Ciro: “Bolsonaro é responsável pela maior tragédia de nossa história”
Entendendo Bolsonaro
21/08/2020 13h31
"Estas negociatas vão nos jogar no pior buraco da história (…). Estão saqueando o país." (Crédito: Pedro Ladeira/Folhapress)
* Cesar Calejon
Com o mês de julho registrando novo recorde histórico de mortes no país, a pandemia no Brasil segue sem dar grandes sinais de controle, enquanto que o governo federal, para além do boicote às medidas sanitárias de contenção da doença, desperdiça recursos destinados à luta contra a covid.
Para refletir sobre o cenário brasileiro em suas diversas vertentes de resposta à pandemia, o blog conversou com Ciro Gomes. Ex-candidato à Presidência por duas vezes, Ciro, que é vice-presidente do PDT, acumula uma larga trajetória na vida pública nacional. Ele já foi ministro da Fazenda (Itamar), ministro da Integração Nacional (Lula), deputado federal pelo Ceará, além de governador do mesmo estado e prefeito de Fortaleza.
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Nos últimos anos, Ciro Gomes vem tentando se firmar como a principal liderança progressista brasileira, disputando espaço com o campo petista na oposição de esquerda ao governo Bolsonaro. Em conversa com o blog, ele disse que, na pandemia, o bolsonarismo tornou-se responsável pela "maior tragédia de nossa história". O ex-presidenciável também apontou a gravidade da situação econômica brasileira, cuja solução, para ele, passa por abandonar a agenda neoliberal em prol de um novo projeto industrial para o país.
"Minhas respostas não devem ser vistas como discurso oposicionista", diz Ciro, "mas como uma ilustração dos fatos e números que temos até aqui. A gestão bolsonarista da pandemia tem sido a pior do mundo. A pandemia levou três meses a mais do que na China e dois meses a mais do que na Europa para chegar aqui. Num primeiro momento, o que cabia ao governo fazer era controlar a entrada no país, entrar em acordo com a China em busca de reagentes para testagem em massa e comprar respiradores. Ao invés disso, (a administração Bolsonaro) alinhou-se ao Trump e declarou guerra diplomática à China", introduz Gomes.
"Num segundo momento", prossegue ele, "o que cabia ao governo, com o começo da transmissão comunitária do vírus, era promover rígidas quarentenas de vinte dias para controlar a doença no Brasil. Ao invés disso, (Bolsonaro) se lançou numa cruzada contra o isolamento social e desinformou a população sobre a doença, que chamou de 'gripezinha', inclusive, receitando como mágico um remédio rejeitado pela comunidade científica nacional e internacional".
De acordo com Ciro Gomes, enquanto o governo de Milão (Itália) pedia perdão pela campanha "Milão não para", o governo brasileiro lançou uma campanha idêntica no Brasil.
"Isso gerou a maior tragédia de nossa história, mas o bolsonarismo não parou neste ponto. (O governo) deveria ter apressado o auxílio às pessoas, para ficarem em casa, e às microempresas, para que elas sobrevivessem. Ao invés disso, lutou contra o auxílio para a população, que foi dado pelo Congresso (Nacional), e até hoje, o prometido crédito para microempresas não chegou a grande parte delas", acrescenta o ex-ministro.
Ainda segundo ele, "tudo isso se reflete em números frios e terríveis. Enquanto o Brasil tem 208 milhões de habitantes, a China tem 1 bilhão e 400 milhões. A pandemia começou lá, três meses antes de chegar ao Brasil. Pois bem, na China morreram cerca de cinco mil pessoas de covid-19. No Brasil, hoje, passamos de 105 mil (os números atualizados dessa sexta, 21, já superam as 112 mil mortes). (…) Para quem não acredita nos números da China, nos compare com a Alemanha ou com a nossa vizinha Argentina".
Em toda a América do Sul, que sem o Brasil possui 10 milhões de habitantes a mais do que o nosso país, morreu um número significativamente menor de pessoas por conta da pandemia, efetivamente.
"Este erro na política de saúde destruiu o nosso Produto Interno Bruto (PIB). Os países que fizeram isolamento radical no começo e seguiram as diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da ciência estimam um impacto negativo no PIB de 3% esse ano. O próprio governo brasileiro está estimando um impacto de menos 8%. A pior recessão de nossa história. O que o Brasil tem de diferente dos outros países? O governo Bolsonaro. O pior governo do mundo e o pior governo brasileiro de todos os tempos", ressalta Ciro.
Para o candidato do PDT à Presidência da República em 2018, as políticas propostas e adotadas por Paulo Guedes agudizam a crise econômica que está se estabelecendo no Brasil.
"Tudo o que está acontecendo eu previ que aconteceria. Como eu não sou profeta nem vidente, estava na hora de os economistas que têm espaço na grande mídia considerarem a hipótese de eu estar avaliando os dados com base em uma visão da realidade econômica. O problema não é o (Paulo) Guedes. O problema é o neoliberalismo. O neoliberalismo nos trouxe ao pior momento econômico de nossa história. Isso não pode ser atribuído à pandemia, pois estamos nos desindustrializando e destruindo nossa balança de pagamentos desde o governo (Fernando) Collor, com a única exceção do governo Itamar (Franco). Esse processo se agudizou com a ida de Joaquim Levy para o governo Dilma (Rousseff) e passou pela aprovação do Teto de Gastos, pela gestão de (Henrique) Meirelles e agora, com Guedes, tem o seu pior momento", afirma Gomes.
