"Privatizações de Guedes estão na contramão do mundo", diz economista
Entendendo Bolsonaro
12/07/2020 12h09
O ministro da Economia Paulo Guedes (Crédito: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
* Cesar Calejon
A emergência sanitária da Covid-19 despertou boa parte do mundo democrático para o papel insubstituível do Estado no atendimento aos mais vulneráveis e como elemento regulador da economia capitalista.
O governo brasileiro, entretanto, para além de ignorar concretamente a ameaça do vírus, despreza as suas lições, e segue amarrado a um fundamentalismo de mercado que, neste momento, retarda a recuperação do País.
No último domingo (5), Paulo Guedes, ministro da Economia e o oráculo da administração Bolsonaro para o setor, foi confrontado sobre a situação do desemprego no Brasil. "Três ou quatro grandes privatizações" foi a promessa de Guedes para atacar essa chaga nacional que perdura desde muito antes da pandemia.
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Para entender os detalhes do que nos espera na área econômica durante os próximos meses, o blog conversou com Alex Wilhans Antonio Palludeto, professor do Instituto de Economia (IE) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais (CERI).
"Em primeiro lugar, parece-me pouco provável que a equipe econômica do Ministério não esteja, desde logo, preocupada com o andamento das contas públicas. O que assistimos nas últimas semanas com relação aos debates e dificuldades no interior do governo (federal) quanto à implementação e à extensão dos programas de auxílio frente à pandemia revelam que o Ministério da Economia tem, sim, se preocupado com o tema e já tem sinalizado um ajuste fiscal para os próximos anos", afirma Palludeto.
"Ademais", prossegue o professor, "para além das medidas de auxílio já postas – bastante limitadas, a meu juízo – não vejo de que maneira o Ministério tem atacado 'frontalmente' o desemprego. As propostas de privatizações anunciadas certamente não contribuem para esse cenário, ainda que sejam colocadas pela equipe econômica como pré-condições indispensáveis para a retomada do crescimento econômico. Aliás, é importante destacar que, o que aqui agora se propõe, está na contramão do que temos assistido nas últimas décadas (em vários países do mundo): um processo de remunicipalização e renacionalização de diversos serviços (que haviam sido) anteriormente privatizados".
Segundo ele, esse processo de reestatização vem acontecendo, sobretudo, nos "países desenvolvidos" desde 2008.
"Diversas pesquisas recentes indicam que as principais razões para esse movimento de remunicipalização e renacionalização são: (1) o baixo investimento (das empresas privadas) e (2) a elevação das tarifas nos setores cujo provimento de serviços como saneamento básico foram privatizados. Curiosamente, o argumento da (atual) equipe econômica brasileira é, precisamente, de que as privatizações irão se refletir em maiores investimentos e menores tarifas", acrescenta o economista.
De acordo com ele, "os principais países que têm passado por esse processo são a Alemanha, França, Reino Unido, Espanha e Estados Unidos. Segundo dados do Transnational Institute, entre 2000 e 2019, observaram-se mais de 1400 remunicipalizações e renacionalizações no mundo, envolvendo cerca de 2400 cidades de 58 países, sobretudo na Europa e na América do Norte".
Desta forma, as propostas de Paulo Guedes, a despeito dos benefícios imediatos das privatizações, parecem ignorar esse processo observado em diversas nações do planeta.
"Além de saneamento básico, de modo geral, e fornecimento de água e tratamento de esgoto, de modo particular, setores como o de saúde básica, fornecimento de energia e educação básica foram os de maior destaque na maioria dos casos", ressalta o professor.
Palludeto pontou, ainda, a fragilidade da narrativa que, desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff, se estabeleceu como hegemônica no debate nacional.
"Nesse discurso (liberal) há a identificação do orçamento público com o orçamento doméstico, de uma família, como se as limitações financeiras que nós enfrentamos, como indivíduos, fossem as mesmas que o Estado enfrenta. Na verdade, a própria atuação recente do governo federal diante da pandemia tem demonstrado, na prática, que o governo não estava 'sem dinheiro'", pondera o economista.
Além disso, para ele, "a necessidade de atuação imediata e em larga escala comprovou, à exaustão, que é equivocada a narrativa de que os países têm carência de recursos financeiros em moeda doméstica para executar os objetivos que a sociedade pode vir a estabelecer. Isso ficou também evidente no caso brasileiro. Ainda que, nos termos da equipe econômica de Guedes, seja esperado que a 'austeridade fiscal' venha a ser recolocada como prioridade na agenda econômica tão logo passado o pior da pandemia", complementa.
Ainda segundo o economista, "é preciso considerar que o governo (federal) demonstrou uma inabilidade patente quanto ao seu relacionamento com o Congresso (Nacinonal), gerando instabilidades diversas que têm até mesmo afetado o próprio encaminhamento das propostas do (Poder) Executivo. Por outro lado, também é fato que as propostas encaminhadas estão muito aquém das necessárias, quando não estão na contramão do que é preciso fazer, como já mencionado".
Quanto à reforma tributária, especificamente, ele acredita que é necessário ter em conta a complexidade do sistema atual, as relações entre os entes federativos (estados e municípios) e, principalmente, a "regressividade do atual sistema tributário, que não contribui fortemente para a redução das desigualdades. Nesse caso, não vejo que a atual proposta ataque de frente, verdadeiramente, essas questões".
Para endereçar a questão distributiva de forma mais efetiva, Palludeto afirma que é necessário, fundamentalmente, uma revisão das faixas do Imposto de Renda, ampliando a progressividade tributária e conferindo maior peso aos impostos diretos sobre a renda e patrimônio.
"Desse modo, abre-se espaço para a redução dos impostos que recaem, sobretudo, nas camadas mais pobres da população, via consumo. Nesse sentido, a tributação de lucros e dividendos vai na direção correta, mas ainda estamos muito aquém de uma mudança estrutural nessa direção", complementa o professor.
Ou seja, ainda que exista uma grande carência de saneamento e outros setores de infraestrutura no Brasil, Palludeto crê que é pouco provável que o atendimento dessas necessidades seja feito pela iniciativa privada.
"Esses são setores que exigem altos investimentos, no longo prazo, de modo que são raros os casos em que a iniciativa privada, sem o apoio fundamental do setor público, foi capaz de desenvolvê-los. (…) Assim, corre-se o alto risco de que privatizações nesses setores, por exemplo, se concentrem nas áreas já mais bem servidas por esses serviços, deixando de lado as regiões mais pobres e necessitadas (do Brasil)", conclui o economista.
* Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (EACH-USP). É, também, autor do livro "A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI" (Lura Editorial).
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