Contra o 'socialismo', direita se reúne em busca de uma identidade
*Por: Rafael Burgos
"Nós temos de nos unir. Não há mais tempo para complacência".
Foi com essas palavras que a mestre de cerimônias declarou aberta a reunião da CPAC (Conferência de Ação Política Conservadora, na sigla em inglês) no Brasil, ocorrida nos últimos dias 11 e 12 de outubro, em um hotel em São Paulo.
Realizada há mais de 40 anos nos Estados Unidos, ao longo desse período a conferência tornou-se o mais importante evento conservador de um país em que este campo ideológico nunca careceu de coesão.
Pela primeira vez em solo brasileiro, a CPAC veio a São Paulo num cenário bastante diferente. Bancado pela Fundação Indigo (Instituto de Inovação e Governança), ligada ao PSL, o congresso recebeu ministros de Estado, pensadores e influenciadores digitais ligados ao bolsonarismo, num esforço para construir, sob as bases ideológicas da extrema direita norte-americana, uma identidade nacional conservadora.
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Não à toa, estiveram ausentes da reunião políticos de fora do espectro governista, considerados adversários ideológicos de um grupo para o qual qualquer mínimo dissenso é sinônimo de fraqueza.
A missão era se unir, como disse a mestre de cerimônias, e, à frente desta tarefa, durante os dois dias de evento, o que se viu foi a encarnação de um espírito reativo, num ímpeto agregador de forças em defesa dos "valores tradicionais" contra o que, hoje, seria a grande ameaça ao Brasil e, também, aos EUA: o socialismo.
Este chamado à guerra foi a marca principal do conteúdo exposto ao longo do congresso, durante o qual dedicou-se enorme tempo a examinar a radicalidade do inimigo e explicar como enfrentá-la.
Em sua apresentação, Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil, expôs um slide com a frase "O início da tragédia petista", que continha a foto dos ex-presidentes Lula (PT) e FHC (PSDB), de mãos dadas, ao fundo.
A exposição de Onyx foi das mais emblemáticas, uma vez que estava ele em um congresso conservador a apresentar conteúdo cujo foco central eram seus adversários "vermelhos", dedicando um menor tempo, ao fim, para defender o governo Bolsonaro.
De igual modo, tantos outros se dedicaram a caracterizar os adversários a partir de uma gramática radicalizante. A mudança em curso seria contra o "autoritarismo do politicamente correto", segundo o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Mercedes Schlapp, estrategista da campanha de Donald Trump à reeleição, da mesma forma, ressaltou que "o socialismo fere as pessoas" e Mike Lee, senador republicano, disse que governos socialistas, ou progressistas, "fazem de você um escravo".
Ainda, o governo Bolsonaro estaria sucedendo um "regime socialista e demofóbico", segundo Filipe Martins, assessor especial da Presidência, e impedindo a nação de ser, novamente, "governada por sanguinários", disse a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves.
A extrema direita que hoje ocupa o poder, e que, alegadamente, pretende fazer da máquina pública um instrumento de vingança, entendeu que, para tal, é necessário convencer os seus adeptos de que se está numa guerra. É esta condição que legitima o exercício autoritário do poder político, uma vez que as suas ações consistiriam num mero ato de defesa contra inimigos radicais, os 'socialistas'.
É este "conservadorismo", pois, que estava a ser afirmado nos dois dias de CPAC Brasil: não em defesa das instituições e do reformismo, marcas da tradição intelectual conservadora, mas dotado de visão reacionária, ávido para assegurar a sua condição de vítima, de um organismo unificado e prestes a dar o troco nos seus inimigos.
Não poderia ser mais reveladora deste espírito a última apresentação da noite, feita pelo ministro da Educação Abraham Weintraub.
Após sugerir proximidades entre o petismo e a ideologia fascista, o ministro recorreu ao cenário geopolítico pré-segunda guerra para emitir a sua mensagem final:
Quem vocês preferem ser, o 'isentão' do Chamberlain ou o 'radical' Churchill?
A anedota, que sugeria evidente preferência pelo último dos dois, logo, pelo enfrentamento, finalizou os trabalhos do congresso. Com menos de um ano de governo Bolsonaro e uma nova edição da CPAC Brasil já confirmada para o ano que vem, este é só o começo de trajetória para uma extrema direita que, no poder, se divide entre a construção da sua identidade e o exercício da guerra.
*Rafael Burgos é jornalista, autor do TCC "Donald Trump: a redenção pelo regresso".
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