Em MEC anticiência, novo ministro se esconde em bandeira 'técnica'
Entendendo Bolsonaro
25/06/2020 21h18
O novo ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli (Crédito: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil).
* Andressa Pellanda
Após a desistência de Bolsonaro em indicar o empresário e secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, para assumir o Ministério da Educação (MEC), Carlos Alberto Decotelli, ex-presidente do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), foi confirmado nesta quinta (25) como novo titular da pasta.
O perfil do novo ministro se encaixa bem naquele da cúpula do governo: é oficial da reserva da Marinha e participou do processo de transição do governo Bolsonaro em 2018, o que o qualifica para o grupo mais próximo e de maior confiança do presidente – círculo que já é formado por quadros das Forças Armadas.
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Decotelli chega para cumprir uma função que, inicialmente, foi especulada para o empresário Renato Feder, um perfil alinhado ao mercado, a gestões empresariais na agenda pública e ultraliberal. O novo chefe do MEC foi colega de Paulo Guedes no Ibmec e tem um currículo de financista e professor de MBAs e outros cursos da área de administração e economia.
Nome pouco conhecido na área de educação, Decotteli e apoiadores têm tentado emplacar seu perfil como mais um "técnico" do governo, categoria atribuída aos que assumem a agenda ultraliberal e de reformas na educação defendidas por grupos empresariais.
Menos de uma hora depois da confirmação de sua indicação para o cargo, em entrevista para o jornal O Globo, o novo ministro confirma essa vitrine: "Eu não tenho nem preparação para fazer discussão ideológica. A minha função é técnica".
Acontece que todo posicionamento que tenta subtrair a escolha política daquela técnica é um posicionamento político e que diz mais: deseja legitimar-se à revelia e mascarando a subjetividade política que é inerente de todo sujeito. Essa tentativa – manjada – de hermetismo e apartamento do político nos sinaliza, e muito.
Algumas figuras públicas que assumem essa mesma estratégia, como a deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP), se disseram na esperança de que seja um nome de diálogo para superar a crise e de que reconheça a mudança de rota que o MEC necessita.
Para a agenda desses reformadores empresariais, a mudança de rota desejada depois de Weintraub e com o novo ministro financista é uma agenda focada em privatizações, gestão por resultados, conteudismo, "aceleração da aprendizagem", e a implantação de um modelo "híbrido" que incorpore a educação a distância na política educacional.
Ou seja, um modelo capenga, pois reduz o direito à educação a um check-list de competências para um modelo de sociedade pautada no produtivismo e na formação de "capital humano". Aparentemente, nem o cenário árido da crise gerada na educação por conta da pandemia parece ser suficiente para que os reformadores empresariais reconheçam as distorções e falácias em termos educacionais que esse modelo carrega, pelo contrário.
Essa é uma agenda que vem crescendo em influência, entremeada nos diversos poderes. Ela é denominada pelo pesquisador e professor da UFABC, Fernando Cássio, de "barbárie gerencial". Segundo Cássio, tal barbárie "se apresenta na educação como 'novo', 'moderno', 'eficiente', 'eficaz', 'responsável' – mas que produz esfacelamento dos sistemas públicos de ensino, rebaixamento da formação escolar dos mais pobres, desqualificação da atividade docente, redução do financiamento público, pauperização das escolas e ampliação dos processos de privatização", como explica na apresentação do livro "Educação contra a Barbárie" (Ed. Boitempo).
Não é à toa que a consequência da crise gerada pela pandemia – de aprofundamento das desigualdades sociais e educacionais – esteja caminhando de braços dados com os efeitos descritos por Fernando, que atingem a área de forma estrutural, mas que ascendem à superfície em momentos extremos, como o que vivemos agora.
Na prática e diante desse contexto, tais sinais apontam para o seguir dando murro em ponta de faca na defesa de uma agenda de educação a distância – ou de atividades remotas, como queiram chamar – que já se mostrou falha e que, apesar de a "gestão por evidências" ser um princípio aventado por esses grupos, o interesse por implementar qualquer política que pareça "inovadora" fala mais alto que a realidade vivida por milhões de estudantes que estão alijados do direito à educação, por não terem condições mínimas socioeconômicas e em seus domicílios para acompanhar esse modelo educacional na pandemia.
Na mesma linha, não esperemos esforços suficientes desse novo MEC em termos de financiamento da educação, já que "gasto", ainda que em um momento de emergência, não combina em suas lógicas limitadas com "eficiência" e com a política de austeridade que vem asfixiando a agenda da educação e das políticas sociais desde a aprovação da Emenda Constitucional 95, do Teto de Gastos, sob Temer.
A EC 95, a despeito das inúmeras recomendações pela sua revogação de especialistas, economistas e organizações nacionais e internacionais, segue vigente e pressionando as políticas orçamentárias para uma alocação pífia para as áreas sociais, com baixíssima execução. Seria de fato positivamente surpreendente que o colega de Paulo Guedes deseje alterar esse cenário.
O resumo da ópera é que, sob um governo anticiência e autoritário, nenhum candidato a ministro passa no teste se não for complacente com essa agenda. Pode não ser terraplanista no sentido estrito, mas há muitos terraplanismos na educação e na economia disfarçados de tecnicismos.
* Andressa Pellanda é cientista política, jornalista, mestranda em ciências (IRI-USP) e coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
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