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Entendendo Bolsonaro

"Bolsonaristas fazem teatro por prisão após 2ª instância", diz historiador

Entendendo Bolsonaro

17/10/2019 11h24

(Crédito: Reuters)

[RESUMO] Para avançar sua agenda autoritária e atiçar suas bases, bolsonarismo espera "fato novo" com eventual revisão da prisão após segunda instância pelo STF (Supremo Tribunal Federal). A decisão em benefício de Lula e de condenados pela Lava Jato é tudo de que precisam o presidente e seu entorno para reafirmarem o discurso "contra o sistema", ou, em outras palavras, contra as instituições democráticas do país.

*Murilo Cleto

A partir de hoje (17), o Supremo Tribunal Federal volta a discutir a viabilidade da prisão após o esgotamento de recursos interpostos por um condenado em segunda instância.

Em 2009, quando se dedicou pela primeira vez ao tema, a Corte entendeu que a privação de liberdade só se daria depois do trânsito em julgado, prevalecendo o princípio da presunção de inocência. Há três anos, no entanto, no auge da crise política que ainda hoje assola o país, o ministros voltaram atrás.

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A tendência é que a disputa seja acirrada: os ministros Barroso e Fux, por exemplo, consideram uma nova revisão um retrocesso no combate à corrupção; Lewandowski e Marco Aurélio Mello tratam-na como necessária para garantia de direitos fundamentais do acusado.

É possível que o presidente da Corte, Dias Toffoli, seja obrigado a desempatar com um voto de minerva – ele defende uma tese intermediária de prisão após condenação pelo STJ, uma espécie de terceira instância.

Seja como for, o núcleo duro do bolsonarismo está a todo vapor nas redes sociais. Do blogueiro Allan dos Santos ao general Villas Bôas – este último, também assessor do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República – a pressão sobre os ministros do STF aumentou nos últimos dias.

Entre os articulistas da autoproclamada "mídia independente" – "independente da verdade", para citar o teórico do Direito Horacio Neiva –, a ameaça é de golpe. Golpe mesmo, com menção ao AI-5 e tudo.

Mas a pressão bolsonarista por prisão após segunda instância é só teatro. É claro que trata-se de um estrato consideravelmente punitivista da sociedade brasileira, sedento por mais encarceramento e, especialmente, pela anulação política e social do ex-presidente Lula – paciente indireto das ADCs avaliadas agora pelo Supremo.

Mas o núcleo duro do bolsonarismo é muito mais do que isso. Ele é sobretudo um esforço para tensionar as relações do Planalto com as demais instituições, frequentemente desmoralizando-as para o avanço desenfreado da sua agenda autoritária. Porque é assim que as democracias morrem hoje – e não como no AI-5 de 1968.

Nos atos pró-governo dos últimos meses, o STF foi um dos alvos preferenciais. Mas havia pouco para reclamar da Corte. Pelo contrário: o ministro Dias Toffoli, um dos alvos preferidos do bolsonarismo durante as eleições, se engajou numa aliança entre os poderes e chegou a decidir em favor da família Bolsonaro no caso Queiroz.

O presidente se viu obrigado a recuar e abrir mão da tão reivindicada "Lava Toga". Recentemente, o escritor Olavo de Carvalho chegou a dizer que o grande inimigo da direita no Brasil não é a corrupção, mas sim o Foro de São Paulo. Não é fácil ser antiestablishment no governo.

A revisão do entendimento pela prisão após segunda instância pode gerar o fato novo de que o bolsonarismo tanto precisa para, de um lado, manter vivo o tão necessário espectro do petismo e, de outro, atiçar as bases para novas campanhas contra os ministros do Supremo.

Dessa forma os bolsonaristas podem continuar brincando de antiestablishment enquanto os bons resultados não aparecem na economia – e em lugar nenhum.

Que a pressão não gere nem efeito sobre a Corte nem um novo AI-5, não tem tanto problema. A questão é performar para pelo menos acuar os demais poderes e colocar o golpe no horizonte de expectativas. O que vier a partir disso é lucro – certamente não para a democracia brasileira.

*Murilo Cleto
é historiador, especialista em História Cultural e mestre em Cultura e Sociedade. É também pesquisador das novas direitas, professor, escritor e palestrante.

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