Topo

Entendendo Bolsonaro

Karla Falcão: "Apenas a política pode resolver nossos problemas"

Entendendo Bolsonaro

09/11/2020 20h30

Existem duas formas de se resolver um problema: pelo diálogo ou pelo conflito. O primeiro é a política e o segundo é a guerra. Precisamos construir pontes e não muros. Todos os problemas que a gente enfrenta são de natureza política (Crédito: Divulgação/Livres).

[RESUMO] Esta é a décima entrevista de uma série iniciada pelo blog, voltada às eleições municipais de 2020. Ao longo dessas semanas, estamos conversando com candidatas e candidatos, de diferentes partidos, para conhecer a sua visão de cidade e de que maneira estas figuras pretendem contribuir para a solução dos múltiplos impasses pelos quais atravessa o Brasil. As entrevistas estão sendo transmitidas ao vivo no perfil do jornalista Cesar Calejon, no Instagram. Acompanhe!

* Cesar Calejon

Décima entrevistada do Especial Eleições, Karla Falcão é professora, ativista de fiscalização do poder público, cofundadora do Livres e candidata a vereadora de Recife pelo Cidadania.

Falcão acredita que o principal problema da cidade é a ausência de mecanismos que permitam um maior domínio da população sobre a atividade parlamentar municipal.

"O principal problema da cidade de Recife hoje é a falta de controle social sobre as ações da Prefeitura e da Câmara Municipal. Temos um orçamento de R$ 6,5 bilhões e esse dinheiro não é investido nos serviços públicos. A cidade tem o pior trânsito do Brasil. De cada cem jovens que dependem das escolas da Prefeitura, apenas um termina o ensino fundamental sabendo o adequado em português. (…) Temos mais da metade da população sem (acesso a) esgoto tratado. Quase 200 mil pessoas sem água em suas torneiras em casa e somos protagonistas na questão do desemprego. Isso tudo não acontece porque falta dinheiro na cidade, mas sim porque falta vigilância sobre como esse recurso é utilizado", explica.

"Por exemplo", prossegue ela, "curiosamente, em 2018, ano eleitoral, o prefeito aqui do município retirou R$ 30 milhões de obras de interesse público para colocar em propaganda. Realocou outros R$ 20 milhões (que estavam destinados) para a urbanização de áreas de risco com esse mesmo propósito. Temos 39 vereadores, cada um com algo em torno de 18 assessores, e ninguém viu isso? Foi preciso que eu, professora, no meu tempo livre, identificasse o problema e fizesse a denúncia pública. Realmente falta controle no dinheiro que as pessoas pagam, porque nada do que o poder público faz é um favor. São obrigações. Em Recife, por exemplo, a arrecadação com as multas de trânsito aumentou 300% e ninguém sabe para onde vai esse dinheiro".

Veja também

Caso eleita, a candidata pretende usar a experiência adquirida em projetos anteriores para endereçar essa questão de forma objetiva.

"Eu tive a oportunidade de trabalhar como consultora de comunicação por três anos e meio na Câmara de Vereadores de Recife e nesse trabalho nós desenvolvemos o Raio X das Escolas e Creches, que foi uma plataforma legislativa idealizada pelo professor André Régis, que na época era o presidente da Comissão de Educação da nossa Câmara. Estivemos, presencialmente, em todas as escolas e creches do nosso município. (…) Tabulamos todas as informações, tais como quadros de funcionários, corpos docentes, material, estrutura física etc. Fizemos relatórios robustos, traduzimos os problemas das escolas em requerimentos (de ações) para a Prefeitura e os casos que não eram resolvidos nós levamos para o Ministério Público. Além disso, criamos uma plataforma online por meio da qual qualquer cidadão pode fazer um tour virtual pelas escolas e creches da cidade", elucida.

Esse teor técnico – bem estruturado e científico – forma a base do que a candidata afirma querer levar para o seu mandato. "Teremos uma equipe de campo, que estará nas ruas, fiscalizando os serviços e as obras públicas. Uma equipe jurídica muito forte, tanto para poder analisar contratos e licitações quanto para fazer os requerimentos e as denúncias, sempre que for necessário, uma equipe de políticas púbicas com o Legislativo para propor a revogação das leis que atrapalham o desenvolvimento da cidade e também propor uma legislação que ofereça maior controle sobre as ações da Prefeitura", garante Falcão, que há anos promove um programa em suas redes sociais para educar a população com relação a temas relacionados à política institucional e ao funcionamento do Estado.

