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Entendendo Bolsonaro

Boiteux: "Crivella agravou muito a saúde pública do Rio"

Entendendo Bolsonaro

13/11/2020 14h46

 "As universidades têm direito aos seus orçamentos e devem por natureza se autogerir. Têm que ser um espaço livre, democratizado, de liberdade acadêmica e de cátedra, público e a serviço da maioria da população" (Crédito: Arquivo pessoal)

[RESUMO] Esta é a décima primeira entrevista de uma série iniciada pelo blog, voltada às eleições municipais de 2020. Ao longo dessas semanas, estamos conversando com candidatas e candidatos, de diferentes partidos, para conhecer a sua visão de cidade e de que maneira estas figuras pretendem contribuir para a solução dos múltiplos impasses pelos quais atravessa o Brasil. As entrevistas estão sendo transmitidas ao vivo no perfil do jornalista Cesar Calejon, no Instagram. Acompanhe!

* Cesar Calejon

Advogada, feminista, professora e pesquisadora de direito penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luciana Boiteux é candidata ao cargo de vereadora na cidade do Rio de Janeiro pelo PSOL e a 11ª entrevistada do Especial Eleições.

Boiteux aponta como o principal problema da cidade do Rio a falta de esperança que acometeu a população carioca.

"Eu fui candidata a coprefeita com o Marcelo Freixo em 2016 e, desde então, rodei o município (da cidade do Rio de Janeiro) inteiro. (…) Eu percebo as pessoas muito desesperançadas. Qualquer político que queira se eleger neste cenário precisa reconstruir essa esperança e, para isso, é necessário escutar a população. A nossa proposta de como podemos mudar a cidade passa pela ampliação da participação das pessoas nas definições dos rumos da municipalidade", explica.

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Segundo a candidata, o atual prefeito comprometeu áreas fundamentais da vida social da cidade. "O (Marcelo) Crivella agravou muito os problemas da saúde pública e da educação para o pós-pandemia. (…) Vamos atuar na fiscalização desses serviços e, em especial, na definição do orçamento. A gente quer trazer a ideia do orçamento participativo e enfatizar a questão do debate orçamentário, porque é ali que estão as tramóias (…). Trazer a realidade concreta do que as pessoas demandam para a política."

Para ela, "o enfrentamento ao bolsonarismo (no Rio de Janeiro) define de que lado você está. (…) Nesse sentido, as eleições municipais definem os rumos dos próximos anos. Quem a gente for capaz de eleger agora vai formar a base dessa luta em 2022".

A professora, que se afirma feminista e luta pela legalização do aborto, avalia os estragos causados pela atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. "As mulheres, com a Damares (Alves), estão sofrendo demais. Tenho atuado não somente com a militância de rua, de ato, mas como advogada e professora de direito penal da UFRJ, atuando com litigância estratégica contra a política misógina do bolsonarismo. (…) De fato, a nossa candidatura representa a antítese do Bolsonaro. A nossa pauta é o enfrentamento a essa violência política", salienta Boiteux, que enxerga na judicialização da política e na atuação partidária do Poder Judiciário um dos principais riscos à democracia brasileira.

"Essa é uma das pautas mais urgentes que estão colocadas hoje e que a gente já vem acompanhando há muitos anos. (…) Havia muita expectativa com a Constituição Cidadã de 1988, que foi fruto de uma reabertura democrática e apresenta muitas potências, mas o que a gente verifica no campo do direito é que houve uma inversão de lógica: criamos um Poder Judiciário com uma formação bastante autoritária, que é blindado com altos salários e que tem uma autonomia muito grande considerando a organização dos poderes (da República), mas ao mesmo tempo com uma formação muito tradicional e sendo parte do jogo (político). (…) O que a gente tem que entender é que o (Poder) Judiciário tornou-se um ator político, que tem um tipo de poder que é difícil de ser contido. A instrumentalização política do Judiciário leva à judicialização da política e ao abuso de poder, o que gera uma verdadeira insegurança jurídica. (…) É um desserviço à democracia", avalia a acadêmica.

Ainda segundo ela, outro obstáculo aos processos democráticos no país diz respeito a como o bolsonarismo tem afetado significativamente as universidades brasileiras e o campo de pesquisa, o que prejudicou a cidade do Rio e a nação de forma mais ampla.

"Eu diria, em primeiro lugar", prossegue a acadêmica, "que afetou demais a questão da autonomia universitária, porque essa foi uma conquista constitucional de 1988, no artigo 207, e justamente visava a impedir a interferência dos governos na autonomia das universidades. As universidades têm direito aos seus orçamentos e devem por natureza se autogerir. Têm que ser um espaço livre, democratizado, de liberdade acadêmica e de cátedra, público e a serviço da maioria da população. Temos visto cortes orçamentários que afetam o ensino, a pesquisa e a extensão, ameaças e ataques a professores e, por fim, mais preocupante ainda: a ameaça política por meio da nomeação dos reitores indicados nos primeiros lugares na lista tríplice, que é o que o Bolsonaro vem tentando fazer a torto e a direito".

A defesa da educação pública, gratuita, laica e de qualidade para toda a população é a bandeira central da campanha de Boiteux à Câmara dos Vereadores no Rio. "A educação precisa ser inclusiva, combater opressões e desigualdades e valorizar os estudantes e todos os profissionais. (…) Por meio da educação, queremos fazer do Rio de Janeiro uma cidade acessível, inclusiva, democrática e pensada para a maioria da população, que é feita de mulheres, negras e negros, LGBTQIA+, moradores de favelas e periferias, trabalhadoras e trabalhadores. E o acesso a cultura como direito e trabalho deve ser valorizado".

Ela ressalta que a garantia de acesso aos direitos básicos é fundamental para ampliarmos a nossa democracia, ainda tão limitada. "Por isso, ter saúde, educação, emprego, cultura, transporte e lazer são direitos de todas, todos e 'todes' e nós vamos lutar para que sejam efetivados", enfatiza a candidata, que percebe uma onda progressista crescendo nas Américas. "No Chile, na Argentina, na Bolívia, nos Estados Unidos. (…) O Biden tem os seus limites e os democratas não são socialistas. Eles têm uma política bem no centro. Contudo, essa nova administração pode trazer avanços importantes, principalmente por conta dos movimentos que vêm das ruas, como a luta antiracista", acrescenta.

Por fim, Boiteux destaca a importância "de fazer uma construção coletiva. A questão não é somente ocupar uma cadeira na Câmara dos Vereadores, mas quantas pessoas estarão juntas com a gente construindo uma 'mandata' para efetivamente ocupar e transformar o poder. Queremos levar os movimentos e as lutas para dentro da Câmara. (…) O bolsonarismo está em queda e ter candidatas feministas, socialistas e comprometidas com os direitos das mulheres em todos os níveis da atividade parlamentar é o combustível desse processo", conclui.

* Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (EACH-USP). É, também, autor do livro "A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI" (Lura Editorial).


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