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Entendendo Bolsonaro

Samuel Emílio: “Construir uma São Paulo antirracista é o grande desafio”

Entendendo Bolsonaro

20/10/2020 20h35

"Temos que criar formas mais simples para a participação popular na vida sociopolítica da nação" (Crédito: Leonardo Gali/Divulgação)

[RESUMO] Esta é a sétima entrevista de uma série iniciada pelo blog, voltada às eleições municipais de 2020. Ao longo dessas semanas, estamos conversando com candidatas e candidatos, de diferentes partidos, para conhecer a sua visão de cidade e de que maneira estas figuras pretendem contribuir para a solução dos múltiplos impasses pelos quais atravessa o Brasil. As entrevistas estão sendo transmitidas ao vivo no perfil do jornalista Cesar Calejon, no Instagram. Acompanhe!

* Cesar Calejon 

Sétimo entrevistado do Especial Eleições, Samuel Emílio é graduado em engenharia de produção, ex-vice-presidente do Núcleo Unesp, coordenador de Políticas Públicas na Educafro e candidato ao cargo de vereador pelo PSB na cidade de São Paulo.

O candidato tem no combate ao racismo uma das suas principais plataformas caso eleito. "Globalmente, houve uma grande aprendizagem esse ano com relação à pauta racial. Foram pelo menos três meses de uma discussão muito profunda sobre o assunto. Eu não tenho dúvida de que construir uma São Paulo antirracista é o grande desafio daqui para frente. Percebemos o tamanho do abismo que ainda existe em 2020. Então, essa abordagem precisa ser transversal, independentemente do tema que estejamos discutindo: seja na primeira infância, na educação básica ou no acesso ao emprego, nós precisamos enfatizar o recorte racial."

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Emílio salienta a falta de capacidade do município de incluir as pessoas que estão em situação de pobreza e extrema pobreza na economia de maneira produtiva. "Uma das nossas principais propostas é a Jornada da Inclusão, que pretende atuar junto às pessoas que estão nessa situação de pobreza extrema para desenvolver um projeto de independência financeira desde o nascimento das novas gerações."

Segundo ele, "todos sabem que o investimento na primeira infância traz retornos muito interessantes por meio do rendimento escolar e dos gastos que são evitados nas áreas de saúde e com a redução da violência. Assim, o primeiro passo dessa nossa jornada está na primeira infância, o segundo na educação básica e o terceiro na inclusão produtiva do emprego e da renda. (…) Algumas escolas municipais da rede pública de São Paulo possuem notas melhores do que outras no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), por exemplo. A ideia é puxar essas escolas menos qualificadas para cima e garantir um ensino de melhor qualidade de forma mais ampla".

Nesse sentido, dois pilares centrais deverão sustentar a sua eventual atuação na Câmara Municipal: "(1) evidências científicas, corroboradas por vasta pesquisa acadêmica, e o (2) contexto local, considerando as demandas de cada população. Esse casamento dá luz a políticas eficientes e foge de uma estratégia medíocre de fazer oposição por oposição", acrescenta Emílio, que também ressalta a importância dos estudos e conhecimentos acadêmicos na vida social e política da nação.

"Isso é muito interessante, porque, geralmente, a academia reclama que os políticos não consideram as pesquisas científicas para nortearem as suas atuações parlamentares. De fato, isso acontece. Existe toda uma gama de conhecimentos que já foram consolidados e não são empregados no desenvolvimento coletivo da cidade. Esse equilíbrio faz muito bem para a nossa democracia: utilizar o conhecimento produzido (nas universidades) em conjunto com as demandas e o próprio conhecimento que as pessoas produzem nas suas vidas cotidianas", sugere.

Para ele, essa cotidianidade indica que a cidade de São Paulo está na direção oposta no que tange à pauta racial e o que vem sendo feito em outras grandes capitais do planeta.

"A gente tinha uma Secretaria de Igualdade Racial, que foi transformada em coordenadoria dentro da Secretaria de Direitos Humanos. Ela foi rebaixada. Esse foi um sinal que o município deu para a comunidade negra de que esta pauta não está sendo priorizada, o que revela que São Paulo está, hoje, na contramão do mundo", enfatiza o candidato, que propõe começar "pelas coisas mais simples, que podem ser feitas via (Poder) Legislativo. Por exemplo, o orçamento de cultura é muito centralizado em São Paulo. Hoje, cerca de 0,7% do orçamento municipal é dedicado para essa área".

