Na ONU, Bolsonaro sai na frente em disputa por fracasso anunciado
*Rafael Burgos
Cumprindo a tradição brasileira, Jair Bolsonaro abriu a 74ª Assembleia Geral da ONU, em discurso de aproximadamente 30 minutos.
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Preparado pela chamada 'ala ideológica' do governo, adepta do confronto, de teorias conspiratórias e de lógica que antagoniza os próprios fundamentos das Nações Unidas, o texto, lido pelo presidente em frente a líderes mundiais e sob os olhares da imprensa internacional, foi de tom marcadamente reativo, agressivo e dirigido aos seus apoiadores.
O que cabe destacar, contudo, é a recorrência de marcas de cinismo no discurso do presidente. Como já apontei em artigo para o blog, Bolsonaro adota estratégia de autoflagelo que frustra qualquer expectativa de comunicação e diálogo por parte do receptor de sua mensagem.
Aos olhos do mundo, ele foi à ONU despreocupado da necessidade de construir pontes e aparar arestas, como é próprio do espírito multilateral da Assembleia. Atacou antecessores, a imprensa, a esquerda, países e líderes presentes à reunião.
É difícil justificar racionalmente esta estratégia se consideramos um olhar tradicional, afinal, o próprio presidente e sua comitiva presidencial reconhecem a necessidade da diplomacia enquanto ferramenta indispensável para o sucesso de um governo.
Ocorre que, desde a eleição, Jair Bolsonaro, figura de natureza reativa e insegura, já considerava, efetivamente, a hipótese do fracasso. Para ele, o fracasso não é o estágio final, mas, ainda, uma oportunidade. É chance de conferir verossimilhança a uma tese central do bolsonarismo: a de que os seus inimigos estariam por toda parte.
Na Venezuela, o ditador Nicolás Maduro permanece no poder, a comandar um regime em colapso social e econômico. Não obstante, à medida que o cenário do seu país se deteriora, cresce a sua dependência de um discurso que atribui o fracasso da Venezuela a inimigos externos.
Em entrevista à Folha na semana passada, ele disse:
Por que buscar erros de um país torturado, perseguido? A Venezuela é submetida a uma perseguição financeira, comercial, que não se permite a ela trazer alimentos, remédios. Como você pode levar um país se o Fundo Monetário e o Banco Mundial são cúmplices disso? Mentem sobre a Venezuela.
Nicolás Maduro
No Brasil, Bolsonaro vê crescer, por resultado de seu próprio esforço, o isolamento internacional do País. Junto com a estratégia do autoflagelo caminha a astúcia de um presidente que, prevenido, decide sair na frente na iminente disputa de responsáveis pelo seu fracasso anunciado.
Podem ser os 'globalistas', os 'comunistas', a 'imprensa' ou o que seja: o fato é que Bolsonaro sairá da ONU com mais inimigos, e ainda mais confiante de que o fracasso é um lugar disputável e de que, nessa disputa, ele saiu na frente.
*Rafael Burgos é jornalista, autor do TCC "Donald Trump: a redenção pelo regresso".
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