Fora do governo, Moro disputa liderança da extrema direita
* Cleber Lourenço
Ao optar pela saída do governo Bolsonaro, o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro apenas seguiu adiante com uma decisão que já estava há muito tempo determinada.
Hoje motor do que é, certamente, a maior crise institucional dos pouco mais de um ano e quatro meses de governo, o desembarque, embora precoce, foi em tempo para que o ex-juiz da Lava Jato angariasse seguidores fiéis dentro do grupo de extremistas que apoiam o presidente.
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A guinada de Moro para os braços do bolsonarismo foi gradual e contou com uma série de movimentos para que saísse do governo levando os militantes do presidente junto.
O ex-ministro sabe que a bandeira anticorrupção não seria o suficiente para seduzir a militância radicalizada do presidente desde o primeiro dia. Ainda em 2018, imediatamente após a nomeação de Moro para a pasta da Justiça, muitos jornalistas e analistas políticos cravaram que seria ele a voz da moderação dentro do governo, um sopro de sensatez, e que seria bom mantê-lo por lá.
Inciada a gestão, bastaram alguns meses, entretanto, para elucidar as reais intenções de Moro. O episódio mais simbólico foi o seu "pacote anticrime". Tudo que se pretendia liberar pelo projeto original – texto que, corretamente, foi aprimorado pelo Congresso ao longo da tramitação – sempre esteve previsto nos artigos 23 e 25 da Constituição Federal, precisamente.
Ali foi possível estabelecer um sólido diálogo com a base de eleitores de extrema direita, sobretudo a partir das discussões em torno do excludente de ilicitude ou da oposição de Moro à inclusão do juiz de garantias, texto aprovado sem qualquer veto pelo presidente.
Na Câmara dos Deputados, Moro se estabeleceu de maneira muito contundente entre as fileiras do PSL e, no Senado, possui até mesmo um grupo organizado – "Muda Brasil" – que conta com uma parcela considerável de senadores.
A posição de Sergio Moro como um simpático dos extremistas veio finalmente à tona com o motim dos policiais no Ceará, ocasião em que o ex-ministro afirmou que policiais encapuzados cometendo uma série de delitos não poderiam ser tratados como criminosos.
Assim, ele estava dialogando diretamente com parcela radicalizada das forças de segurança não só do Ceará como de todo o país e que flertavam com a quebra de hierarquia dentro das Forças Armadas e, enquanto o estado fazia a lei valer para os amotinados, o Ministério da Justiça decidia utilizar tempo, recursos e pessoal para perseguir um show de punk em Belém. E não sem antes afrouxar a lei para membros de organizações criminosas de todo país, reduzindo pena mínima dos condenados por este crime.
Por fim, o comandante da Força Nacional de Segurança (FNS), coronel Aginaldo de Oliveira, bradou aos amotinados: "Vocês são gigantes, vocês são monstros, vocês são corajosos! Demonstraram isso ao longo desses 10, 11, 12 dias que estão aqui dentro desse quartel, em busca de melhoria da classe, e vão conseguir". Nota: Moro foi padrinho de casamento do Coronel com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP).
Tudo isso enquanto o ex-ministro passeava em um blindado do Exército no meio de Brasília. Pergunto: em que ano, em que democracia, um ministro da Justiça sai desfilando em tanque? Mas o problema não é apenas o ato em si. O contexto importa, e muito!
A opção pela saída do governo, para Moro, resulta da avaliação de que a sua posição já se tornava insustentável, e ameaçava a sua credibilidade, afinal de contas, a desfaçatez de Bolsonaro diante da pandemia, as investigações contra o presidente e seus filhos e a troca de direção da Polícia Federal afetavam diretamente a imagem que o juiz construiu ao longo de todos estes anos.
Quando diz que jamais teve interesse de ir para o STF, o ex-ministro fala a verdade. Não é objetivo do seu partido, o PLJ (Partido Lavajatista).
Se fosse para ser indicado ao Supremo Tribunal Federal, qual seria a sua preocupação com a opinião pública? Alexandre de Moraes e Edson Fachin tinham muito menos aprovação quando foram indicados, respectivamente, por Temer e Dilma, os quais por sua vez tinham ainda menos popularidade à época.
Só se preocupa com popularidade quem quer ser candidato, político. Até aí ninguém mentiu. Moro não queria o STF e Bolsonaro não iria indicar seu ministro da Justiça, embora acreditasse que este era o objetivo do ex-juiz e usasse isso como moeda de barganha, como o próprio Moro afirma.
Hoje protagonista da cena pública mesmo fora do governo, Moro apenas dá continuidade a uma campanha que sempre esteve em construção. Agora, ao menos, o ex-ministro já não precisa esconder mais de ninguém.
* Cleber Lourenço é pós-graduando em jornalismo contemporâneo.
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