Ele defende que o centro da destruição da política neoliberal está no saque das contas públicas para o financiamento do rentismo e na destruição da capacidade de investimento do Estado. "Guedes sofisticou isso baixando a Selic ao menor nível da história, ao mesmo tempo que transferiu o grosso do pagamento de juros para as operações compromissadas. Enquanto isso, o investimento público é o menor da história em nome do Teto de Gastos."
"No financiamento da crise da pandemia, outro desastre. Pois, como o neoliberalismo é menos uma teoria econômica e mais um manual de concentração de renda, prega na prática menos impostos para os ricos e mais impostos para os pobres. Guedes não cogita, em nenhum momento, financiar parte dos gastos extraordinários que são necessários esse ano com impostos para o andar de cima", acrescenta o ex-ministro, que como resultado desta postura aponta "a maior falência das contas públicas da história brasileira".
"Fui criticado por alguns economistas por lembrar que a dívida pública vai se aproximar pela primeira vez de 100% do PIB e o déficit público primário vai ser de 930 bilhões de reais neste ano: oito vezes o maior da história. O curioso é que esses mesmos economistas diziam, em 2014, que o país estava quebrado por causa de um déficit primário de 17 bilhões. Não quero que me confundam, não estou fazendo demagogia. É claro que esse ano o déficit tem que aumentar, e muito. Estamos vivendo numa pandemia e temos que pagar para as empresas sobreviverem e as pessoas que puderem ficar em casa. Mas esse governo não pensou em nenhum momento em como financiar parte desse déficit para controlar a explosão da dívida, porque, evidentemente, essa conta teria que ser paga pelos ricos, no país mais desigual do mundo", propõe Gomes.
Além de tudo isso, Ciro Gomes aponta que Paulo Guedes está preparando a devastação do patrimônio estatal pelos menores valores possíveis. "Esse é o pior momento para privatizar qualquer coisa e estão privatizando estatais que dão lucro, portanto, que ajudam a financiar o Estado. Estas negociatas vão nos jogar no pior buraco da história. Ainda não tivemos apurado o escândalo da Itaipu Binacional, que levou à abertura do processo de impeachment contra o presidente paraguaio. Principalmente, não apuramos ainda a venda, sem licitação, de R$ 3 bilhões de créditos do Banco do Brasil a receber por somente R$ 300 milhões para o BTG, banco fundado pelo próprio ministro Paulo Guedes. Estão saqueando o país", alerta.
"Já o crédito às microempresas simplesmente não chegou", prossegue Ciro. "Essa demora, como revelou Guedes na vergonhosa reunião ministerial, era uma política de Estado de destruição das pequenas empresas para a manutenção das grandes. Todas essas insanidades nos levaram, nesses dois anos, ao recorde de evasão de capital da história do Brasil. O capital estrangeiro que, segundo os neoliberais, financiaria o nosso desenvolvimento, está fugindo em massa do país", afirma o ex-governador.
A resposta do governo Bolsonaro a esse quadro apocalíptico, segundo ele, está passando pelo mesmo remédio que matou o Brasil. "Mais aplicação do teto em investimentos, mais reformas para cortar direitos. A reforma administrativa é a nova panaceia deles. Como eu disse da reforma da Previdência, não terá impacto nenhum na economia, o pagamento de salários de servidores tem impacto relativamente reduzido no orçamento, os direitos adquiridos têm que ser respeitados e qualquer impacto residual no orçamento seria de longuíssimo prazo. O neoliberalismo é a cloroquina da economia. Não controla o vírus e vai nos matar de infarto", compara o político.
Por fim, caso tivesse sido eleito presidente do Brasil em 2018, Ciro Gomes afirma que teria seguido "o conhecimento científico no combate à pandemia. Nesse momento, manteria a suspensão da abertura de shows, bares e restaurantes, escolas e universidades, e investiria pesado no desenvolvimento de uma vacina e em conseguir reagentes para aumentar a testagem no Brasil".
"Economicamente, implantaria o imposto sobre lucros e dividendos empresariais (o Brasil é o único país que não cobra), recriaria a alíquota de 35% do imposto de renda, que cobrei com o Itamar (Franco), e aumentaria o imposto sobre heranças. Abriria investigação imediata sobre as operações compromissadas e diminuiria sua remuneração. Cortaria 20% por igual de todas as desonerações do governo de saída antes de analisar caso por caso", reflete Ciro.
"Todas essas medidas preparariam um orçamento equilibrado já em 2021. Contudo, o principal seria tirar o investimento público do limite do Teto de Gastos, retomando milhares de obras paradas e já licitadas por todo território nacional. Para restaurar a saúde financeira das empresas, um grande plano de refinanciamento nacional, e das famílias, meu plano de refinanciar as dívidas que levaram mais de sessenta milhões de cidadãs e cidadãos ao Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Essas seriam as medidas de curto e médio prazo que equilibrariam as contas, retomariam o esforço de desenvolvimento e preparariam a celebração de um novo projeto industrial para o Brasil", conclui Ciro Gomes.
* Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (EACH-USP). É, também, autor do livro "A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI" (Lura Editorial).
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