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Atos do dia 15: Bolsonaro torna-se refém de grupos radicais

Entendendo Bolsonaro

16/03/2020 00h02

Manifestante exibe cartaz pró-ditadura na Avenida Paulista (Roberto Sungi / Futura Press)

[RESUMO] Pesquisador do bolsonarismo no Whatsapp analisa a militância de grupos radicais apoiadores do presidente. Segundo ele, a adesão a pautas antidemocráticas tornou-se independente da figura de Bolsonaro, que, acuado diante de um possível 'Frankenstein', não viu outra alternativa senão aderir fervorosamente às manifestações do dia 15.

* David Nemer

A expectativa nas redes sociais bolsonaristas em relação às manifestações do dia 15 de março era que seriam iguais às de 2013. Porém, como já previsto e independente da histeria nas redes sociais, elas foram consideradas um fracasso – tanto no número de participantes quanto no potencial agravamento da saúde pública.

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Os participantes justificaram que a baixa adesão da base bolsonarista foi devido ao medo de contágio pelo novo coronavírus (COVID-19) e ao pedido de cancelamento do próprio Bolsonaro. Porém, já era de se esperar que tais manifestações não fossem trazer as massas às ruas, afinal, o presidente já não conta mais com antigos aliados que tinham um grande poder de mobilização, como MBL, Joice Hasselmann, e Alexandre Frota.

Sabendo dessa limitação, o próprio Bolsonaro compartilhou, via WhatsApp, dois vídeos de convocação para as manifestações, colocando assim o seu endosso com a finalidade de motivar a sua base.

O endosso do presidente e as insistentes declarações do general Heleno contra o Congresso deixaram os grupos bolsonaristas no WhatsApp fervorosos. Em grupos que eu acompanho desde março de 2018, membros compartilharam conteúdos digitais de todos os tipos – imagens, áudios e vídeos – e tons – insultando o presidente da Câmara Rodrigo Maia, enaltecendo o patriotismo dos bolsonaristas, e destacando a corrupção do Congresso.

As atitudes de Bolsonaro e Heleno foram duramente criticadas por membros de Congresso e STF, o que levou os dois a recuarem e a baixarem o tom em relação às manifestações. Tal recuo também foi sentido nos grupos de WhatsApp onde os membros já não se mostravam tão entusiasmados com os protestos quanto no início do mês.

Porém, um grupo de pessoas se manteve ativo e confiante no sucesso das manifestações. Eles continuaram insistentemente a compartilhar conteúdos convocando outras pessoas a se juntarem a eles.

Em agosto de 2019, após analisar mais de 200 mil mensagens, eu identifiquei esse grupo de usuários como os Insurgentes. Eles têm fortes sentimentos nacionalistas e acreditam que Bolsonaro traiu a nação devido aos seus planos de privatizar e vender empresas estatais brasileiras, como a Petrobras.

Os Insurgentes afirmaram que o presidente não está cumprindo suas promessas de militarizar o governo e que teria cedido ao establishment e aos políticos corruptos – à velha política, portanto. Eles acreditam que a única maneira de salvar o país é organizar uma insurgência popular armada a fim de promover uma limpeza completa dos poderes Legislativo e Judiciário. Desta forma, compartilham todo e qualquer conteúdo que leve à descrença desses poderes.

Para eles, Bolsonaro estaria corrompido, STF é pró-Lula, e o Congresso é a causa do Brasil ser tão corrupto. Esse perfil e as demandas dos Insurgentes mostram que as atitudes de Jair Bolsonaro de trazer militares para o Planalto e de endossar as manifestações contra Congresso e STF são um claro aceno para reatar com eles.

Bolsonaro precisa do apoio dos Insurgentes, já que eles são motivados a irem às ruas e têm o potencial para fazer barulho – além do fato do presidente não ter mais a lealdade de figuras importantes que mobilizam as massas para ele.

O comportamento dos Insurgentes se alinha com aquele dos Patriotas, grupo identificado pela antropóloga Isabela Kalil. Segundo Kalil, o Patriota se alimenta mais por um imaginário de intervenção militar do que pela lógica anticorrupção. Eles representam a ala mais radical e antidemocrática e mais propensa a acreditar em teorias antissistema e conspiratórias.

No dia 12 de março, o presidente Bolsonaro desconvocou seus apoiadores a comparecerem às manifestações que estavam agendadas para o dia 15 devido ao avanço do COVID-19. Tal pronunciamento não agradou os Insurgentes, que demonstraram descontentamento nos grupos de WhatsApp, e junto com os seus seguidores decidiram ignorar o pedido de Bolsonaro e seguiram para as ruas. Tal descontentamento pode ser visto no Twitter com o compartilhamento de hashtags como #DesculpeJairMasEuVou.

Com o receio de perder o apoio de grupos como os Insurgentes e os Patriotas, Bolsonaro voltou a compartilhar conteúdo pró-manifestações – somente ontem, ao longo dos protestos, foram 42 postagens no Twitter – e fez uma breve participação em Brasília. No WhatsApp, os Insurgentes compartilharam fotos e áudios como provas da coragem e patriotismo deles.

Apesar dos atos não terem tido a adesão e êxito desejados, ficou claro que Bolsonaro não tem tanto controle dos seus apoiadores como se pensava. Os Insurgentes, assim como os Patriotas, cresceram sendo alimentados pelo discurso pró-militar, nacionalista, e anticorrupção de Bolsonaro. Atualmente, eles já têm "vida própria" e não estão mais à mercê das vontades do seu criador, e nem do coronavírus – as manifestações de ontem são um claro exemplo disso.

O perigo, para o presidente, é que assim como Frankenstein, que desencadeia uma campanha de vingança contra o seu criador, os Insurgentes e seus seguidores podem promover uma grande debandada da base leal a Bolsonaro, caso o presidente não atenda às reinvindicações deles, comprometendo assim seus planos para uma eventual reeleição.

* David Nemer é professor na Universidade da Virginia (EUA) e especialista em Antropologia da Tecnologia. Nemer é autor do livro "Favela Digital: O outro lado da tecnologia".

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Pesquisadores e estudiosos da nova direita e suas consequências em diversos campos: da sociologia à psicanálise, da política à comunicação.

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