Com tweet racista, Trump dobra aposta em divisão, de olho em 2020
Entendendo Bolsonaro
21/07/2019 03h45
Crédito: (Kevin Dietsch – POOL/ EPA-EFE/REX/Shutterstock)
*Rafael Burgos
Desde o último domingo (14), o debate político americano tem passado por um novo capítulo de radicalização, após o presidente Donald Trump ofender parlamentares oposicionistas no Twitter, se apropriando de discurso com tons racistas.
Em ataque a Alexandria Ocasio-Cortez, Ilhan Omar, Rashida Tlaib e Ayanna Pressley, representantes eleitas pelo Partido Democrata para a Câmara, Trump desautorizou críticas recebidas pelas quatro mulheres, sugerindo que elas voltassem aos lugares de onde vieram: "países cujos governos são uma completa e total catástrofe".
O "país de onde vieram" três das quatro jovens congressistas são os Estados Unidos. Uma delas, Ilhan Omar, alvo especial de Trump e demais republicanos, é muçulmana, nascida na Somália, e cidadã americana desde o ano 2000.
Todas as quatro pertencem a minorias raciais, sendo jovens democratas em primeiro mandato na Câmara. Elas compõem um grupo conhecido como "The Squad", e expressam uma nova cara do Partido Democrata diante de Trump, em forte guinada à esquerda no espectro político americano.
Na última terça-feira (16), dois dias após os tweets ofensivos, a Câmara dos EUA, hoje de maioria democrata, aprovou resolução condenando os comentários, os quais, segundo o texto, "legitimaram o medo e o ódio direcionados aos novos americanos e às pessoas de cor".
A resolução obteve voto favorável de apenas 4 de um total de 191 representantes republicanos na Câmara, gesto que simboliza a enorme transformação pelo qual tem passado o partido desde a subida ao poder do então candidato "anti-establishment" Donald Trump, a um ano das eleições presidenciais de 2020.
Algumas reações de lealdade partidária ilustram a degradação a que chegou o partido de Ronald Reagan e George W. Bush.
Em entrevista à CNN, Kris Kobach, político republicano, ex-secretário de Estado do Kansas, foi indagado se continuaria a apoiar o presidente Trump caso o mesmo se autodeclarasse racista.
Pensando no cenário eleitoral de 2020, Kobach disse: "Precisaria saber quem está enfrentando ele".
Do mesmo modo, Kevin McCarthy, não menos do que o líder da minoria na Câmara, se pronunciou a respeito e negou o tom racista dos comentários. Para ele, "Isso diz respeito a ideologia. É sobre socialismo versus liberdade".
O argumento de McCarthy é semelhante ao tom utilizado por Donald Trump no Twitter ao longo da última semana, período em que se dedicou à defesa das acusações de racismo, partindo para uma estratégia de apontar o radicalismo da oposição democrata.
A muçulmana Ilhan Omar, principal alvo dos republicanos após o episódio, foi vítima de ataques islamofóbicos, com destaque para a falsa acusação, por parte de Trump, de que Omar teria elogiado a al-Qaeda, grupo terrorista responsável pelos ataques de 11 de setembro.
Ao esforçar-se para revelar o "radicalismo" dos opositores, Trump e demais aliados partem para estratégia discursiva que visa a legitimar o racismo, sob o pretexto de que ele estaria sendo proferido num movimento de autodefesa.
Assim, o magnata republicano dá sequência a uma retórica de campanha em que pregava um retorno a uma América grande, sempre em defesa dos "verdadeiros americanos" e em combate aos "inimigos do país".
Como aponta o cientista político holandês Cas Mudde, referência nos estudos do fenômeno populista global, no artigo The Populist Zeitgeist, é prática comum entre líderes populistas a apropriação do conceito de "povo", de modo que a vaga idealização de um povo homogêneo é posta como norte do discurso, o que propicia um poderoso gerador de identidades.
Não à toa, o poder comunicativo do "Make America Great Again", slogan de campanha de Trump, está exatamente na ideia de retomar o indefinido.
A imprecisão, nesse sentido, é condição para que múltiplas identidades se articulem em torno de uma mesma concepção de mundo: a de que haveria um passado glorioso a ser retomado, uma identidade perdida.
Assim, a permanente destruição de reputações empenhada por líderes de extrema-direita serve ao belicoso chamado para uma guerra em que, carentes de inimigos externos factíveis, acabam os cidadãos do próprio país retratados como pessoas a serem combatidas ou "mandadas de volta".
No filme "Nós" – cujo título original, "Us", faz duplo sentido com as iniciais de "United States – , lançado neste ano, Jordan Peele, cineasta americano, faz um poderoso retrato psicológico da sociedade americana que elegeu Donald Trump.
Nele, é contada a história de uma família que embarca numa viagem para uma casa de veraneio e acaba vítima de um pesadelo em que os seus inimigos, descobrem, não passam de uma caricatura deles mesmos.
Cena de "Nós", filme americano de suspense e terror psicológico dirigido por Jordan Peele.
– Quem são essas pessoas?
– Somos nós
"Nós" (2019)
Eleito após campanha marcada por um sucessivo ataque às instituições americanas e a minorias étnicas e raciais, Trump, no poder, inaugurou a modalidade de um presidente em campanha permanente.
Seu discurso, em vez de servir a um propósito público e institucional, atende a demandas pessoais, preparando o terreno para a campanha à reeleição em 2020, num cenário de extrema polarização em que o dever de coerência às impropriedades ditas no passado, que as torna presente e, por certo, as tornará futuro, acaba por consolidar uma inescapável degradação da política americana.
*Rafael Burgos é jornalista, autor do TCC "Donald Trump: a redenção pelo regresso".
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