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O Joesley de Bolsonaro: vídeo de reunião será inofensivo ao governo

Entendendo Bolsonaro

15/05/2020 15h38

A reunião ministerial que levou à queda do ex-ministro Sergio Moro (Crédito: Marcos Corrêa / PR)

* Carlos Juliano Barros

No movediço terreno das suposições, há uma chance razoável de o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril virar para Bolsonaro aquilo que o grampo de Joesley Batista, dono da JBS, foi para Michel Temer: uma água no chopp, mas não suficiente para tombar o copo.

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Desde que o ex-ministro da Justiça Sergio Moro anunciou sua demissão em cadeia nacional, pipocaram previsões sobre a iminente queda de Jair Bolsonaro. A insistência em minimizar a gravidade da maior crise de saúde pública da história, a lentidão para tomar medidas de estímulo à já combalida economia e a crise política deflagrada pelas denúncias de Moro, tido como "reserva moral" do governo, pareciam apontar para um desfecho inevitável: Bolsonaro não se seguraria no cargo.

Jornais listaram os crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente para justificar o impeachment: ataques a jornalistas, apoio a atos antidemocráticos contra o Legislativo e o Judiciário, suspeita de intervenção na Polícia Federal para proteger a prole.

Sobre esse último tema, aliás, o jornal Valor Econômico chegou a publicar um artigo afirmando que as negociações para a renúncia de Bolsonaro já estavam sendo costuradas: a condição para descer de vez a rampa do Planalto seria a anistia aos crimes cometidos por seus filhos – apesar de eles ainda não terem sido condenados pelo o que quer que seja.

Boa parte dessas análises soa mais como wishful thinking – para usar uma expressão da moda – do que como probabilidade. No curto prazo, Bolsonaro não vai abrir mão da Presidência e tampouco deve ser apeado do poder. Por vários motivos.

O primeiro e mais importante deles é simples de entender: base social. Ainda que pesquisas de opinião recentes revelem erosão do capital político do presidente, o fato é que pelo menos metade dos brasileiros considera sua gestão boa ou regular.

Além disso, a demagogia da guerra política contra governadores e prefeitos, que estariam impedindo os brasileiros mais necessitados de ganhar a vida, também parece ter sido encampada por sua base fiel, de Norte a Sul do país. A verdade, dura sobretudo para alguns setores da esquerda, é que o discurso extremista de Bolsonaro tem respaldo popular.

As mesmas pesquisas que apontam queda global da aprovação do governo mostram que, entre os mais mais pobres, ela foi impulsionada pelo auxílio emergencial de R$ 600 – ainda que a medida tenha tardado e seja claramente insuficiente. Fora isso, a ideia de que somente os ricos podem se dar ao luxo de brincar de quarentena tem mais aderência do que se imagina. Motoboys e caminhoneiros que o digam.

Só que Bolsonaro não goza de base social apenas entre os mais pobres. Uma seleção importante de grandes empresários, reunidos principalmente no círculo da Fiesp, apoia Bolsonaro de forma quase incondicional. Fazem vista grossa aos arroubos autoritários do presidente. Relevam até as graves acusações feitas por Moro. Chutam cachorro morto ao transferir a culpa pelas dificuldades econômicas ao Congresso Nacional.

Por sinal, ainda que o choque liberal de Paulo Guedes não venha "entregando", ele conta com o benefício da dúvida. Promessas ambiciosas – como arrecadar R$ 1 trilhão em privatizações ou zerar o déficit das contas públicas já no primeiro ano de governo – até viraram piada entre o povo do mercado, mas não chegaram a ser tachadas de estelionato eleitoral.

O PIB raquítico de 2019 também decepcionou, porém a aprovação da reforma da Previdência ajudou a vender a ilusão de "casa sendo arrumada". Até que veio a Covid-19 para virar o mundo de ponta cabeça.

A retração de 2020 será a maior da história. Mais do que nunca, é provável que o governo Bolsonaro não seja capaz de içar o país da lama. No entanto, ele sempre terá como álibi a pandemia e já avisou que não quer ser cobrado lá na frente pelos problemas decorrentes dessa crise.