"Na minha visão", prossegue ele, "poderia ser pelo menos 1%, mas, mesmo que este número continue igual, metade destes recursos precisa ir para as periferias e para a cultura afro-brasileira, porque, atualmente, a maior parte desse investimento vai para o Masp, para a Pinacoteca ou museus nas regiões centrais da cidade, que não são os que a população das periferias visitam. Depois (a sociedade) reclama dos bailes funk, mas não entrega oportunidades e equipamentos culturais para as comunidades periféricas se expressarem. Eu vou atuar fortemente nessas questões".

Sobre a violência que atinge a comunidade negra, tanto policiais como moradores dos bairros mais pobres da cidade, Emílio apresenta um registro empírico para avançar a sua posição.

"No Estado de São Paulo, em 2019, foram 15 milhões de abordagens policiais. Todo o estado tem 45 milhões de pessoas. Isso, em tese, significaria que, a cada três pessoas, uma deveria ter sido abordada pela polícia nesse ano. Pergunte, nos bairros de classe média alta para cima, se as pessoas foram abordadas ou sequer conhecem alguém que foram paradas pela polícia. Esse é um dado claro de que essas abordagens estão muito concentradas em locais específicos das periferias, de forma desonesta e violenta. Precisamos de mais inteligência nessa questão", observa o candidato, que abriu a sua campanha para que a população enviasse as suas sugestões a serem seguidas no mandato.

"Quando eu decidi me candidatar, resolvi que a nossa campanha deveria abrir espaço para a sociedade civil colaborar com a formulação das nossas propostas. Infelizmente, nós constatamos um desinteresse gigante da massa (popular). (…) O próprio (candidato a prefeito de São Paulo) Márcio França topou fazer isso no plano de governo dele e as pessoas não enviaram (as suas sugestões). Essa foi uma experiência social muito interessante. Isso diz muito sobre o momento político que nós estamos vivendo. A descrença das pessoas (na política institucional). Por outro lado, algumas pessoas responderam que não enviaram as suas sugestões porque achavam muito difícil elaborar uma proposta para a cidade. Elas também ficam tímidas, porque acham que não podem contribuir. Temos que criar formas mais simples para a participação popular na vida sociopolítica da nação", garante Emílio.

Sobre os aplicativos de entregas e a precarização do trabalho no Brasil, o candidato pondera que o estado não está conseguindo acompanhar o desenvolvimento tecnológico e não está fazendo nada para mudar esse cenário.

"Isso não acontece somente em São Paulo, mas no Brasil inteiro. O que os aplicativos fazem está bem longe de ser empreendedorismo. Que empreendedorismo é esse que você tem que bater metas definidas pelos outros? Até onde eu entendo, quando você abre uma empresa, cabe a você determinar as metas e ficar com o lucro, principalmente. No caso do iFood, por exemplo, a pessoa faz o cadastro, tem que fazer cinquenta entregas por semana sem qualquer vínculo empregatício formal ou as mínimas condições de trabalho e é sub-remunerada. (…) É desonesto você receber R$ 600 para trabalhar doze horas por dia entregando comida para os outros", diz.

Ainda de acordo com ele, o poder público deve agir proativamente no sentido de garantir que as pessoas das comunidades mais carentes tenham acesso à renda básica e a informações para potencializarem as suas atividades profissionais.

"A minha mãe era salgadeira. Ela vendeu salgados a vida inteira, desde que eu nasci. Ela nunca acordou de manhã e disse: 'nossa, hoje eu vou abrir uma microempresa individual', porque ela não sabia que isso sequer existia, ela não sabia quais eram as vantagens e não sabia que poderia pegar algum crédito para investir no próprio negócio. A Prefeitura (de São Paulo) precisar fazer um trabalho ativo, ligar para as casas das pessoas que assim solicitarem, para explicar esse tipo de questão e estimular o empreendedorismo legítimo nas regiões mais pobres da cidade. Esse é o grande desafio: precisamos capacitar as pessoas e ajudá-las a serem independentes", conclui.

* Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (EACH-USP). É, também, autor do livro "A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI" (Lura Editorial).


Este é um blog coletivo que pretende contribuir, sob diversos olhares – da comunicação à psicanálise, da ciência política à sociologia, do direito à economia –, para explicar o fenômeno da nova política. O "Entendendo Bolsonaro" do título indica um referencial, mas não restringe o escopo analítico. Toda semana, pesquisadoras e pesquisadores serão convidados a trazer suas reflexões. O compromisso é com um conteúdo acadêmico traduzido para o público amplo, num tom sereno que favoreça o debate de ideias. Convidamos você a nos acompanhar e a interagir conosco.

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