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Na relação com os EUA, Brasil esquece que barganhar é essencial

Entendendo Bolsonaro

22/03/2019 16h59

(Crédito: Isac Nóbrega/Agência Brasil)

* Vinícius Rodrigues Vieira

A afinidade entre Bolsonaro e Trump é bastante lógica: democraticamente eleitos, ambos os líderes expressam visões conservadoras legítimas dos países que governam. O que não encontra lastro nos registros históricos é um país como o Brasil — uma potência regional e emergente, portanto, com interesses diversos — buscar em tempos de paz o que parece ser um alinhamento automático com os Estados Unidos. Aliás, também seria estranho tal alinhamento ocorrer com qualquer outra nação que tem mais poder que nós, seja no campo econômico, militar ou até mesmo cultural.

Na visita a Washington, Bolsonaro concordou em ceder em alguns pontos na expectativa de obter benefícios futuros para o Brasil. O ponto mais polêmico para os que acompanham os debates em Economia Política Internacional — o campo de estudos que procura elucidar as relações entre governos e mercado — foi a promessa de renunciarmos ao status de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC) em troca do fim do bloqueio americano ao nosso pedido de entrada na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), apresentado em 2018.

Enquanto a OMC regula o comércio internacional por meio de regras comuns a seus 164 membros que cobrem quase que a totalidade do PIB mundial, a OCDE é vista como o clube dos países ricos, com maior renda média, tendo só 36 participantes. Por impor a seus membros uma série de regras para dar mais transparência em áreas como sistema financeiro e a arrecadação de impostos, a OCDE funcionaria na prática como um selo de qualidade para atrair investimentos externos — essencial, na visão de liberais como o ministro da Economia Paulo Guedes, para retomar o crescimento e gerar emprego.

Seria essa a melhor estratégia? O status de país em desenvolvimento na OMC permite que levemos mais tempo que um país desenvolvido como os EUA, por exemplo, para implantar novas regras de comércio, dando, em tese, condições a nossos produtores de se prepararem melhor para enfrentar concorrentes mais eficientes. Porém, desde 2013 não há alterações relevantes na OMC, o que não quer dizer que a organização seja irrelevante. Conforme demonstrado pelos professores Helen Milner e Tim Buthe em artigo publicado em 2008 no American Journal of Political Science, países em desenvolvimento tendem a atrair mais investimento se forem membros do sistema multilateral de comércio da OMC ou tiverem acordos bilaterais de comércio — algo que o Brasil não procurou estabelecer nos últimos 15 anos.

Ou seja, pertencer à OCDE não é o único caminho para atrair mais capital. Essa organização, aliás, tem, segundo estudos como o publicado por Judith Clifton e Daniel Díaz‐Fuentes em 2011, cada vez mais interesse em se engajar com potências emergentes como o Brasil, até mesmo para continuar a ter relevância num mundo em que os atuais países ricos tendem a perder espaço para novas potências como os países dos BRICS — grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Podemos, assim, usar esse interesse da OCDE a nosso favor. É como no começo de um relacionamento em que sabemos que o crush já está predisposto a aceitar nossas investidas.

As ações de Bolsonaro em Washington — inclusive a concessão de isenção de visto e a sinalização de uma aliança militar com os americanos — assemelham-se, portanto, a bandwagoning, termo em relações internacionais que resume o ato de se aliar a um país mais forte para evitar agressões da parte dele, conforme nos explica Steven Walt. Isso, porém, só faz sentido em situações de guerra e para Estados muito fracos — por exemplo, aqueles que sequer são uma potência regional. No caso do Brasil, é esperado fazer aquilo conhecido por soft-balancing, ou seja, alianças não-militares com países que também querem ganhar mais poder.

Assim, aproximação aos EUA só faria sentido se acompanhada de uma estratégia para barganharmos com mais força com as demais potências econômicas do mundo, em especial a China e a União Europeia. De fato, tornamo-nos excessivamente dependentes dos chineses desde o começo do século 21, em especial após a crise de 2008. Mas boa parte dessa dependência decorreu de modificações na distribuição de poder no mundo, principalmente desde o ponto de vista econômico. Já analisei isso em artigo publicado em 2014 no Bulletin of Latin American Research (cujo resumo pode ser acessado aqui), mostrando que nossa busca por mercados no mundo em desenvolvimento (inclusive a China) se deu por conta do aumento da demanda por matérias-primas e teve início sob o governo FHC entre 1997 e 2002.

Como recentemente um consultor me falou, Bolsonaro devia ter apresentado a Trump uma série de demandas para beneficiar nosso agronegócio, setor cujos empreendedores apoiaram a campanha do nosso presidente. Por exemplo, nossos produtores de soja se beneficiaram da guerra comercial entre EUA e China, que retaliou os americanos reduzindo a importação daquele grão. Por que não condicionar a quota de importação de trigo dos EUA oferecida por Bolsonaro — outro ponto polêmico da visita — a uma eventual garantia de que, em caso de trégua dos americanos com os chineses, nossas exportações de soja para os asiáticos não seriam reduzidas?

Seja na política internacional, seja no dia a dia, não adianta fugir à lógica: barganhar é essencial para sobreviver. E o mais fraco só barganha com competência caso ceda ao mais forte com contrapartidas claras e faça isso em bloco, junto com outros que têm interesses similares. Isso — mais que um suposto marxismo cultural — explica o alinhamento do Brasil a outras potências emergentes como os BRICS nos últimos 20 anos. Goste-se ou não de Bolsonaro, os princípios das negociações internacionais sugerem que o presidente assinou um cheque parcialmente em branco para Trump, que, logicamente, defendeu os interesses daqueles que o elegeram.

* Vinícius Rodrigues Vieira é professor visitante do Departamento de Relações Internacionais da USP

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Este é um blog coletivo que pretende contribuir, sob diversos olhares – da comunicação à psicanálise, da ciência política à sociologia, do direito à economia –, para explicar o fenômeno da nova política. O "Entendendo Bolsonaro" do título indica um referencial, mas não restringe o escopo analítico. Toda semana, pesquisadoras e pesquisadores serão convidados a trazer suas reflexões. O compromisso é com um conteúdo acadêmico traduzido para o público amplo, num tom sereno que favoreça o debate de ideias. Convidamos você a nos acompanhar e a interagir conosco.

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