Libertação de Lula é bom negócio para o bolsonarismo
*Murilo Cleto
Esta sexta (8) marcou um capítulo decisivo na disputa política brasileira, com o ex-presidente Lula deixando a prisão após 19 meses detido em Curitiba.
A decisão ocorre após o resultado do julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) nesta quinta (7) que barrou a permanência na prisão de condenados em segunda instância, como é o caso do petista.
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Com algumas poucas exceções, como é o – nada desprezível – caso do vice-presidente Hamilton Mourão, o bolsonarismo assistiu ao episódio de maneira comportada para os seus padrões, com o presidente Jair Bolsonaro se aproveitando do assunto apenas para cometer mais um ataque diário a jornalistas – no caso, à jornalista Natuza Nery, que cobria a soltura do ex-presidente.
É importante lembrar: pelo menos na atual conjuntura, a soltura do ex-presidente é um bom negócio para Bolsonaro. Primeiro porque Bolsonaro é uma cria do caos. Com Lula solto, as redes sociais convulsionam e o PT volta a ser o centro das atenções.
A despeito da cobertura crítica ao governo e das revelações trazidas à tona pelo The Intercept Brasil e demais parceiros, a imprensa brasileira continua sendo majoritariamente simpática à Lava-Jato.
Segundo, porque a libertação de Lula pode unir, mesmo que momentaneamente, boa parte dos antipetistas hoje francamente divididos – inclusive dentro do PSL, o partido do presidente. Ainda que a identificação à sigla não interesse a Bolsonaro, lhe serve muito bem o papel de antagonista do PT, em torno do qual orbitam demais figuras de menor envergadura política.
Foi assim que ele venceu as eleições em 2018. E é assim que ele pretende chegar em 2022. O terço que atualmente o apoia não é – ele sabe muito bem disso – suficiente para elegê-lo, assim como tampouco é o terço petista para eleger o representante do lulismo.
A estratégia é muito clara: manter vivo o espectro do petismo para restar como única opção para derrotá-lo nas urnas daqui a três anos. E, nesse sentido, nada melhor do que "Lula livre".
Mas, além disso, também há razões mais imediatas para que Bolsonaro desejasse, ainda que secretamente, a libertação do ex-presidente. Hoje já não é segredo para ninguém que o Planalto está em guerra com os demais poderes. Essa é uma guerra que é operada principalmente em termos performáticos.
E, para os bolsonaristas, a performance conta muito. Aqui ela serve não para uma ruptura institucional imediata. O AI-5, com o qual Eduardo Bolsonaro tanto "sonha" – termo preciso usado pelo presidente –, não é uma realidade no horizonte próximo.
O que o bolsonarismo pretende mesmo é de outra natureza: é desidratar aos poucos as instituições de freio e contrapeso, exatamente aos moldes húngaros. E, para isso acontecer, é preciso desmoralizá-las, constrangê-las, esvaziar sua legitimidade, para, através mesmo de mecanismos institucionais, soterrá-las.
Um dos principais alvos dessa estratégia é, por razões consideravelmente óbvias, o STF. Bolsonaro sabe que precisa de uma Corte subserviente para emplacar sua agenda.
E talvez o exemplo mais emblemático desse quadro seja a postura dos bolsonaristas quanto à chamada PEC da Bengala, que foi aprovada em 2015 para que Dilma Rousseff não pudesse nomear, por uma improvável mas legítima coincidência, cinco ministros do Supremo no mesmo mandato.
Então a idade de aposentadoria compulsória dos membros da Corte subiu, repentinamente, de 70 para 75 anos. Bolsonaro, como deputado na ocasião, votou a favor. Agora a base governista da Câmara articula uma revisão da proposta que, se efetivada, dá ao presidente a possibilidade de emplacar não dois, mas quatro ministros já no primeiro mandato.
O gesto se espelha numa iniciativa semelhante do partido Lei e Justiça, na Polônia. Com Lula solto graças a uma decisão do STF, os ânimos contra a Corte se acirram e as chances de avanço da pauta ficam substancialmente maiores.
Se Lula livre revigora a autoestima da esquerda, não se pode negar, da mesma forma, que, para o discurso bolsonarista, a sua libertação é um ótimo negócio.
*Murilo Cleto é historiador, especialista em História Cultural e mestre em Cultura e Sociedade. É também pesquisador das novas direitas, professor, escritor e palestrante.
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Este é um blog coletivo que pretende contribuir, sob diversos olhares – da comunicação à psicanálise, da ciência política à sociologia, do direito à economia –, para explicar o fenômeno da nova política. O "Entendendo Bolsonaro" do título indica um referencial, mas não restringe o escopo analítico. Toda semana, pesquisadoras e pesquisadores serão convidados a trazer suas reflexões. O compromisso é com um conteúdo acadêmico traduzido para o público amplo, num tom sereno que favoreça o debate de ideias. Convidamos você a nos acompanhar e a interagir conosco.
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