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Entendendo Bolsonaro

Bolsonaro é movido por ressentimento contra militares

Entendendo Bolsonaro

14/11/2020 23h02

(Crédito: Eduardo Anizelli/Folhapress)

* Cleber Lourenço 

Nas últimas semanas, Bolsonaro voltou a explicitar o seu ressentimento pelas Forças Armadas que em um passado não tão distante lhe trataram com o merecido desdém pelo seu histórico de mau militar – nas palavras do ex-ditador Ernesto Geisel.

E, como um mau militar, fica notória a satisfação do capitão da reserva em promover mandos, desmandos e humilhações para generais que participam do seu governo, alguns dos quais pertencem à ativa, como é o caso do ministro da Saúde Eduardo Pazuello.

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Capitaneado pelo youtuber Olavo de Carvalho, o bolsonarismo está em permanente rota de colisão com os militares, tudo endossado pelo presidente que concedeu o grau máximo da Ordem Nacional de Rio Branco ao seu "guru".
A partir do momento que o presidente decide condecorar um sujeito que passa seus dias atacando, ofendendo e perseguindo militares, ele ou concorda com as declarações ou, no mínimo, possui um profundo desdém pelas Forças Armadas.

Mais atritos

Só em 2019, o governo demitiu três generais de suas "fileiras", destaque para os generais Juarez Cunha e Santos Cruz. O primeiro foi acusado de "comportamento sindicalista" e o segundo foi vítima da intentona olavista dentro do governo Bolsonaro que segue em uma campanha de desconfiança dos militares.

Já o coronel Ricardo Roquetti foi exonerado do Ministério da Educação ainda na gestão do ex-ministro Abraham Weintraub. Ele era o segundo no comando da pasta e teve sua cabeça pedida por Olavo de Carvalho e seus seguidores, causando uma fratura no meio militar em uma relação já abalada após acenos irresponsáveis do chanceler Ernesto Araújo aos EUA – Araújo sinalizou que poderia criar um corredor no meio da Amazônia para livre circulação de militares americanos em caso de uma eventual guerra com a Venezuela. À época, os generais viram a declaração do chanceler olavista como um atentado contra a soberania nacional.

"Despertar patriótico"

Bolsonaro deve ter acreditado que em algum momento "reinaria" absoluto no Brasil com a força do fuzil e dos blindados, e o fracasso dessas pretensões, como revela a sua nada harmoniosa relação com o vice-presidente, produziu ainda mais ressentimento contra as Forças Armadas.

Não é por menos que as humilhações impostas pelo presidente podem ser vistas também como uma forma de promover a indisciplina na caserna entre as patentes mais baixas. Em dois episódios distintos, um em 2018, durante uma transmissão ao vivo no YouTube, e outro durante a primeira Cúpula Conservadora das Américas em 2018, Olavo afirmou que os generais entregaram o país aos comunistas.

Em 2015, Olavo chegou a ser banido das redes sociais do Exército por acusar os militares de permitirem o comunismo no país. Se toda a cúpula militar é feita de comunistas infiltrados e de pessoas lenientes com a esquerda, pela lógica, o que os militares do andar de baixo deveriam fazer? Quebra da hierarquia? Sublevação?

Pujol tenta controlar a tropa

Recentemente, enquanto o presidente comemorava um suicídio que parou as pesquisas de uma vacina contra o coronavírus, o Ministério da Defesa editou uma portaria que obriga militares a tomarem vacinas previstas em calendário. Isso um dia após Bolsonaro chamar os brasileiros preocupados com a saúde de "maricas".

Em março, no início da pandemia, o comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, contradisse Bolsonaro e afirmou que a ação dos quartéis diante da pandemia era 'a missão mais importante de sua geração', ambos acenos para afastar a tropa da insubordinação bolsonarista.

Pujol também disse em um evento, na última quinta-feira (12), que "nosso assunto é militar, preparo e emprego. As questões políticas? Não nos metemos em áreas que não nos dizem respeito. Não queremos fazer parte da política governamental ou do Congresso Nacional e muito menos queremos que a política entre em nossos quartéis."
No dia seguinte, em outro evento, ele reforçou o discurso dizendo que o Exército não é 'instituição de governo' nem tem partido, deixando claro que a cúpula está realmente preocupada com a radicalização da tropa e com a quebra de hierarquia.

Pujol é um militar sucinto e reservado, diz apenas o necessário e quando necessário, não faria o mesmo discurso duas vezes se não fosse inevitável. Essa é uma clara sinalização de que a cúpula acompanha com atenção o processo de quebra da hierarquia promovido por Bolsonaro e seus seguidores. Aos militares da ativa que eventualmente saiam do governo, a orientação, agora, é para que sejam mandados direto para a reserva.

Parte dessa fissura pode ser notada em publicações e comunidades de militares de patentes mais baixas que acusam a cúpula de fazer lobby em porta de gabinetes para conseguirem benefícios em detrimento das patentes inferiores, além de outras acusações. Acontece que a promoção de quebra da hierarquia pode acabar não sendo benéfica para o presidente. As patentes mais baixas também não confiam na família Bolsonaro.

Um reflexo disso são as eleições municipais. Segundo uma fonte, próxima dos chefes de gabinete de Carlos e Flávio Bolsonaro, os assessores de ambos passaram a última-feira sexta (13) ligando para lideranças políticas de militares graduados no Rio de Janeiro. Estão preocupados com a campanha "praça vota em praça", que instiga as camadas médias a não votar em oficiais e seus parentes, e isso inclui Rogéria (ex-esposa do presidente) e Carlos Bolsonaro.

Entre eventos, entrevistas e notas para afirmar que não fazem parte da política, as Forças Armadas encontram dificuldade para fazer "desaparecer" mais de 6 mil militares em cargos civis do governo.

* Cleber Lourenço é pós-graduando em jornalismo contemporâneo.

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