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Entendendo Bolsonaro

Bolsonaro deve ser julgado em tribunal internacional, dizem juristas

Entendendo Bolsonaro

21/04/2020 11h05

Ao participar de ato em defesa da ditadura no último domingo (19), Bolsonaro cometeu mais uma série de crimes (Sérgio Lima/Poder360)

* Cesar Calejon

A paralisia do Estado brasileiro para tomar providências diante da série de crimes de responsabilidade e crimes comuns cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro ao longo da pandemia levou juristas a pensarem em alternativas.

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O blog conversou com Nuredin Ahmad Allan, advogado e membro da Executiva Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), e Ricardo Franco Pinto, advogado escolhido pela ABJD para conduzir uma denúncia contra Bolsonaro ao Tribunal Penal Internacional (TPI).

A ABJD pretende responsabilizar o presidente brasileiro pela "prática de crime contra a humanidade que vitima a população brasileira diante da pandemia de Coronavírus". Esta é a segunda representação contra Bolsonaro junto ao TPI, já que, em novembro de 2019, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns o denunciou por "crimes contra a humanidade" e "incitação ao genocídio de povos indígenas".

Para os dois advogados, a medida é necessária uma vez que o Estado brasileiro, na figura do procurador-geral da República, se recusa a dar prosseguimento a um processo de responsabilização política ou criminal do presidente.

"Na época da propositura da representação (contra Bolsonaro junto ao TPI), algumas subprocuradorias regionais do Ministério Público encaminharam ao Augusto Aras, o procurador-geral da República e basicamente a única pessoa que pode dar andamento a notícia de crime contra o Jair Bolsonaro, um simples memorando solicitando que fosse recomendada ao presidente a adoção de uma política e de discurso, sobretudo para a população, de não negacionismo e que atendesse às orientações e protocolos que estão sendo adotados em todo o mundo. Tudo isso foi sumariamente ignorado pelo Aras", conta o advogado Nuredin Ahmad Allan.

De acordo com ele, este ponto é nevrálgico para a questão, porque, para ser levado ao TPI, determinado tema deve ter sido exaurido dentro do sistema legal local. "De acordo com o regramento do Tribunal, do Estatuto de Roma, a matéria deve ter sido esgotada no âmbito daquele território, daquele estado-membro. (…) Nós entendemos que se o procurador-geral da República tenta blindar o presidente a tal ponto de sequer encaminhar um memorado que pede a recomendação de conduta, muito mais (custaria) o acionamento concreto e judicial com relação à prática de crime", diz o advogado membro da ABJD.

"Não haverá a possibilidade de Bolsonaro ser indiciado no Brasil pelo cometimento destes delitos. Entende-se que há efetivamente a prática de crime por parte dele. No nosso caso, há dois tipos penais, que – de acordo com o Estatuto de Roma – são crimes contra a humanidade e por isso nós encaminhamos a representação ao TPI", prossegue Ahmad Allan.

Segundo a ABJD, Bolsonaro deve ser enquadrado no crime de epidemia, previsto no art. 267, do Código Penal Brasileiro, e na Lei nº 8.072/1990, que dispõe sobre crimes hediondos. Bem como por infringir medida sanitária preventiva, conforme art. 268, também do Código Penal.

Além disso, o presidente estaria infringindo a Lei nº 13.979, que trata especificamente da emergência da Covid-19, e a Portaria Interministerial nº 05, que determina, em seus artigos três e quatro, que o descumprimento das medidas de isolamento e quarentena, bem como a resistência a se submeter a exames médicos, testes laboratoriais e tratamentos médicos específicos, acarreta punição com base nos artigos 268 e 330, do Código Penal.

"Esses crimes são de difícil enquadramento e isso é absolutamente natural nestas situações, salvo em situações de guerra aberta, porque eles lidam com chefes de Estado ou líderes militares, por exemplo. Gente que tem muito poder. Contudo, há uma construção bem racional neste caso, que foi feita com muita precisão e maestria pelo Ricardo Franco Pinto para que a gente consiga demonstrar este nexo de causalidade entre as ações dele (Bolsonaro) e a consequência sobre a população mais idosa e vulnerável (à crise de Covid-19)", complementa Ahmad Allan.

Para o advogado Ricardo Franco Pinto, que tem o reconhecimento do TPI para advogar no Tribunal (List of Counsel), a solicitação de Augusto Aras ao STF (Supremo Tribunal Federal) para a abertura de inquérito que pretende investigar as manifestações do último domingo é uma "cortina de fumaça". "Serve para desviar a atenção com relação ao que o Bolsonaro está fazendo durante a pandemia. Não tenho a menor esperança de que isso evolua para um procedimento criminal", afirma.

Ainda segundo ele, o Estado brasileiro não tem a intenção de responsabilizar o presidente da República por eventuais crimes cometidos durante a pandemia. "Isso já ficou patente. Além deste memorando que foi enviado ao Augusto Aras, recentemente, o Marco Aurélio, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), também arquivou uma possível investigação criminal contra o Bolsonaro neste sentido. Quando isso ocorre, nós temos a via livre para ir ao TPI e apresentar a comunicação de possível crime para movimentar toda a máquina daquela instituição", salienta o advogado.

"O artigo 7, inciso primeiro, letra k, do Estatuto de Roma, prevê que 'outros atos desumanos que possam afetar gravemente a saúde e a integridade física de outras pessoas' são passíveis deste entendimento. Ou seja, totalmente plausível e aplicável no caso de Jair Bolsonaro, com todas as ações e omissões do presidente durante esta crise", complementa.

O TPI reúne 18 juízes de diversas nacionalidades, que são eleitos para mandatos de nove anos, e possui jurisdição complementar às estruturas jurídicas domésticas de cada país-membro. As representações apresentadas contra Bolsonaro estão sob a avaliação da procuradoria do Tribunal, que não tem prazo para deliberar sobre o assunto.

Apesar disso e dependendo do rumo que Bolsonaro adotar nas próximas semanas, os impactos causados pela pandemia podem reforçar as denúncias junto à instituição. "Após grandes pandemias, acontece toda uma gama de verificações e estatísticas, que podem ser usadas para facilmente comparar as medidas que foram adotadas por diferentes países e como estas ações afetaram as suas respectivas populações. Será evidente o numero de vidas que poderiam ter sido salvas e isso servirá como parâmetro para o TPI, sem dúvida", conclui o jurista.

* Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (EACH-USP). É, também, autor do livro "A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI" (Lura Editorial).

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