"Temos um quadro (intitulado) 'Recife em 1 minuto', no qual eu explico questões que são próprias da cidade e da atividade parlamentar de um jeito bem simples para que qualquer pessoa possa entender", acrescenta.

Sobre a importância de estimular a participação dos jovens na política, Karla ressalta que "existem duas formas de se resolver um problema: pelo diálogo ou pelo conflito. O primeiro é a política e o segundo é a guerra. Precisamos construir pontes e não muros. (…) Todos os problemas que a gente enfrenta são de natureza política. Precisamos agir e ocupar esses espaços de poder. Por isso eu insisto tanto em investir em educação política. (…) Existem muitas pessoas que querem participar, mas não sabem como. Eu acredito que os mandatários devem abrir esse espaço na própria Câmara. Elas precisam entender o que é o plenário, o que é uma audiência pública, o que é uma comissão e o sistema de processo legislativo, por exemplo".

Outro tema que preocupa a população recifense é a insegurança pública, porque Recife é uma das capitais mais violentas do Brasil.

"As pessoas estão muito acostumadas a pensar que segurança pública (é sinônimo de) polícia, que tem um papel importante, mas existe uma série de ações de forma a prevenir a violência. Primeira coisa: a gente tem uma Guarda Municipal aqui que é usada como portaria de prédio. Isso é um absurdo. Pessoas com um potencial gigantesco para colaborarem com a vida do cidadão e estão sendo subutilizadas. Podemos preparar essa Guarda Municipal e colocá-la nos grandes corredores, no centro da cidade, acompanhando os conselheiros tutelares, que trabalham sozinhos sem nenhum tipo de proteção, prevenindo crimes oportunistas", sugere a candidata.

Dois aspectos fundamentais nessa equação, segundo ela, são os cuidados com os espaços urbanos e o incentivo ao emprego e à renda. "Garantir a iluminação e a manutenção das praças públicas, para que as pessoas ocupem as ruas, porque isso evita que o crime aconteça. (…) Além disso, a primeira coisa a se fazer é um levantamento de toda a legislação municipal e propor o fim de regras vazias ou prejudiciais ao desenvolvimento do emprego e de postos de trabalho", pondera.

Em Recife, vigora uma lei que dá à Prefeitura o poder de polícia para aprender as mercadorias dos comerciantes informais. "Ou seja, (a cidade) não oferece a condição da formalização, não aposta em um contato próximo com esse vendedor para ajudar e aprova uma lei, com a conivência dos vereadores, em regime de urgência, sem nenhuma discussão com a população, que permite que todo o material seja aprendido sob pena de fiança que teve o valor mínimo estipulado em R$ 5 mil. A pessoa tem apenas quinze dias para conseguir esse dinheiro ou a Prefeitura pode leiloar tudo. Uma pessoa que vende pastel na porta da sua casa, por exemplo, tem R$ 5 mil disponível em duas semanas para recuperar a fritadeira? (…) Esse tipo de lei precisa ser totalmente reformulada", enfatiza Falcão.

Por fim, ela salienta que a política institucional precisa de cidadãos com "espírito de serviço público. Gente que tenha realizado trabalhos para a cidade ainda enquanto cidadão e não dependa de um cargo para fazer. Que tenha feito porque ama a cidade e quer que ela seja para as pessoas", conclui.

* Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (EACH-USP). É, também, autor do livro "A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI" (Lura Editorial).


Este é um blog coletivo que pretende contribuir, sob diversos olhares – da comunicação à psicanálise, da ciência política à sociologia, do direito à economia –, para explicar o fenômeno da nova política. O "Entendendo Bolsonaro" do título indica um referencial, mas não restringe o escopo analítico. Toda semana, pesquisadoras e pesquisadores serão convidados a trazer suas reflexões. O compromisso é com um conteúdo acadêmico traduzido para o público amplo, num tom sereno que favoreça o debate de ideias. Convidamos você a nos acompanhar e a interagir conosco.

Sobre os autores

Pesquisadores e estudiosos da nova direita e suas consequências em diversos campos: da sociologia à psicanálise, da política à comunicação.

Sobre o Blog

Uma discussão serena e baseada em evidências sobre a ascensão da extrema direita no mundo.