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Entendendo Bolsonaro

Sem dinheiro de Trump, Bolsonaro acena a China e Índia

Entendendo Bolsonaro

14/11/2019 08h56

(Crédito: Sérgio Lima/Poder360)

* Vinícius Rodrigues Vieira

O presidente Jair Bolsonaro recebe em Brasília, desde quarta-feira (13), os líderes dos Brics para a cúpula do bloco, que se reúne regularmente há dez anos e é formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, países que, devido a seu crescimento nos anos 2000, eram considerados as potências emergentes mais capazes de desafiar o domínio de Estados Unidos (EUA) e Europa no cenário político-econômico global.

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Com o passar do tempo, o Brasil tornou-se um estranho no ninho dos países em ascensão não apenas por enfrentar dificuldades econômicas desde 2014 — África do Sul e Rússia vêm passando por problemas semelhantes desde aquele ano. O distanciamento dos Brics ocorre, sobretudo, em razão do alinhamento automático com os EUA que Bolsonaro vem promovendo desde sua posse, em janeiro passado.

O presidente, porém, parece querer se aproximar de dois dos países do bloco mais fortes do ponto de vista econômico — China e Índia — sem que isso signifique o fim do casamento diplomático com o país liderado por Donald Trump. A razão: busca por investimentos e expansão de mercados para exportadores, algo que o grande irmão do Norte não foi capaz de nos oferecer até agora a despeito de uma lealdade canina de Brasília para com Washington.

Com a China especificamente, o presidente já tratou de reforçar nossos laços — primeiro com a visita ao presidente Xi Jinping em Pequim, em outubro passado, e na quarta-feira ao dizer em Brasília, diante do mandatário chinês, que "[a] China cada vez mais faz parte do futuro do Brasil. O nosso governo vai cada vez mais tratar com o devido carinho, respeito e consideração esse gesto do governo chinês".

Foi uma referência à participação de estatais da China no recente leilão de campos de petróleo do pré-sal, considerado um fracasso por causa da ausência de competição. Além dos chineses, apenas a Petrobras disputou os lotes oferecidos pelo governo. A isso tudo se soma a fala do ministro da Economia, Paulo Guedes, que declarou haver negociações para formarmos uma área de livre-comércio com o gigante asiático.

Se para Bolsonaro a China não é mais aquele monstro que, conforme ele mesmo disse na campanha de 2018, queria comprar o Brasil, falta ainda ao presidente demonstrar se enxerga valor nos Brics como um todo. A cúpula, que prossegue nesta quinta-feira, (14), é uma oportunidade única para que o governo corrija os rumos erráticos de sua diplomacia, pouco afeita ao interesse nacional de longo prazo.

No entanto, como se fala popularmente, "tá ruço"— ou, melhor dizendo, as coisas estão complicadas com os russos. Para ser mais específico, Bolsonaro pode enfrentar uma saia justa com o presidente da Rússia Vladimir Putin, aliado do governo de Evo Morales — que, no domingo (10), deixou a presidência da Bolívia em meio a protestos contra possível fraude nas últimas eleições no país, que lhe dariam um controverso quarto mandato consecutivo — e de Nicolás Maduro, na Venezuela. Situados à esquerda no espectro político latino-americano, ambos são vistos por bolsonaristas como inimigos a serem vencidos, senão aniquilados.

Putin, aliás, tem interesses fortíssimos na Bolívia e, depois da renúncia de Morales — forçada por militares num evidente golpe final contra a democracia no país vizinho —, emitiu nota condenando o desfecho da crise, um claro sinal — como bem notado pelo Blog do Jamil Chade — para os EUA e o Brasil, que saudaram a queda do presidente boliviano, reconheceram sua sucessora autoproclamada — a segunda vice-presidente do Senado Jeanine Áñez — e se recusam a chamar o processo de deposição de golpe. Processo que, aliás, teria contado com o respaldo do Brasil, conforme parte da imprensa boliviana reportou, motivando o PSOL a requerer ao Itamaraty a divulgação de eventuais telegramas diplomáticos que esclareçam a eventual participação brasileira na crise.

Para apertar ainda mais a recepção de Bolsonaro a Putin — perante quem o presidente brasileiro já amansou suas posições em relação à Venezuela —, o primeiro dia da cúpula contou com uma coincidência incrível: na manhã de quarta-feira, a embaixada daquele país em Brasília foi, segundo o governo Maduro, invadida por partidários de Juán Guaidó, autoproclamado presidente daquele país e apoiado por Trump e Bolsonaro.

Por sua vez, os partidários, que ao fim do dia deixaram voluntariamente a missão diplomática, argumentam que contaram com o apoio de dissidentes do regime de Maduro para adentrar o recinto. Interessantemente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) — filho e espécie de chanceler informal do presidente — chegou a respaldar a ação dos partidários de Guaidó, enquanto o Planalto rechaçou de pronto qualquer envolvimento haja vista que é sua responsabilidade conforme convenções internacionais proteger o entorno de representações diplomáticas em território brasileiro.

Com a Índia do primeiro-ministro Narendra Modi, Bolsonaro ensaia uma aproximação, pois já sinalizou que deve visitar aquele país em janeiro. Conforme já discuti neste blog, o presidente poderia aproveitar a reunião e entender como o nacionalista hindu Modi combina conservadorismo em casa com uma política externa autônoma e pragmática. Falta apenas o presidente brasileiro sinalizar se quer se aproximar de Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul, país situado num continente com o qual temos laços históricos, mas que é solenemente ignorado por Bolsonaro.

Segundo o blog apurou, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) produziu um documento oficial, de circulação interna ao governo, elencando seis áreas de possível cooperação entre o Brasil e seus parceiros dos Brics, de modo a aconselhar o presidente para a cúpula. Talvez tal documento tenha sido lido pelo presidente e seu entorno.

Como um diplomata me disse dias atrás, o alinhamento automático aos EUA nos trará custos. Por ora, não sabemos quais são e como dimensioná-los. Dependendo do resultado desta cúpula, passaremos a ter uma ideia se Bolsonaro e companhia finalmente estão mais pragmáticos, ensaiando uma reaproximação com aqueles que parecem destinados a ter uma parcela cada vez maior do poder mundial.

* Vinícius Rodrigues Vieira é professor visitante do Departamento de Relações Internacionais da USP.

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