Trump ou Deus? Bolsonaro conta com acaso na política externa
Entendendo Bolsonaro
15/01/2020 14h35
(Crédito: Jim Watson/AFP)
[RESUMO] O apoio americano à entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é a primeira grande vitória do alinhamento aos Estados Unidos, eixo central da política externa do presidente Jair Bolsonaro. Porém, mais que fruto de uma estratégia bem pensada, o apoio surge como resultado do acaso e certamente será revisto caso o presidente Donald Trump não se reeleja em novembro.
* Vinícius Rodrigues Vieira
Toquem as trombetas no Itamaraty! Finalmente, após uma série de expectativas frustradas, o Brasil recebe apoio formal dos Estados Unidos para ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o dito clube dos países ricos.
Com a volta do peronismo ao governo da Argentina, a Casa Branca passou a dar preferência ao pleito brasileiro, apresentado em 2017 e que estava atrás do pedido dos hermanos na lista de apoios americanos a novos membros da organização.
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Como o pertencimento à OCDE serve como um selo de qualidade que pode atrair mais investimentos, algo necessário à retomada do crescimento econômico, o apoio é aprimeira vitória significativa da política externa de alinhamento a Washington promovida pelo presidente Jair Bolsonaro, que vê nos Estados Unidos e no presidente Donald Trump modelos a serem seguidos.
Os sinais de reaproximação brasileira à China, cada vez mais fortes depois de outubro de 2019, podem ter acendido a luz amarela na Casa Branca, levando, assim, a afagar o Brasil, que se tornou aliado de primeira hora dos EUA.
Sem a derrota do liberal Maurício Macri para o peronista Alberto Fernandez, no entanto, Trump não teria jogado a Argentina para escanteio. Isso porque Bolsonaro, embora tenha sinalizado alinhamento a Washington desde antes de sua posse há um ano, não se tornou o preferido dos americanos na América do Sul mesmo quando estava claro que Macri não se reelegeria.
Não importa: a narrativa que Bolsonaro constrói é de vitória incondicional. O presidente chegou ao ponto de dizer que, se dependesse de Trump, o Brasil já estaria na OCDE, ignorando, assim, as "traições" do colega americano em 2019. O chanceler Ernesto Araújo, por sua vez, vê no apoio americano uma prova da "parceria sólida" entre Brasil e EUA.
Uma das máximas da nova direita global é a expressão latina Deus Vult, que quer dizer "Deus quer" e foi lema da primeira cruzada, popularizada entre simpatizantes da alt-right em memes que promovem a oposição entre cristianismo e islamismo. Bolsonaro e Araújo parecem se fiar na vontade do todo poderoso para formular a política externa brasileira.
Afinal, como o próprio presidente reconhece, o ingresso do Brasil na OCDE não depende apenas dos EUA — integram a organização sobretudo países europeus com os quais Bolsonaro não faz a mínima questão de manter bom relacionamento, haja vista a troca de farpas entre ele e o presidente da França Emmanuel Macron acerca de questões de política ambiental e até mesmo sobre a aparência de Brigitte, mulher do mandatário francês.
Isso para não citar que o apoio americano certamente será revisto caso Trump não conquiste um segundo mandato. Como os processos de admissão à OCDE levam até três anos, a eleição de um democrata nos EUA colocaria os planos de Bolsonaro e Araújo em cheque, expondo a dita "parceria sólida" como um alinhamento subserviente que ignora qualquer noção aceitável de interesse nacional.
Falando nisso, o que dirão presidente e chanceler sobre o apoio da Rússia à entrada do Brasil e outros países, entre eles Índia, como membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, uma das demandas históricas da diplomacia brasileira? Sergei Lavrov, chanceler russo, expressou tal apoio em clara oposição às ações unilaterais dos EUA, como ocorreu na recente crise com o Irã.
Interessantemente, os nacionalistas Bolsonaro e Araújo pouco ou nada falam sobre essa demanda. A política externa brasileira segue Deus Vult ou Trump Vult?
* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em Relações Internacionais por Oxford e professor na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e na pós-graduação da FGV.
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