Também não se pode esquecer da ameaça de ruptura institucional que paira no ar há um par de anos. Parece pouco provável, é verdade, que as Forças Armadas embarquem numa aventura autoritária capitaneada por um presidente colérico e despreparado. Por outro lado, é impossível esquecer que um dos principais gurus de Bolsonaro, o ex-comandante do Exército, general Villas Bôas, intimidou publicamente o Supremo Tribunal Federal, na véspera do julgamento do Habeas Corpus solicitado pelo ex-presidente Lula.

Se Bolsonaro afirmou que não aceitaria uma derrota nas eleições de 2018, usando como pretexto as fake news das urnas fraudadas, como ele se comportaria caso fosse alvo de um processo de impeachment? Ainda que não conte com o beneplácito dos altos caciques das Forças Armadas para dar um golpe, Bolsonaro certamente teria apoio de parte da tropa e de policiais país afora. Talvez não fosse o suficiente para segurar uma ditadura, mas seria o bastante para armar uma confusão que qualquer pessoa de bom senso deseja evitar.

De todo modo, o presidente da República já vem ensaiando uma blindagem política no Congresso Nacional. Cristão que é, vestiu a roupa do filho pródigo e acenou para sua velha casa: o baixo clero do parlamento, também conhecido como "Centrão". O presidente nacional do PTB e pivô do Mensalão, Roberto Jefferson, já desponta como um dos novos escudeiros do governo – com direito a foto empunhando rifle e tudo.

Por fim, há uma questão não menos importante, porém, mais difícil de compreender em sua plenitude: a simbologia de Bolsonaro. O Brasil é um país partido, onde o diálogo já não é mais possível, ao menos por ora. A tendência é de radicalização. Para triunfar em 2018, Bolsonaro até abraçou grupos que o olhavam com certa desconfiança. É o caso da intelligentsia da direita liberal, encrustrada no mercado financeiro e fortemente antipetista, que fez vista grossa para sua eleição, confiante na autonomia do Posto Ipiranga.

Mas agora Bolsonaro resolveu se focar no seu público raiz. São pessoas que acreditam que ele é messias não só no nome. Gente que espalha com convicção memes sobre como a facada de Adélio Bispo revelou um líder disposto a se sacrificar para salvar o povo brasileiro. Pelas contas dos institutos de pesquisa, eles e elas são entre um quinto e um terço dos eleitores. É muita gente.

É claro que tudo pode mudar num piscar de olhos. Novas denúncias têm potencial para alterar a percepção da opinião pública sobre Bolsonaro. Há quem aposte que a avalanche de mortos que se desenha pela Covid-19 nas próximas semanas vai sangrar sua reputação.

Mas o Brasil é um país violentamente brutalizado. São mais de 50 mil homicídios por ano ao longo da última década. Em 2019, mais de 1,5 milhão de pessoas foram infectadas por dengue. Metade da população não tem acesso a coleta de esgoto. Talvez nem mesmo uma montanha de mortos seja capaz de alterar a percepção dos eleitores sobre o presidente.

Na eleição de 2022, que ele julga estar no papo, Bolsonaro certamente será menos competitivo que já foi até bem pouco atrás. Mas até lá ele deve se segurar na cadeira. E o bolsonarismo – como expressão ideológica genuína da extrema-direita – promete ter vida longa.

* Carlos Juliano Barros é jornalista e mestre em Geografia pela USP. Diretor dos documentários "GIG – A Uberização do Trabalho", "Entre Os Homens de Bem" e "Cartas para um Ladrão de Livros".

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Este é um blog coletivo que pretende contribuir, sob diversos olhares – da comunicação à psicanálise, da ciência política à sociologia, do direito à economia –, para explicar o fenômeno da nova política. O "Entendendo Bolsonaro" do título indica um referencial, mas não restringe o escopo analítico. Toda semana, pesquisadoras e pesquisadores serão convidados a trazer suas reflexões. O compromisso é com um conteúdo acadêmico traduzido para o público amplo, num tom sereno que favoreça o debate de ideias. Convidamos você a nos acompanhar e a interagir conosco.

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Pesquisadores e estudiosos da nova direita e suas consequências em diversos campos: da sociologia à psicanálise, da política à comunicação.

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