Na Índia nacionalista, Bolsonaro opta por menos ideologia
Vinícius Rodrigues Vieira*
Resumo O presidente Jair Bolsonaro demonstra, com sua visita à Índia, que sua política externa tornou-se menos ideológica e mais pragmática. Porém, tal pragmatismo é limitado pelo alinhamento aos EUA de Trump e, portanto, à visão que o bolsonarismo tem da identidade internacional brasileira, além do caráter nacionalista desse movimento, que permite explorar parcerias pragmáticas com regimes igualmente nacionalistas como o do primeiro-ministro indiano Narendra Modi, que enfatiza a dimensão Hindu na formação da Índia moderna.
Depois de um primeiro ano de diplomacia errante, o presidente Jair Bolsonaro parece ter atingido um equilíbrio entre interesses de governo e objetivos de longo prazo em sua visita à Índia, onde foi recebido pelo primeiro-ministro Narendra Modi como convidado de honra nas celebrações de 70 anos da república e da Constituição no país asiático e assinou 15 acordos de cooperação.
Isso porque Bolsonaro—que busca construir um "nacionalismo cristão", ressaltando as raízes religiosas (e ocidentais) do conservadorismo brasileiro—seguiu junto à Modi—um nacionalista Hindu, que privilegia essa matriz cultural-religiosa na formação da Índia moderna—a mesma abordagem da visita ao presidente chinês Xi Jinping, em outubro de 2019.
Em suma, tal como na China, Bolsonaro buscou na Índia atrair investimentos ao Brasil e negociou assuntos de interesse de nossos exportadores—notadamente no setor sucroalcooleiro e de armas—sem fazer concessões desproporcionais, tal como ocorreu ao longo do ano passado com os Estados Unidos de Donald Trump. Por exemplo, a isenção de vistos a chineses e indianos –antes anunciada com alarde—agora deve passar por estudos mais detalhados.
O pragmatismo de Bolsonaro, porém, é limitado. As fronteiras do Bolsonarismo em política externa são dadas pelo projeto de fazer do Brasil uma nação essencialmente cristã (quiçá de origem judaica) e ocidental—algo que jamais fomos, seja na composição étnico-religiosa, seja aos olhos da sociedade internacional.
Tais limites implicam em negociar em pé de igualdade apenas com países que também tem líderes nacionalistas—Xi e Modi são exemplos desse grupo, cada um a seu modo—, enquanto se subordina a chefes de Estado que lideram países que estariam no centro da matriz civilizacional que nos inspira e ignora aqueles defensores do dito "globalismo"—ou seja, de uma abordagem cosmopolita nas relações internacionais.
Assim, não espere um Bolsonaro pragmático estender a mão a Angela Merkel, chanceler alemã, ou Emmanuel Macron, presidente francês, por mais que o Brasil possa se beneficiar de uma relação amistosa com os países desses líderes. Tampouco veremos nosso presidente jogando duro com Donald Trump e Vladmir Putin, não porque ambos lideram potências nucleares, mas sobretudo pelo fato de Estados Unidos e Rússia serem, na visão do chanceler Ernesto Araújo, os baluartes da civilização judaico-cristã, representantes máximos das correntes protestante e ortodoxa, enquanto ao Brasil caberia representar o subuniverso católico da cristandade.
De fato, quando se trata de política externa, Bolsonaro ainda tem muito a aprender com Modi. Afinal, conforme já salientei neste blog, o líder indiano é capaz de manter boas relações com antípodas ideológicos no cenário internacional, como Arábia Saudita e Irã, por exemplo.
Modi consegue tal proeza porque manteve os princípios que guiam a política externa indiana desde os anos 1950: a defesa da soberania e, portanto, do direito de manter boas relações com quaisquer outros países independentemente de sua política interna. Em Nova Delhi, a regra é "Índia First", não importam os meios.
Desde os anos 1990, um ingrediente adicionou-se a essa receita: a busca por soluções via organismos multilaterais, não de maneira obstrutiva, mas propondo soluções, tal como ocorreu na Organização Mundial do Comércio (OMC) nos anos 2000. Ao lado do Brasil, a Índia liderou o chamado G-20 Agrícola, que expôs a hipocrisia do mundo desenvolvido, que subsidia sua agricultura e demanda abertura econômica das nações em desenvolvimento.
O bolsonarismo, por sua vez, parece equiparar o multilateralismo ao dito "globalismo" e, portanto, a uma abordagem cosmopolita em política externa. O fato de apoiarmos uma ação para tentar destravar a solução de disputas na OMC sinalizaria alguma mudança mais profunda nas relações internacionais sob Bolsonaro se não fosse um detalhe: as negociações são apoiadas por Trump, levantando, assim, a suspeita de que o nosso nacionalismo e, portanto, pragmatismo em política externa é "Brazil first" desde que não contradiga o "América first".
*Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Oxford, professor da Faap e da pós-graduação na FGV.
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