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Apoio dos evangélicos explica resiliência de Bolsonaro

Entendendo Bolsonaro

01/07/2020 20h51

O presidente Jair Bolsonaro ao lado do bispo Edir Macedo (Crédito: Alan Santos/PR)

* Cesar Calejon

Por que, a despeito de todas as provas que foram apresentadas recentemente e relacionam a família Bolsonaro com diferentes tipos de práticas criminosas, o presidente da República – de acordo com pesquisa apresentada na semana passada pelo Datafolha – segue contando com o apoio político de um terço da população brasileira?

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No dia 24 de outubro de 2018, três dias antes do segundo turno das eleições para a Presidência da República, o Ibope apresentou uma pesquisa segundo a qual o aspecto mais significativo para explicar o sucesso de Bolsonaro talvez estivesse na religião.

Entre os católicos, Bolsonaro aparecia com 47%, contra 41% de Fernando Haddad. Entre os evangélicos, porém, a diferença foi muito maior: 59% a 27%, respectivamente.

Outra investigação também feita pelo instituto Datafolha, em dezembro de 2016, mostrou que três em cada dez brasileiros (29%) com 16 anos ou mais são evangélicos.

Segundo o último Censo do IBGE, o número de evangélicos no País cresceu 61% em dez anos. Havia, em 2010, 42.310.000 evangélicos no Brasil: 22,2% da população naquela data.

Em 2014, o Pew Research Institute realizou um estudo do panorama das crenças na América Latina, com amostragem em dezoito países da região, incluindo o Brasil.

"Grande parte do movimento (de migração) do catolicismo para o protestantismo na América Latina ocorreu no espaço de uma única vida. De fato, na maioria dos países pesquisados, pelo menos um terço dos atuais evangélicos foi criado na Igreja Católica – e metade diz que foi batizada como católicos […]", ressalta o texto que apresentou a investigação.

O estudo perguntou aos ex-católicos que se converteram evangélicos sobre as razões pelas quais eles assim escolheram. "Das oito possíveis explicações oferecidas na pesquisa, a mais citada foi a busca de uma conexão mais pessoal com Deus. Muitos ex-católicos também disseram que se tornaram evangélicos porque queriam um estilo diferente de adoração ou uma igreja que ajudasse mais os seus membros", acrescenta a publicação.

Ou seja, ao contrário do que sempre aconteceu no catolicismo, as lideranças evangélicas emergem do próprio povo, principalmente nas comunidades que são negligenciadas pelo poder público e se tornam mais carentes.

Com a introdução de uma lógica que promete a ascensão social por meio da recompensa e do esforço individual e que recorre à luta constante do "bem" contra o "mal", as igrejas neopentecostais inauguraram uma dinâmica da qual o candidato Bolsonaro foi um verdadeiro porta-voz.

No dia 4 de outubro de 2018, uma dessas lideranças que surgiu da população e não tinha nenhuma formação religiosa prévia, um pastor evangélico da cidade de Bertioga, localizada no litoral norte do Estado de São Paulo, usou a rede social Instagram para manifestar o seu apoio à candidatura de Bolsonaro.

Em uma foto na qual aparecia vestindo uma camiseta que trazia o nome do então candidato e a frase "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", o pastor publicou a legenda "O nosso Brasil mudou" para justificar o seu voto.

Quando questionado sobre os motivos que o levaram a adotar esta postura e como o Brasil teria mudado, o pastor respondeu que não apoiava "a incitação à violência e à discriminação, mas sentia uma forte identificação com a defesa dos valores da família tradicional", retórica que foi exaustivamente utilizada pela campanha de Bolsonaro. "Eu não vou perder o meu tempo lhe explicando muito, mas, se não for ele (Bolsonaro), quem nos resta? Estes comunistas?", indagou o pastor, assumindo um tom nitidamente mais irritado e agressivo.

A essa altura, investigar a resiliência de Bolsonaro nas pesquisas em meio a escândalos e à desistência de governar numa pandemia passa, antes de tudo, por compreender o seu papel na reorganização da estrutura social do País, como fiador de uma espécie de Doutrina Truman à brasileira, que submete a política a uma lógica fundamentalista, agora reformulada para um contexto pós-Guerra Fria.

Essa transformação está presente não somente nos âmbitos político e social coletivo (trabalho, clube, mercado etc.), mas no cerne das famílias e das relações afetivas das amizades mais próximas. Melhores amigos brigaram. Tios e sobrinhas discutiram. Pais e filhos se desentenderam aos gritos.

Foi um período muito conturbado para a sociedade brasileira em geral. Essa reestruturação, que aconteceu de forma mais acentuada entre 2016 e 2018, foi especialmente traumática por conta da intensidade de ambos os elementos que colidiram neste começo do século XXI no Brasil.

De um lado, o conservadorismo histórico que se aliou ao conservadorismo religioso e venceu as eleições em 2018. Do outro, a intensificação de tendências globais e inexoráveis, como a globalização, a ciência moderna e o feminismo (este último compreendido como a busca da igualdade total, considerando o tratamento destinado às pessoas de todos os gêneros).

Trata-se de um período na história brasileira quando as forças políticas e sociais que representam estes raciocínios antagônicos travaram um embate sobre a plataforma do descrédito do modelo de democracia representativa, que foi catalisado em muitas sociedades civis modernas do planeta por causa da Internet e do surgimento de um novo paradigma de comunicação (principalmente desde a popularização dos smartphones, entre 2010 e 2013), com redes sociais, aplicativos e novas estratégias de construção de narrativas.

Essas forças dogmáticas e conservadoras preferem terrenos mais ácidos, porque é sempre mais fácil avançar retóricas que negam fatos (como a ciência ou provas sólidas, por exemplo) e usam o medo ou os elitismos históricos quando as pessoas estão com raiva e existe a dimensão de um inimigo comum – neste caso o lulopetismo – responsável por todos os problemas.

Contudo, o funcionamento das sociedades civis em 2020 é bem mais elaborado e envolve um processo de coordenação de inúmeros aspectos, agentes e expectativas, além de uma complexa interação com o resto do mundo, com o qual este fundamentalismo tem pouquíssimo ou nada a contribuir

* Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (EACH-USP). É, também, autor do livro "A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI" (Lura Editorial).

* ERRATA: A versão original deste texto classificava a Igreja Universal do Reino de Deus como uma denominação pentecostal. O correto é neopentecostal. Pedimos desculpas pelo erro.

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Este é um blog coletivo que pretende contribuir, sob diversos olhares – da comunicação à psicanálise, da ciência política à sociologia, do direito à economia –, para explicar o fenômeno da nova política. O "Entendendo Bolsonaro" do título indica um referencial, mas não restringe o escopo analítico. Toda semana, pesquisadoras e pesquisadores serão convidados a trazer suas reflexões. O compromisso é com um conteúdo acadêmico traduzido para o público amplo, num tom sereno que favoreça o debate de ideias. Convidamos você a nos acompanhar e a interagir conosco.

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