Pannunzio: “Jornalista tem a obrigação de combater o autoritarismo”
Entendendo Bolsonaro
06/08/2020 14h26
O jornalista Fabio Pannunzio (Crédito: Reprodução)
* Cesar Calejon
A pandemia intensificou o caráter autoritário do bolsonarismo e, nesse cenário, a imprensa, que já era vítima de inúmeras coações pelo presidente e pelas milícias digitais que o orbitam, segue em situação delicada, porém reafirmando a sua responsabilidade diante da população num momento de crise sem precedentes.
Na semana em que o ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, se recusou a prestar esclarecimentos ao STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o "dossiê antifascista", uma ação ilegal e abusiva encampada pelo Estado contra servidores públicos, e com o Brasil prestes a atingir a triste marca de 100 mil mortos pela doença causada pelo coronavírus, o blog conversou com o jornalista Fabio Pannunzio.
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Vencedor de duas edições do prestigiado Prêmio Esso, e ex-âncora do Jornal da Band, Pannunzio falou sobre os enormes desafios de ser jornalista sob o bolsonarismo, ressaltou o dever de combate diário a qualquer forma de autoritarismo e, ainda, destacou o enorme papel que a imprensa vem exercendo durante a pandemia, na contramão do Poder Executivo brasileiro e em benefício da sociedade.
O jornalista afirma que o clima de coação nas redações, que para ele já era evidente mesmo antes do governo Bolsonaro, apronfudou-se de maneira brutal com o início do novo governo. "(No governo Temer) já havia um ambiente nas empresas (grupos de comunicação) de coação. (…) Isso era realmente embaraçoso para mim", introduz o jornalista. "Quando o Bolsonaro assumiu, ele trouxe um ferramental que era novo para a gente (jornalistas), com as fake news etc. Não estávamos preparados para aquilo. (…) O massacre começou muito cedo. Então, ficou muito claro que esses ataques (ao jornalismo profissional) causariam uma fenda na democracia brasileira caso não houvesse resistência."
Pannunzio destaca o que é um dever da profissão de jornalista: combater qualquer forma de autoritarismo. "Essa é a regra da profissão do jornalismo no Brasil", prossegue ele. "O estatuto sexto, no código da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), e o nono, no código da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), afirmam que o jornalista tem a obrigação de combater o autoritarismo, o que não caracteriza qualquer forma de militância (político-partidária)."
Ele acredita que esta postura profissional catalisou o seu processo de desligamento da Bandeirantes. "Eu posso dizer que eu fui vítima desse estratagema conduzido, mais especificamente, pelo Fabio Wajngarten (atual secretário-executivo do Ministério das Comunicações e ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social do governo Bolsonaro). O projeto deles é de um estado totalitário, que não tolera o antagonismo e as críticas", salienta.
"Nos vinte e seis anos que eu fiquei na Band, eles nunca exigiram que eu fizesse nenhuma sacanagem, mas eu não estava confortável com a proximidade com o governo (Bolsonaro). (…) O Fabio Wanjgarten, pessoalmente, mandava os meus 'tweets', com as opiniões que eu manifestava, diretamente para o telefone do meu chefe (na Bandeirantes) e dos meus diretores, inclusive para o chefe de jornalismo e outros colegas. Fazia isso de maneira deliberada, porque ele sabia que isso geraria um grande desconforto, principalmente considerando o ambiente de uma emissora que já estava sufocada pela crise financeira", revela o jornalista.
Para ele, a situação se agravou após o falecimento do jornalista Ricardo Boechat, então âncora do principal telejornal da emissora. "Essas coisas começaram a chegar e, quando o Boechat morreu, eu fui para o Jornal da Band. O Boechat era uma figura muito forte. Eu fiquei quatro meses substituindo-o, mas já sabendo que eu não ficaria com aquela vaga. Ao contrário do Boechat, eu não me sentia à vontade para opinar ou interpretar as notícias. Eu me sentia muito acuado no estúdio e não estava confortável, ainda que ganhasse muito bem para fazer aquilo etc. Eu entupi as minhas (veias) coronárias e tive um pré-enfarto na redação. Fui para o hospital e estava com 92% de obstrução da coronária central. Decidi que, caso eu não morresse, eu mudaria a minha vida", conta.
No dia seguinte, Pannunzio afirma que começou a botar este plano em prática. "Voltei para a televisão decidido a não passar mais raiva. (…) Resolvi sair. Eu já tinha negociado isso com a Band e, nesse ínterim, houve uma discussão via Twitter com o (Fabio) Wanjgarten. Ele foi a causa indireta da minha demissão, muito por conta de todo o desgaste gerado durante a gestão dele (frente à Secretaria Especial de Comunicação Social do governo federal)."
Contudo, o comunicador acredita que essa guerra do bolsonarismo não mira somente a imprensa. "Ela é contra as instituições (do Estado brasileiro), como o (Poder) Judiciário, o (Poder) Legislativo, o Ministério Público e até uma parcela da Polícia Federal. Qualquer um que se oponha ao projeto de reinado que eles têm para o Brasil."
Assim, Pannunzio entende que o jornalismo profissional tem uma responsabilidade enorme considerando o atual cenário sócio-político do país. "Não é o emprego, cargo ou título que legitima o jornalista. É a prática. (…) Pense bem o que seria do Brasil neste momento caso não houvesse o consórcio dos veículos de imprensa para combater a falsificação de notícias considerando a pandemia. Qual remédio as pessoas estariam tomando? A cloroquina. Quantas pessoas a mais teriam morrido por não acreditarem no distanciamento social? A imprensa, apesar de todos os seus defeitos, é importante para sintonizar os cidadãos com a realidade", pondera o jornalista.
"Eles (bolsonaristas) negam a ciência, acreditam que a superstição é mais efetiva para curar uma doença do que remédios que passam pelos crivos de todos os estudos possíveis. É um mundo sem consequências e fora da nossa materialidade concreta. Perdemos (enquanto nação) o pé na realidade e o número de mortos e doentes na pandemia cresce exponencialmente", lembra Pannunzio, num trágico momento em que o Brasil caminha para atingir, dentro de alguns dias, a marca de 100 mil vidas perdidas para a covid-19.
Ele conclui: "A responsabilidade do Bolsonaro é gigantesca. A história terá que tratar deste desastre que ele está promovendo no Brasil, de maneira muito séria e severa. (…) A briga (que o bolsonarismo conduz) para desinformar é algo inacreditável. É difícil conceber um político tão sádico a ponto de enviar o seu próprio rebanho para o abatedor. (…) Esperamos que ele (Bolsonaro) venha a responder, criminalmente, pela forma como a pandemia foi conduzida no Brasil."
* Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (EACH-USP). É, também, autor do livro "A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI" (Lura Editorial).
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