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Popularidade de Bolsonaro: não é 'burrice' do povo, é a política como ela é

Entendendo Bolsonaro

14/08/2020 17h35

Jair Bolsonaro na inauguração de trecho da transposição do São Francisco. (Crédito: Divulgação)

Vitor Marchetti

Após a publicação da última pesquisa Datafolha, as redes sociais foram tomadas por debates bastante interessantes sobre o papel da política de distribuição de renda na pandemia e a máquina de comunicação popular do governo Bolsonaro. De tudo o que li e ouvi, acho importante pontuar algumas coisas:

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1) impressionante como uma parcela do campo progressista volta a um debate típico de décadas anteriores que é culpar a baixa inteligência nacional como variável explicativa. Além de elitista, a explicação dialoga muito pouco com a realidade do comportamento político padrão de nossos cidadãos.

2) estamos diante de uma fotografia que retrata o mês de agosto de 2020. Obviamente, a trajetória diz coisas sobre o passado e aponta tendências para o futuro, mas, se a pesquisa é uma fotografia, a política é um filme. No caso brasileiro, uma mistura de novela mexicana com tragédia grega. Ou seja, os cenários são dinâmicos e muito voláteis. Basta olhar para o que era a base de apoio do governo em janeiro e o que ela é agora. Não dá, portanto, para enquadrar o que será janeiro de 2021, quanto mais outubro de 2022.

3) o retrato indica que Bolsonaro começou a entregar mais política pública e isso produziu efeito positivo imediato sobre seu governo. As bravatas e a disputa de narrativas acabaram dando lugar para coisas mais concretas como: auxílio de R$ 600 reais para mais de 60 milhões de pessoas e inauguração de diversas obras (a estratégia do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, foi investir na conclusão de diversas obras iniciadas em governos anteriores antes de iniciar novas obras).

4) o filme indica que Bolsonaro é incapaz de ter uma agenda de políticas públicas. Sua única agenda parece ser cada vez mais a de impedir o impedimento e a de proteger sua família das investigações sobre ilicitudes de suas atividades políticas e econômicas.

5) a política de garantia de renda para os mais pobres foi capturada pelo Executivo. Afinal, foi criada e desenvolvida pelo Legislativo. E o Ministério da Infraestrutura, que parece ser o único com agenda, é também o mais discreto e distante dos arroubos bolsonaristas.

6) já virou uma máxima na ciência política brasileira de que o mandato presidencial é de oito anos, com recall no meio do mandato. Até aqui, a crise de popularidade do presidente foi mais resultado de sua inépcia do que da virtude de sua oposição. O quadro diz que sua inépcia e disposição autoritária foram contidas e isso foi positivo para a melhora de sua popularidade, mas o filme aponta que não é esse o papel que o ator sabe melhor desempenhar.

7) por fim, o novo momento do governo Bolsonaro está estruturado em bases bem frágeis: a) necessidade de manter um programa robusto de gastos públicos (adeus, Guedes?), b) manter o fisiologista Centrão alimentado e c) conter a sangria das muitas frentes de investigação que permanecerão como instrumento de defesa e pressão de diferentes grupos e instituições (do inquérito das fake news ao esquema das rachadinhas).

8) o quadro parece favorável para Bolsonaro. Os filmes dos presidentes anteriores poderiam até sustentar que Bolsonaro seguirá o mesmo roteiro. Ocorre, porém, que péssimos atores são capazes de afundar qualquer bom roteiro. Para o desenrolar dessa história será fundamental o tempo em que o presidente conseguirá sustentar o novo personagem e quantos novos atores (de campos políticos distintos) conseguirão assumir algum protagonismo no debate. Por enquanto, na foto só aparecem figurantes.

Vitor Marchetti é cientista político e professor do Bacharelado e da Pós-graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC)


Este é um blog coletivo que pretende contribuir, sob diversos olhares – da comunicação à psicanálise, da ciência política à sociologia, do direito à economia –, para explicar o fenômeno da nova política. O "Entendendo Bolsonaro" do título indica um referencial, mas não restringe o escopo analítico. Toda semana, pesquisadoras e pesquisadores serão convidados a trazer suas reflexões. O compromisso é com um conteúdo acadêmico traduzido para o público amplo, num tom sereno que favoreça o debate de ideias. Convidamos você a nos acompanhar e a interagir conosco

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Pesquisadores e estudiosos da nova direita e suas consequências em diversos campos: da sociologia à psicanálise, da política à comunicação.

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