte", ressalta Pavinatto, que propõe transformar o método de escolha dos subprefeitos para o que ele intitulou "subprefeitura democrática, que é uma experiência que mistura o conselho participativo, um espírito parlamentarista e a experiência do voto distrital".

"Isso tem que ser feito por lei", prossegue ele, "porque, caso contrário, cada gestão que assume (o poder) escolhe os subprefeitos que quer e derruba tudo o que a administração anterior vinha fazendo. Legislando nesse sentido, existe um legado que fica para a cidade. Quando um novo prefeito assumir, existirá um método de escolha que deverá ser respeitado por todos, mas isso depende de instruirmos a população, principalmente as parcelas mais carentes".

Nesse sentido, o candidato salienta a importância da literatura para a formação de cidadãos críticos e capazes de entender os detalhes da dinâmica social na qual estão inseridos. "Quando a sociedade tem um baixo nível de compreensão das coisas, nós não temos condições de continuar com a democracia. (…) A gente não consegue ter compreensão nessa vida sem a leitura. Veja que, até para evitar o Mal de Alzheimer, por exemplo, recomenda-se a leitura."

Ainda de acordo com Pavinatto, as redes sociais digitais oferecem atrações para manter as crianças entretidas o tempo todo e estimulam a utilização de um tipo de linguagem simplista, acrítica e unidimensional.

"Elas (as crianças) se comunicam por memes. Estamos voltando para a época das cavernas, porque o meme é um tipo de hieróglifo da modernidade. Estamos formando uma sociedade frágil no sentido de percepção intelectual que será refém de qualquer tecnologia, populismo ou notícias falsas. A leitura é absolutamente fundamental para transformarmos essa geração", insiste ele, que sugere a criação "de incentivos à leitura utilizando os métodos da modernidade".

O caminho, segundo o candidato, é  "digitalizar os nossos acervos das bibliotecas municipais, com os livros que não são mais editados ou raros, e estabelecer parcerias com editoras e livrarias por meio de incentivo fiscal via ISS (Imposto sobre Serviços) para que esse conteúdo esteja disponível via streaming. Além disso, a ideia é fazer uma parceria com uma empresa que fabrique o leitor digital para as crianças do ensino fundamental da rede municipal de ensino (da cidade de São Paulo). Isso seria mais barato do que os R$ 100 milhões que estão sendo gastos no chafariz do Vale do Anhangabaú, por exemplo".

Outra bandeira do candidato, o Pequeno Cidadão segue essa mesma linha de instruir as crianças sobre as dinâmicas do funcionamento da sociedade. "Eu acrescentei um tópico, que foi o projeto que o ministro Eros Grau fez, no Rio de Janeiro, chamado Aprendendo Direitinho. Ele usava exemplos de direitos fundamentais e traduzia em pequenas encenações para as crianças das comunidades mais pobres. O Pequeno Cidadão é um projeto essencial para a consolidação de uma democracia e podemos ter isso sem ter partidarização: não serão sessões de críticas e comentários sobre a administração pública e a política atual, mas tão somente a apresentação de conceitos simplificados de democracia, diretos (fundamentais e ordinários) e deveres e as estruturas do nosso país como nossas instituições", conta Pavinatto.

Sobre a lei da dignidade urbana, ele explica que as pessoas migram para o centro de São Paulo, porque viver nas ruas da periferia é mais perigoso do que na região central da cidade, onde elas ficam menos propensas a violência externa e por conta do maior volume de pessoas para a prática da mendicância.

"Nós tínhamos uma política que combinava os albergues, centros de convivência e refeitórios, com assistentes sociais e atividades de desenvolvimento humano. Essas iniciativas foram interrompidas e passamos a oferecer o que foi convencionado chamar de aluguel social, para que as pessoas pagassem pelas suas moradias com esse recurso. O que acontece, de fato, é que as pessoas pegam esse dinheiro e compram qualquer coisa, mas não pagam o aluguel, são despejadas e voltam para a rua", avalia o candidato.

Para ele, a ideia é retomar essas iniciativas, "porque a experiência já nos demonstrou que elas funcionam. Os albergues precisam ser humanizados: evidentemente, devem existir regras, mas podemos permitir que o frequentador venha com o seu cãozinho, por exemplo. Porque eles não vão deixar o único companheiro para trás caso o abrigo não aceite o animal".

No que tange a educação e proteção de crianças LGBTQIA+, Pavinatto diz que pretende reestruturar os Centros de Cidadania da Coordenação de Políticas LGBTQIA+ de São Paulo, com uma diretoria específica e especializada para cuidar da violência contra a criança e buscar um convênio com o Ministério Público e o Conselho Tutelar.

"Eu descobri que era gay com onze anos de idade, quando ainda era uma criança. Queiram vocês ou não, a gente descobre isso na puberdade, ainda na infância, antes da adolescência", afirma o candidato sobre a polêmica que invariavelmente envolve essa temática.

"As crianças são absolutamente indefesas e precisam de uma atenção mais efetiva. (…) Aqui na (Rua) Oscar Freire (em São Paulo) existe exploração de trabalho infantil (por parte de pessoas) com CNPJ, que têm máquinas de cartão de débito e crédito para quando as pessoas não estão com dinheiro em espécie. Imagine o que acontece em outras regiões mais afastadas do centro, principalmente para as crianças que têm a questão da sexualidade e da identidade de gênero", diz Pavinatto, que também enfatiza que muitas crianças sofrem com outros tipos de abusos. Muitas vezes, em nome da religião.

"Coisas que podem passar por choques elétricos, terapias de readequação sexual etc. A ideia é aperfeiçoar a estrutura que já existe no Conselho Tutelar, porque eles fazem um bom trabalho, mas muitas vezes essa atuação não chega às crianças LGBTQIA+. Entende-se que o pai não quer um filho gay e que ele pode, portanto, 'educar' a criança da forma que ele quiser. Muitas vezes existem questões religiosas que interferem se o Conselho Tutelar vai interpelar os pais da criança que sofreu uma agressão. (…) Precisamos de uma diretoria específica para atuar junto ao Conselho Tutelar nesse sentido e de mais canais para que a sociedade civil possa se manifestar", conclui Pavinatto.

* Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (EACH-USP). É, também, autor do livro "A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI" (Lura Editorial).


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