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Entendendo Bolsonaro

Fogueira de vaidades políticas mata mais que covid no Brasil

Entendendo Bolsonaro

08/12/2020 20h55

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello (Crédito: Veja SP).

Vinícius Rodrigues Vieira

Tenho vergonha de ser brasileiro. Essa frase martela minha cabeça desde que li o relato de bastidores sobre a reunião entre o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, e governadores estaduais, entre eles João Doria (São Paulo), arquirrival do presidente Jair Bolsonaro. Como tivemos a capacidade de eleger indivíduos que brincam com as vidas dos cidadãos, oficialmente seus compatriotas? Como nós somos parvos a ponto de mantermos essa gente egoísta e mesquinha no poder? Preocupam-se apenas com 2022, quiçá o próprio bolso e, sobretudo, o ego político.

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Quanto ao Plano Nacional de Imunização (PNI), Pazuello afirma que "não pode ser paralelo. A gente tem que falar a mesma linguagem. Nós só temos um inimigo, o vírus. Temos que nos unir". Faria sentido a frase do general se o governo de Bolsonaro tivesse tomado as rédeas do enfrentamento da pandemia em vez de tratá-la como gripezinha. Num aparente improviso, o ministro sinalizou que a imunização deve ter início no fim de fevereiro, com a aplicação da vacina desenvolvida por Oxford em parceria com a AstraZeneca, contratada pelo governo federal.

Foi um recado a Doria, que anunciou um plano de imunização para São Paulo, com início previsto para 25 de janeiro, e já negocia com outros governantes em nível estadual e municipal a venda da Coronavac, de origem chinesa e ainda sem autorização para ser aplicada, embora seja produzida pelo Instituto Butantan, na capital paulista. Desnecessário lembrar que Bolsonaro et caterva implicam com a origem da vacina e politizaram a questão, incluindo uma suspensão de testes chancelada pela Anvisa, hoje ocupada por militares nomeados pelo capitão.

Governadores sem qualquer imunizante à mão teriam apoiado Pazuello na prática, conclamando a União a impedir programas como o de São Paulo. Eduardo Leite, o tucano que lidera o Rio Grande do Sul e seria adversário de Doria dentro do PSDB, teria cutucado seu colega paulista ao dizer que há gente falando demais.

O ruralista Ronaldo Caiado (DEM-GO), símbolo daquilo que, antes do bolsonarismo, era o que mais se assemelhava a um programa de extrema-direita no pós-ditadura, foi além e reclamou do suposto assédio de Doria a prefeitos. "Como pode São Paulo dizer que em 25 de janeiro inicia a vacinação e que quem for para São Paulo vai ser vacinado? Isso é um constrangimento para nós, governadores. Nós por acaso somos incompetentes?", perguntou Caiado.

Lamento dizer, caro governador, mas a resposta é sim. A chamada "Lei Covid" já previa a importação e aplicação de vacinas registradas por órgãos competentes dos Estados Unidos, União Europeia, Japão ou China, independentemente do aval da Anvisa. Condenáveis, a arrogância e o oportunismo político de Doria podem nos salvar. Desprezível, a vaidade de Bolsonaro e dos governadores que criticaram o mandatário paulista no encontro com o ministro Pazuello matará milhares de brasileiros.

Como vivemos numa era em que citações bíblicas são recorrentes na política, lembremos de Eclesiastes, capítulo 1, versículos 2 a 4 :"Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! / Tudo é vaidade. Que proveito tem o homem, de todo o seu trabalho, que faz debaixo do sol? / Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece".

Valem a pena ainda os versículos 14 e 15, caros concidadãos. "Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e aflição de espírito / Aquilo que é torto não se pode endireitar; aquilo que falta não se pode calcular".

Arrematemos com o fim do livro, em seu capítulo 12, citando parte do versículo 14, o derradeiro: "…Deus há de trazer a juízo toda a obra, e até tudo o que está encoberto, quer seja bom, quer seja mau".

A verdade, no Brasil, não nos liberta ou salva: apenas nos enrubesce. Confesso ter medo de, tal como Bolsonaro e seus seguidores, virar alguém tal qual o personagem Cypher, o "Judas" da trilogia Matrix, e concluir que a "ignorância é uma bênção".

Cypher traiu os companheiros de resistência à Matrix em troca de prazeres mundanos emulados pelo sistema que reproduzia a humanidade antes de ser subjugada pela inteligência artificial. Judas entregou Cristo aos romanos em troca de 30 moedas de prata. O preço de nosso sacrifício é o ego de políticos incompetentes que não valem sequer um voto.

Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em Relações Internacionais por Oxford e professor na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e na pós-graduação da FGV


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