Boulos: "São Paulo pode ser a vanguarda de uma nova escola"
Entendendo Bolsonaro
16/10/2020 13h14
"Nós vamos para o segundo turno para combater essa hegemonia 'bolsodoria' em São Paulo" (Crédito: Ana Paula Paiva/Valor)
[RESUMO] Esta é a sexta entrevista de uma série iniciada pelo blog, voltada às eleições municipais de 2020. Ao longo dessas semanas, estamos conversando com candidatas e candidatos, de diferentes partidos, para conhecer a sua visão de cidade e de que maneira estas figuras pretendem contribuir para a solução dos múltiplos impasses pelos quais atravessa o Brasil. As entrevistas estão sendo transmitidas ao vivo no perfil do jornalista Cesar Calejon, no Instagram. Acompanhe!
* Cesar Calejon
Sexto entrevistado no Especial Eleições, Guilherme Boulos é professor, bacharel em filosofia, ativista social, político, escritor e candidato à Prefeitura da cidade de São Paulo pelo PSOL.
Boulos acredita que o principal problema da capital paulista é a desigualdade social, que está sendo ainda mais acirrada por conta dos impactos econômicos gerados pela pandemia.
"Somos a cidade mais rica do país e da América Latina e temos pessoas que precisam revirar o lixo para comer. Alguns dados são chocantes: a Rede Nossa São Paulo publicou as informações sobre a expectativa média de vida da população na cidade. Alguns bairros do Centro Expandido (da cidade de São Paulo), como Jardins e Moema, registram até oitenta anos de idade média a morrer. Enquanto outros, que ficam a apenas trinta quilômetros de distância, como a Cidade Tiradentes ou o Jardim Angela, apresentam uma taxa de 58 anos. São dois mundos na mesma cidade: em alguns lugares os índices sociais de São Paulo são iguais aos da Suécia. Em outros, são (equivalentes) aos dos países mais pobres do planeta", introduz o candidato.
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Segundo ele, caso eleito prefeito da maior cidade da América do Sul, a ideia é potencializar o desenvolvimento das regiões periféricas.
"Como prefeito de São Paulo, a partir do primeiro dia do ano que vem, vou focar em uma política de inversão de prioridades (no sentido) de destinar os recursos públicos para as regiões mais carentes, necessitadas e que hoje estão abandonadas pelo poder público. (…) O carro-chefe da nossa campanha é a Renda Solidária para atender cerca de um milhão de famílias e três milhões de pessoas, que serão beneficiadas diretamente por esse programa na cidade com um valor que deverá variar entre R$ 200 e R$ 400. A ideia é garantir o mínimo de dignidade durante o período no qual todo o país estará sofrendo com as conseqüências da pandemia e ativar a economia local nos bairros e periferias", explica Boulos, que concorreu à presidência da República em 2018, quando recebeu pouco mais de 617 mil votos, e vem verificando uma rápida ascensão da sua liderança junto ao eleitorado que se identifica à esquerda no espectro político-ideológico.
"O crescimento da nossa candidatura tem gerado uma reação de medo naqueles que não querem abrir mão dos seus privilégios, estão acostumados a ter a 'chave do cofre' e fazem, muitas vezes, da política um negócio", ressalta Boulos.
"Nas últimas semanas", prossegue ele, "sofremos uma verdadeira artilharia. Eu recebi uma intimação da Polícia Federal (PF) por causa de uma postagem que eu fiz contra o Jair Bolsonaro. Olha que loucura, uma postagem na internet! A PF, que poderia estar investigando os R$ 89 mil na conta da Michelle (Bolsonaro) ou as milícias do Rio de Janeiro, resolveu gastar energia com uma postagem crítica de um líder da oposição (ao governo Bolsonaro). Isso foi uma tentativa de intimidação".
"O Caetano Veloso decidiu fazer um show (online) de arrecadação para a nossa candidatura, aqui em São Paulo, e para a Manuela (d'Ávila), em Porto Alegre. A justiça eleitoral entrou com uma ação para impedir o show. Eu espero que isso se reverta nas instâncias superiores, porque é algo absolutamente escandaloso", acrescenta o candidato do PSOL, que tem 17 segundos de tempo para falar na campanha eleitoral da televisão aberta. "Ainda assim, o (Bruno) Covas tentou anular o pouco tempo que temos (…) Essa é a primeira eleição, desde a redemocratização do país, basicamente, que não conta com os debates, o que é desastroso para a democracia brasileira", complementa ele.
Para a área de moradia, Boulos propõe a aplicação de leis que já estão vigentes e são descumpridas ou pouco efetivas.
"Nós temos 25 mil pessoas morando nas ruas de São Paulo, uma das maiores populações de rua do mundo, e 40 mil imóveis abandonados somente no Centro Expandido da cidade. Eu não estou falando da casa que a sua tia deixou para você alugar. São imóveis com dívidas altíssimas, em desacordo com o Plano Diretor e que, caso a lei fosse corretamente aplicada, já deveriam ter sido reformados para serem usados como moradia popular. Isso não acontece, porque existe uma verdadeira máfia da especulação imobiliária que impede que esses imóveis exerçam a sua finalidade social."
