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Política externa de Bolsonaro é 'Brazil Last, America First'

Entendendo Bolsonaro

21/10/2020 09h49

O presidente Jair Bolsonaro, ao lado de Robert O'Brien, conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, durante cerimônia em Brasília (Crédito: Pedro Ladeira/Folhapress)

Vinícius Rodrigues Vieira 

A duas semanas das eleições americanas, o presidente Donald Trump recebe um presente e tanto de seu colega brasileiro, Jair Bolsonaro. Ao assinar um pacote de acordos bilaterais entre Brasil e EUA na última terça (20), Bolsonaro dá a Trump a chance de mostrar aos eleitores indecisos que Washington não está sozinha em sua cruzada anti-Pequim e ainda é capaz de fomentar as exportações americanas na melhor lógica 'America First'.

O que recebemos em troca? Mais um atestado de que a submissão do atual governo à Casa Branca não tem limites.
Sem exagero algum, 'Brazil Last, America First' podia ser o lema oficial da política externa do governo Bolsonaro. Ou, para imitar o "amigo" Trump, que fez de 'Make America Great Again' a sigla MAGA, o presidente brasileiro é 'BLAF'.

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Soa como blefe – fingimento, simulação, ardil, enfim, tudo aquilo que o populismo de direita representa. De fato, quando achamos que nada mais falta a Bolsonaro em termos de subserviência e incompetência na política externa, deparamo-nos com uma novidade. É tal como a corrupção no Brasil: sempre surge alguma situação insólita, para não dizer trágica, tal como foi o caso do dinheiro encontrado pela Polícia Federal (PF) nas nádegas do ex-vice-líder do governo no Senado, Chico Rodrigues (DEM-RR).

Depois de bem higienizadas, as cédulas sob a guarda de Rodrigues podem ainda servir para algo. Já os recentes acordos Brasil-EUA apenas nos humilham perante a comunidade internacional. Do ponto de vista da prudência que deve guiar as boas decisões diplomáticas, já seria um absurdo assinar quaisquer acordos com um país que pode mudar de liderança dentro de duas semanas.

Caso Trump perca a reeleição para o democrata Joe Biden, o Brasil deve enfrentar num primeiro momento forte oposição do novo governo. Se Trump permanecer na presidência, perdemos a oportunidade de reivindicar junto aos americanos o fim de barreiras a nossos produtos nos EUA: já cedemos demais nos últimos anos. Por que o "amigo" de Bolsonaro viria a fazer concessões de fato ao Brasil num eventual segundo mandato?

Assim, é inevitável concluir que Bolsonaro apenas quis dar, às nossas custas, uma mão amiga a Trump, que pretende apelar aos poucos indecisos na eleição. O mandatário americano pretende compensar suas negligências em política interna, relacionadas ao caos com que lidou com a pandemia, com conquistas relevantes nas relações exteriores.

Na Ásia, o quad – quarteto formado por EUA, Austrália, Índia e Japão com o objetivo de conter militarmente a China – está mais forte do que nunca, com amplos exercícios militares em conjunto. No Oriente Médio, Bahrein e Emirados Árabes Unidos acabaram de reconhecer Israel com a mediação de Washington.

Em todos esses casos, os benefícios para os lados envolvidos são claros. Na dita parceria estratégica Brasil-EUA, somos como o senador Rodrigues perante a PF: achamos que estamos assegurando o acesso a uma bolada, enquanto, na verdade, passamos vergonha.

O tal pacote de 1 bilhão de dólares vai financiar a compra de produtos americanos – não são investimentos sobre os quais teremos controle direto nem compartilhamento de tecnologia, algo que poderíamos barganhar com os chineses e, aliás, não fizemos mesmo nos governos petistas. Com ou sem o 5G da China, estamos sujeitos a espionagem de qualquer outro país. Basta reagir com um artigo em falta no governo atual: inteligência.

Ademais, o que foi divulgado acerca do acordo de facilitação de comércio é tão genérico que se torna impossível identificar algum ganho, tal como em situações anteriores de subserviência – notadamente a promessa de apoio ao ingresso na OCDE (conforme discutido no blog há pouco mais de um ano), o "clube" dos países ricos, cuja admissão de novos membros pode ser vetada pelos europeus, que se opõem veementemente a Bolsonaro.

Os acordos e a visita da delegação dos EUA são para americano ver e para, eventualmente, dar uma segunda chance a um governo que, sem qualquer cerimônia, carrega nas costas mais de 200 mil mortos por aquilo que Bolsonaro já chamou de "gripezinha". Enquanto isso, o Brasil parou de exportar alumínio para o mercado estadunidense por conta da elevação dos impostos.

Até quando vamos tolerar o blefe – ou, melhor dizendo, a política externa BLAF? Se patriotas fossem, integrantes de dois grandes pilares do governo Bolsonaro – altas patentes das Forças Armadas e o agronegócio – já teriam abandonado a nau da vergonha que é a atual política externa. Que a História lhes cobre a devida conta de terem agido ativamente para alçar um "mau militar", na definição de Ernesto Geisel, a chefe de Estado.

Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em Relações Internacionais por Oxford e professor na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e na pós-graduação da FGV


Este é um blog coletivo que pretende contribuir, sob diversos olhares – da comunicação à psicanálise, da ciência política à sociologia, do direito à economia –, para explicar o fenômeno da nova política. O "Entendendo Bolsonaro" do título indica um referencial, mas não restringe o escopo analítico. Toda semana, pesquisadoras e pesquisadores serão convidados a trazer suas reflexões. O compromisso é com um conteúdo acadêmico traduzido para o público amplo, num tom sereno que favoreça o debate de ideias. Convidamos você a nos acompanhar e a interagir conosco.

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