Trump vence no BID graças a Itamaraty acéfalo
Entendendo Bolsonaro
14/09/2020 14h50
Indicado por Donald Trump, Mauricio Claver-Carone, advogado e funcionário público americano, foi eleito presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no último sábado (12)
* Vinícius Rodrigues Vieira
Apoiado pelo Brasil de Jair Bolsonaro, o candidato de Donald Trump à presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o estadunidense Mauricio Claver-Carone venceu no último sábado as eleições para comandar a instituição. Rompeu-se, assim, uma tradição que já perdurava desde a fundação do BID, em 1959: contando com quase um terço de capital estadunidense, o banco seria, numa concessão aos aliados de Washington, sempre comandado por um cidadão de um país latino-americano. O que ganhamos com isso?
Claver-Carone prometeu a integrantes do governo brasileiro lançar para a América Latina um Plano Marshall —alusão ao conjunto de projetos bancados pelos Estados Unidos (EUA) para reconstruir a Europa Ocidental após a Segunda Guerra Mundial. Talvez Bolsonaro e seu chanceler Ernesto Araújo não saibam, mas, em sua concepção original, o BID era uma forma de compensar a América Latina pela ausência à mesma época de um grande programa de desenvolvimento regional, apoiado por Washington.
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Mais que uma concessão do nosso "grande irmão" do Norte, o BID foi a resposta do então presidente estadunidense Dwight Eisenhower à proposta de seu colega brasileiro Juscelino Kubistchek, em 1958, de os EUA lançarem uma Operação Pan-Americana, para combater a miséria na América Latina e, assim, amenizar a imagem negativa daquele país na região.
Ou seja, há seis décadas esperamos um Plano Marshall para a América Latina. Ele não veio quando, na percepção de Washington, o espectro do comunismo rondava o hemisfério ocidental no pico da Guerra Fria. Afinal, apoiar golpes de Estado, como o que deu origem à nossa ditadura militar, em 1964, era uma opção menos custosa à época.
Na visão de Bolsonaro e simpatizantes, hoje é o espectro do "comunismo" chinês que ronda a região e que, segundo os afeitos a teorias conspiratórias, teria provocado a pandemia. Porém, mesmo assim, pouco provavelmente teremos investimento estadunidense em massa, via BID, para nos recuperarmos economicamente no pós-covid. Ainda que Trump não seja reeleito em novembro, os EUA estarão focados em recuperar sua economia e, em caso de vitória do democrata Joe Biden, buscarão reconstruir pontes com a Europa, região mais crucial para conter a ascensão de Pequim.
Assim, a eleição de Claver-Carone é apenas mais um exemplo da submissão do Brasil aos EUA desde que Bolsonaro assumiu a presidência. Cabe destacar que, do ponto de vista de um governo assumidamente de direita, como é o caso da administração Bolsonaro, faria todo sentido aliar-se aos estadunidenses para ter um candidato conjunto ao BID. Isso porque Argentina e Mexico — os dois outros grandes países latino-americanos além do Brasil — estão sob governos à esquerda e procuraram adiar a eleição com o apoio de países europeus que, embora não possam tomar empréstimos do BID, contribuem para o banco.
Ademais, a China tornou-se tão poderosa na América Latina, financiando projetos e concedendo empréstimos, que se torna óbvio sob a lógica realista das relações internacionais que Brasil e EUA — os dois gigantes do hemisfério ocidental — se unam para conter a influência da principal potência emergente. Conforme sugeri acima, oferta de crédito para o desenvolvimento é uma das estratégias mais eficazes no pós-guerra de formação de alianças políticas.
Entretanto, o que não se encaixa neste quebra-cabeça geopolítico é o fato de o Brasil ter aceitado um candidato americano enquanto poderia ter barganhado a posição com Trump. Depois de, sob governos de esquerda, termos virado periferia chinesa, exportando produtos primários e, assim, fortalecendo domesticamente setores conservadores — como é o caso daqueles associados ao agronegócio —, cabia, sim, uma reaproximação com Washington para contrabalancear a influência de Pequim na América Latina.
Mas Bolsonaro faz uma política externa pior que a do PT ao sugerir que temos de escolher entre dois senhores — China ou EUA —, enquanto o Brasil tem todas as condições de ser senhor de si mesmo. Como diz o ditado, quando a cabeça não pensa, o corpo padece. O Planalto e o Itamaraty estão acéfalos, e o Brasil, na antessala da UTI para tratar, com chances reduzidas de sucesso, sua crise político-econômica.
* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em Relações Internacionais por Oxford e professor na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e na pós-graduação da FGV
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