Ainda de acordo com o candidato, a gestão do PSOL frente à Prefeitura de São Paulo vai desenvolver um plano emergencial para esses imóveis: "e retomar um projeto incrível da (Luiza) Erundina, que são os mutirões. (…) Vamos criar as condições para que ninguém precise morar nas ruas da cidade mais rica do país".
Na área da educação, ele afirma que pretende começar priorizando a educação infantil, na primeira infância. "As creches não podem ser depósitos de crianças. Vamos aperfeiçoar o caráter pedagógico e zerar as filas das creches em São Paulo. Não é aceitável que uma mãe não possa trabalhar e levar o pão para casa – tenha a sua autonomia financeira – porque não tem com quem deixar o seu filho. Estamos no século XXI".
Na educação fundamental, Boulos enfatiza que "pretende resgatar o projeto do Paulo Freire, que foi secretário municipal de educação no governo da Erundina. Ele organizou uma gestão participativa. Envolveu os alunos, a comunidade escolar junto com a direção e os professores para pensar o projeto da escola. Com essa integração, todos se sentem parte e responsáveis pelo que acontece na escola. O efeito pedagógico e comunitário é tremendo. (…) Mais conectado com a vida e não somente para ser mais uma engrenagem no mercado de trabalho ou saber a tabela periódica. São Paulo pode ser a vanguarda de pensar a escola de outro jeito".
No que tange a saúde, a proposta do candidato é realizar um grande esforço para levar mais médicos para as periferias da cidade.
"Esse é o grande problema da nossa área de saúde hoje. As consultas e os exames ficam muito demorados. Os médicos não querem ir para os fundões da cidade, mas muita vezes também não são estimulados nesse sentido. Nós vamos abrir um concurso público para contratar médicos para as UBSs (Unidades Básicas de Saúde) UPAs (Unidade de Pronto Atendimento) AMAs (Assitência Médica Ambulatorial) e hospitais municipais na periferia da cidade (de São Paulo). (…) E também vamos fazer um serviço municipal de residência médica em saúde da família", diz Boulos, que afirma acreditar que a sua chapa oferece uma postura contra-hegemônica à Prefeitura de São Paulo.
"Esse ponto transcende o debate municipal e nós precisamos construir um processo de contra hegemonia global. Os horrores do bolsonarismo surgiram também do esgotamento do modelo neoliberal que seqüestrou a política, porque quando o poder econômico e a lógica dos mercados se sobrepõem à democracia e determinam os rumos da política, (…) isso leva a perda de credibilidade do sistema democrático (por representação) e ao sentimento de negação da política, que foi o que aconteceu em 2018. (…) O fato é que isso também significa a falência desses quarenta anos de hegemonia neoliberal no Ocidente", avalia.
Para ele, "o projeto do PSOL é contra essa elite do atraso que vem governando o Brasil há quinhentos anos. Em poucos momentos da nossa história tivemos governos contra-hegemônicos. Nós vamos para o segundo turno para combater essa hegemonia 'bolsodoria' em São Paulo", afirma Boulos, que acredita que "um bom governo não se faz governando para as pessoas, mas com as pessoas. A democracia não pode ser você ir apertar um botão a cada quatro anos na urna de votação. A democracia tem que ser uma prática cotidiana e permanente", sugere.
A partir do ano que vem, portanto, ele quer implementar o orçamento participativo em São Paulo. "Eu e a (Luiza) Erundina vamos conduzir um processo ousado de descentralização do poder na cidade, dando poder de verdade para as subprefeituras, porque quem sabe dos problemas de cada bairro e região são as pessoas que ali vivem."
Sobre a afirmação de que os moradores de rua seriam mais resistentes à covid-19, que foi feita pelo candidato Celso Russomanno esta semana, Boulos se diz estarrecido.
"Foi algo nojento e asqueroso. Claro, o (Jair) Bolsonaro já estabeleceu um novo parâmetro de barbárie discursiva no Brasil. Coisas que eram impensáveis cinco anos atrás. (…) Defesa de torturadores, do AI-5 etc. O Bolsonaro está fazendo escola, mas o que o Russomanno disse chegou ao nível do escárnio. É ridicularizar a miséria das pessoas. Tem uma perversidade, uma forma de brincar com o sofrimento alheio."
Por fim, ele pondera que mensagens desta natureza, quando emitidas por figuras públicas ou lideranças políticas, ganham ressonância junto à população de forma a se concretizarem em medidas práticas.
"É óbvio que o efeito que isso tem na sociedade é devastador. Quando o exemplo que vem de cima avança a violência, o ódio e o desprezo a vida, essas mensagens são entendidas pela sociedade como uma espécie de salvo-conduto. Uma autorização para todos os tipos de perversidades e barbaridades. Não é por acaso que, durante os primeiros dois anos do governo Bolsonaro, a letalidade policial aumentou em todo o Brasil. (…) Isso vai gerando uma cultura da morte e do ódio que se espalha por toda a sociedade e esse talvez seja o efeito mais danoso dessas declarações: elas não são simplesmente simbólicas, mas servem de exemplo e influenciam as pessoas (a tomarem medidas práticas)", conclui Boulos.
* Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (EACH-USP). É, também, autor do livro "A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI" (Lura Editorial).
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